quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Olga. O Campo de Concentração





Getúlio Vargas promete convocar eleições ainda naquele ano. Agora a reivindicação das ruas é pela anistia e pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte

O Comboio que levava Olga sai de Lichtenburg rumo ao norte.

A índole belicosa dos nazistas os levou a promover uma mudança no sistema prisional da Alemanha, transformando as cadeias em estruturas a um só tempo penais e “produtivas para a economia do Reich.”

Assim que chega ao campo de concentração, Olga percebe organização e rigidez extremas. As mulheres eram classificadas por um triângulo colocado no braço ou no peito, através do qual se identificava o motivo de seu aprisionamento. Ela não foi identificada como comunista, mas como anti-social, assim como o eram as prostitutas e ladras comuns.

Pela sua capacidade e ascendência moral, Olga recebeu dos carcereiros a missão de organizar seu local de moradia e trabalho. Isso pelo menos traz alguma ocupação útil ao espírito. Instalou hábitos de higiene e levou um reforço à auto-estima das outras presas escrevendo até mesmo uma apostila rudimentar, com ilustrações e mapas através da qual contava sua história e falava sobre os caminhos do mundo. A seguir, intimada a depor em Berlim, escreve um bilhete para a sogra.

Grandes indústrias alemãs utilizavam os prisioneiros dos campos de concentração em trabalhos forçados.

Olga recebe a notícia de que Sabo não resistiu a tuberculose que se agravou depois da chegada do inverno e morreu, tendo finalmente um fim a seus traumas e suas lembranças da tortura. Descansou...

O Reichfürere SS Heinrich Himler, em visita aos campos de concentração, ordenou que as presas fossem trancadas em suas celas. Durante a inspeção, uma mulher o xingou e ele ordenou que 80 mulheres fossem punidas como forma de aviso. Dentre as escolhidas para o castigo estava Olga Benario, violentamente chicoteada.

Certa feita uma prisioneira delatou Olga a respeito do curso de conscientização política que na prática ministrava, mesmo que em condições ainda menos que precárias e ela foi novamente torturada. Em outra oportunidade chegou mesmo a dirigir a encenação de uma peça de teatro escrita e dirigida pelas prisioneiras. Tudo foi descoberto e as presas foram levadas a passar a noite sem agasalho, no palco, sob o rigoroso inverno, etc.


Olga em seus momentos finais
O Campo de Concentração já não era unicamente feminino, chegaram prisioneiros.
As notícias vindas por parte de prisioneiras recém-chegadas se opuseram ao otimismo de Olga: Hitler havia conquistado boa parte da Europa.
A situação nos campos de concentração era de terror cada vez mais crescente. Insalubridade não apenas psicológica ou do ponto da violência física direta: Olga contraiu uma virose que quase lhe tirou a vida. Mulheres eram executadas sem motivos plausíveis. Além disso surge mais um agravante: a chegada de médicos para realizarem experiências genéticas com as presas.

O vírus da tuberculose era disseminado pelos médicos, e a todo momento mulheres morriam, assassinadas pelos médicos. Dizendo tratar-se de um vírus letal, eles aplicavam constantemente a eutanásia. Os médicos faziam outras experiências a respeito de doação de órgãos e de defesa do organismo, usando as prisioneiras como cobaias.

Aquelas perversões tratadas como pesquisas médicas não seriam o fim da loucura nazista. Até então as execuções praticadas em Ravensbruck vinham sendo feitas individualmente. No começo do inverno de 1942 começaria a “Solução Final”, o extermínio sistemático e deliberado de judeus e comunistas. Segundo notícias que corriam entre os presos, o médico Fritz Menennecke ali estaria com a função de selecionar as mulheres que poderiam ser utilizadas como mão-de-obra escrava e as que seriam eliminadas nas câmaras de gás e nos fornos crematórios.

Quando as primeiras levas de prisioneiras de Revensbruck foram removidas, as remanescentes ficavam em dúvida: estariam sendo transferidas para outros campos ou seriam eliminadas. Elas combinaram que cada uma levaria um toco de lápis e um papel onde deveriam colocar o nome do local para onde estavam sendo transferidas. Colocariam na barra da saia. A volta do caminhão trazendo as roupas usadas pelas mulheres transferidas repetiam o mesmo nome: Bernburg.

Uma cidadezinha situada a 100 quilômetros a sudoeste de Berlin, Bernburg tinha apenas um prédio mais imponente que a Igreja Luterana: um hospital para tratamento de doenças mentais. Neste hospital, seis dos 15 prédios de cindo pavimentos do hospital psiquiátrico foram ocupados por ordem de Himmler e transformados em Propriedade do Reich - camuflando as atividades que as SS passariam a exercer ali.

No subsolo do Hospital foram construídos amplos cômodos com as paredes e o chão revestidos de azulejos brancos de cujo teto pendiam chuveiros. Parecia um local para banho coletivo. Nascia a invenção macabra do nazismo: a primeira câmara de execução em massa de prisioneiros através de asfixia por gás. O primeiro teste foi realizado com os próprios alemães, soldados que se negaram a bombardear posições republicanas na Espanha, considerados desertores, foram punidos com a morte por inalação de “Zyklon – B”.

