terça-feira, 6 de setembro de 2011

Human Rights Watch apela governo a por termo ao uso de força contra manifestantes


Joanesburgo – As autoridades angolanas devem pôr imediatamente termo ao uso de força desnecessária e desproporcional contra manifestantes, anunciou hoje a Human Rights Watch. Devem igualmente garantir a proteção dos manifestantes contra a violência, bem como dos jornalistas que fazem a cobertura das manifestações antigovernamentais, afirmou a Human Rights Watch. A organização manifestou-se igualmente preocupada com o facto de presumivelmente mais de 30 manifestantes detidos pelas autoridades continuarem incomunicáveis e com paradeiro desconhecido.

Fonte: HRW
A 3 de setembro de 2011, agentes da polícia e grupos de homens não identificados, aparentemente associados às autoridades, dispersaram violentamente uma manifestação contra o governo em que participavam várias centenas de manifestantes. A manifestação, na Praça da Independência de Luanda, urgia o Presidente José Eduardo dos Santos – no poder há 32 anos – a renunciar. A polícia disse que quatro agentes e três cidadãos tinham ficado feridos e que 24 pessoas tinham sido detidas, tendo culpado os manifestantes pela violência. No entanto, testemunhas contaram à Human Rights Watch que muito mais pessoas ficaram feridas e que mais de 40 manifestantes foram detidos.

“As autoridades angolanas devem imediatamente divulgar o paradeiro das pessoas detidas durante a manifestação e dar-lhes acesso a advogados e às suas famílias,” disse Daniel Bekele, diretor de África da Human Rights Watch. “A omissão deliberada desta informação não só suscita preocupções sobre maus-tratos na prisão, mas viola igualmente os direitos fundamentais a um processo justo.”

A polícia recusou-se a confirmar o paradeiro dos manifestantes que foram detidos ou a dar-lhes acesso a quaisquer visitas. Desde então, foram libertados pelo menos seis manifestantes.
Homens não identificados também atacaram vários jornalistas que faziam a cobertura da manifestação e apreenderam ou partiram as suas câmeras e outros aparelhos de gravação, numa tentativa aparentemente coordenada de impedir a cobertura mediática e o relato de testemunhos imparciais dos incidentes de violência.

O governo de Luanda tinha dado luz verde à manifestação, que havia sido convocada por um movimento juvenil apartidário sob o lema “Basta aos 32 anos de corrupção e má governação.” Antes do início, marcado para o meio-dia, um dos organizadores, Pandito Nerú, foi raptado sob ameaça de arma por homens não identificados e armados com AK-47. Posteriormente, Nerú disse à Human Rights Watch que os homens armados confiscaram material que tinha preparado para o comício e que o levaram para uma praia distante, onde o intimidaram com ameaças de morte e, mais tarde, o libertaram.

O comício começou de forma pacífica ao meio-dia e, segundo testemunhas, tomou um rumo violento após as 13:00, quando um grupo de participantes abandonou a praça e se dirigiu para o palácio presidencial para exigir a libertação de Nerú.

Para impedir os manifestantes de chegarem ao palácio presidencial, agentes da polícia bloquearam uma estrada nas proximidades e detiveram manifestantes, enquanto grupos de homens não identificados e armados com porretes atacavam violentamente manifestantes e agrediam vários jornalistas.

Alexandre Neto, jornalista da Voz da América, contou à Human Rights Watch que agredido por homens não identificados que lhe levaram as mochilas onde tinha guardados os seus celulares. Paulo Catarro, chefe de uma equipa de filmagens da estação de televisão portuguesa RTP, contou à comunicação social que homens não identificados atacaram a equipa e lhe partiram a câmara. Segundo testemunhas entrevistadas pela Human Rights Watch, os mesmos indivíduos também atacaram dois jornalistas da estação de televisão angolana TPA, detida pelo Estado.

Jornalistas e manifestantes disseram à Human Rights Watch que os indivíduos não identificados responsáveis pela violência aparentavam serem bem treinados, tendo-se infiltrado na multidão de uma forma coordenada. De acordo com os jornalistas e manifestantes, a polícia deteve uma série de participantes do comício, incluindo os líderes do movimento, mas não interveio nem deteve os indivíduos que estavam a atacar violentamente os manifestantes com porretes e a apreender câmaras.

