terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Epopeia das Trevas (46)


- O racismo mais violento é o preconceito intelectual… o crescimento económico esvai-se.
- O crescimento económico é um pai muito rico, um presidente eterno e com os filhos na afronta da fome.
- Sem livros não há desenvolvimento, não há emprego.
- Por acaso há universidades para desempregados? É que, jogo sempre na equipa deles, meto muitos golos, e dizem-me que estou perdido. Não consigo jogar nessa equipa. Não pertenço à classe dos que recebem ordens superiores, porque significa que vivemos como inferiores. A minha Penélope já está velha, vende qualquer coisa para sobrevivermos. Os nossos dois filhos e a filha seguem a determinação do tintol. Sabes… em Jingola a única liberdade que nos resta é acariciar, rodar com os dedos, copos com qualquer mistela que se beba. Entristece-me a certeza que nenhum letrado da nossa pena escreve sobre os nossos feitos gloriosos. Nós… sim… nós… gloriosos alcoólicos, temos muitas odisseias para viver, para quem as queira narrar. Muitos, infindáveis livros encher-se-iam... construiriam uma biblioteca do tamanho de uma grande cidade. O nosso dia-a-dia dá para escrever uma obra literária, onde o autor ganharia – de sombra e água fresca – o prémio Nobel da Literatura.
- Devaneios de um alcoólico não se levam em conta.

Reapreciou-se o tilintar alaudado do medieval garrafal. Era a vizinha que aproveitou para abastecer a circunstância atenuante. O ébrio com a mente adjudicada, afortunou-se, imaginou princesa com xanto, e devaneia-lhe:

Princesa do saracotear, cervejar
Deixaram os punhais Setembrinos e Novembrinos
enferrujar
As sementes dos teus olhos perderam-se
no triste adubo verde, sem livros
Estão sempre os teus olhos tristes
sem medida cautelar
És probabilidade, defunta sem choro, figura decorativa
As noites delongam-se, mordentes noite e dia
Escravas, nas costas carregadas de garrafais crianças
Os teus lábios endureceram sem porvir
Só de fora para fora, de fora para dentro não

A minha tristeza voa, só vê desolação,
na nação
Tudo esbanjado pelo partido e não repartido
Sem bater pés não andam, desandam
Está tudo entupido, carcomido
Tudo de fachada fechada, enregelada

A tristeza de contemplar poetas
de poesia engarrafada
Poemas de escravos independentes
na pátria dos poetas mortais
Sempre as mesmas vozes se levantam
cabisbaixas nas repetidas intenções

O ambiente lembrava navio alcoólico que perdeu o leme, balançado nas cristas das ondas. Ainda não atingira a profundidade abissal desejada. Como os relatórios do FMI, equações certas, políticas erradas.
Divinos devaneios para quem sabe liquefazer-se. – Astuciou Ulisses.
O vizinho esforça-se para subtilizar os instrumentos das cordas vocais. Por sorte a mente colabora.

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