No começo de fevereiro de 1942, um pouco antes de Olga completar 34 anos, as mulheres foram reunidas no pátio central de Revensbruck para ouvir nos autofalantes do campo a relação das 200 prisioneiras que na manhã seguinte seriam “transferidas para outros campos de concentração”. Eram chamadas em ordem alfabética. Olga Benario Prestes seria a de número 150. Junto com ela iriam as amigas Tilde Klose, Irena Langer e Rosa Menzer.

Os autofalantes davam um último aviso: as prisioneiras relacionadas teriam 30 minutos para recolher seus pertences e se apresentar para o embarque. Meia hora foi o suficiente para que Olga escrevesse uma carta à filha e ao marido.

Dez dias depois, quando o caminhão voltou com as roupas das mulheres embarcadas naquela noite, Emmy Handke correu a procurar o vestido de Olga. Apalpou a barra e dela tirou um pequenino pedaço de papel onde estava escrita apenas uma palavra: Bernburg.

Guerra e Redemocratização
Vargas era uma raposa ladina. Contava em seu ministério com simpatizantes do Eixo e simpatizantes dos aliados. Abriu conversações com ambas as forças e buscou extrair o máximo de cada uma. Os EUA – aliados da URSS na Guerra –, após muita negociação e diálogo, fizeram a melhor oferta: a construção da Companhia Siderúrgica Nacional e a de bases militares no Nordeste, em troca de apoio durante o esforço de Guerra, revertendo as instalações ao governo brasileiro quando esta chegasse ao final. Ao término da Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro solicita um reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética. Mulheres, estudantes e profissionais liberais organizam comícios em todo país, exigindo a concessão imediata de anistia política aos presos e exilados.

Getúlio Vargas promete convocar eleições ainda naquele ano. Dutra apresenta-se como candidato governista à Presidência e inclui na sua plataforma uma inacreditável bandeira: a legalização do Partido Comunista. Agora a reivindicação das ruas é pela anistia e pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte.

Em 18 de abril, Vargas assina um decreto que concede anistia aos presos políticos. Antes mesmo que o ato fosse publicado no Diário Oficial, os cinco primeiros beneficiários da medida deixam as prisões. Dentre eles estava Luís Carlos Prestes que ao sair pergunta sobre o destino de Olga e de seu amigo Arthur Ewert, que tinha sido beneficiado pela anistia mas, torturado até a loucura, talvez não tivesse condições de desfrutar da liberdade pois estava internado num manicômio no Rio de Janeiro. Quanto a Olga, não tinha nenhuma informação. Naquele momento, porém, quem elogiava o presidente da República era Luís Carlos Prestes que havia sido vitimado pela repressão dirigida por Vargas. A primeira reação contra o apoio de Prestes a Vargas parte de seu antigo advogado Heráclito Sobral Pinto que condena qualquer união nacional com o senhor presidente.

A primeira manifestação dos comunistas após longo período na ilegalidade ocorreu estádio do Pacaembu, em 1943 e teve a participação de grandes intelectuais e de uma grande massa popular. Depois da manifestação foi em direção à estação Roosevelt, onde tomaria um trem de volta ao Rio de Janeiro.
Um Telegrama dos aliados e uma carta de Olga

Cercado de amigos ele se preparava para subir a escada do vagão-leito, quando um jovem chegou correndo, abrindo passagem entre os que se despediam do chefe comunista:
_ Capitão! Capitão Prestes! Um momento, não embarque!
Temeu-se uma tentativa de agressão, mas o rapaz se identificou:
_ Sou repórter da agência de notícias United Press. Nós tínhamos pedido às sucursais européias que buscassem informações sobre Olga Benario, e acabamos de receber este telegrama sobre ela, enviado pelo correspondente em Berlim.
Ansioso, Prestes levou o pedaço de papel aos olhos e leu-o com o rosto crispado, diante do silêncio dos amigos que o fitavam. Levantou a cabeça e disse apenas três palavras:
_ Olga está morta.
Era um despacho curto, sem muitos detalhes:

“Berlim - As autoridades aliadas acabam de informar que entre as 200 mulheres executadas na câmara de gás da cidade alemã de Bernburg, na Páscoa de 1942, estava a senhora Olga Benario, esposa do dirigente comunista brasileiro Luís Carlos Prestes.”

Prestes entrou no que já começava a se movimentar rumo ao Rio de Janeiro, caminhou por entre as poltronas em silêncio, sentou-se e leu mais uma vez a notícia, antes de guardar o papel no bolso do paletó.

Só muitos anos depois é que ele receberia a última carta que Olga escrevera a ele e à filha, ainda em Ravensbrück, na noite da viagem de ônibus que a levaria à morte em Bernburg. Transcrevo literalmente pela beleza da peça e para que se possa conhecer melhor o coração da mulher.

“Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?

Querida Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijos pela última vez.
Olga.”

Trabalho revisado a 19 de agosto de 2004
Lázaro Curvêlo Chaves

http://www.culturabrasil.pro.br/olga.htm
Imagens:
http://books.google.it.ao/
http://www.chgs.umn.edu/museum/exhibitions/ravensbruck/images/assembled_cover.jpg

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