O jornalista freelancer português António Cascais disse à Human Rights Watch ter sido brutalmente atacado por quatro indivíduos não identificados por volta das 19:00, pouco tempo antes de chegar ao seu hotel, quando regressava da manifestação. Temporariamente em Angola para trabalhar sobre assuntos culturais, o jornalista não tinha qualquer intenção de cobrir a manifestação, mas reparou nos acontecimentos quando passava pelo local. Os homens também o revistaram e confiscaram-lhe a câmara – que um colega tinha usado para tirar fotografias da manifestação – bem como os seus celulares e passe de imprensa. Cascais descreveu o que lhe aconteceu:

Agarraram-me violentamente pelo pescoço e atiraram-me ao chão, insultando-me, dizendo que eu estava a "instigar a confusão." Pisaram-me a cara para me imobilizar de imediato e revistaram-me os bolsos. Levaram-me a máquina fotográfica e os telemóveis mas nem tocaram nos $300 que tinha comigo. O objetivo deles não parecia ser bater nem roubar, mas antes pegar rapidamente fotografias da manifestação.

A Human Rights Watch disse que as autoridades têm a obrigação de adotar todas as medidas razoáveis para proteger os manifestantes pacíficos e os jornalistas que fazem a cobertura de manifestações.

“A polícia deve investigar todos os atos de violência rapidamente,” afirmou Bekele. “A polícia deve procurar deter os indivíduos armados que atacaram os manifestantes, para evitar passar a ideia de que os atacantes estavam a agir de acordo com instruções oficiais.”

A manifestação na Praça da Independência continuou até por volta da meia-noite de 3 de setembro, altura em que agentes da polícia, e os mesmos grupos de indivíduos que haviam atacado jornalistas e manifestantes anteriormente, dispersaram violentamente a restante multidão.

Tal como Mário Domingos, um dos organizadores da manifestação, contou à Human Rights Watch:
À meia-noite, vários agentes da polícia disseram-nos para abandonar a praça. Nós recusámos. De repente, muitos deles invadiram a praça e estavam em cima de nós. Bateram-nos brutalmente com porretes e soltaram os cães deles. Os cães morderam e feriram pelo menos dois de nós. A polícia chegou acompanhada dos mesmos indivíduos que nos tinham agredido antes, a nós e aos jornalistas. Por essa altura, já não havia nenhum jornalista lá. Várias pessoas desmaiaram e a polícia levou-as. Alguns de nós conseguiram fugir. Corremos o mais rápido possível. Mas a polícia e os homens sem uniforme vieram atrás de nós. Detiveram mais 18 pessoas. Até ao momento, não sabemos quantos foram detidos nem para onde foram levados. As nossas famílias estão preocupadas, mas a polícia recusa-se a dar-nos qualquer tipo de informação.

Um advogado, Luís do Nascimento, contou à Human Rights Watch que as autoridades policiais o impediram de contactar o seu cliente, Adolfo André, outro dos organizadores do movimento juvenil. Disse também que o comandante de uma esquadra da polícia na Ilha de Luanda, onde acredita que um grupo de manifestantes esteja detido, recusou-se a dizer-lhe qual o seu paradeiro e de que são acusados, alegando “ordens superiores”. Segundo o advogado, os detidos deveriam apresentar-se perante o juiz no dia 5 de setembro, e deverão ser levados a tribunal para julgamento sumário. No entanto, as autoridades não informaram os advogados em que local se irão realizar os julgamentos.

ContextualizaçãoA 21 de agosto, a polícia interrompeu uma conferência de imprensa dada pelos organizadores da manifestação de 3 de setembro em Luanda, tendo apreendido panfletos e brevemente detido cinco dos organizadores. No mesmo dia, o jornalista da VOA, Alexandre Neto, foi também vítima de uma breve detenção pela políca, que lhe confiscou a máquina fotográfica, após ter tirado fotografias do local onde estava planeado realizar-se a conferência de imprensa. Todos eles foram libertados da prisão no mesmo dia e a polícia devolveu o material ao jornalista.

Desde inícios de 2011, o governo de Angola tem vindo a reforçar esforços destinados a impedir a realização de manifestações antigovernamentais na capital, Luanda. Em março de 2011, a Human Rights Watch documentou como as autoridades angolanas detiveram jornalistas e intimidaram organizadores da manifestação, no período que antecedeu os protestos planeados para 7 de março, os quais não chegaram a ter lugar.

Desde 2009, as autoridades angolanas têm vindo a obstruir e a banir a maioria das manifestções públicas planeadas contra o governo.

Para mais relatórios da Human Rights Watch sobre Angola, por favor visite:http://www.hrw.org/angola

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