quarta-feira, 31 de março de 2010

A insistente maldição da eléctrica escuridão marxista-leninista que nos perpetua


Eles dançam diabolicamente com tumbas andantes carregados, desesperados. Sem energia eléctrica… parece que existiu um país que chamavam Angola. Eis a vitória da miséria extrema, total e completa. Destruir é o seu fundamento, a sua génese, a sua vil existência. Governam-nos segundo a vontade dos deuses deles. Asfixiar-nos é o seu fundamento, porque ainda existem algumas sobras para destruir.

Há um desejo incontido, um TERROR epidémico, de liquidar o que ainda move Angola… as pequenas empresas.

Decidimos o nosso futuro, o vosso também. Promovemos, governamo-vos a insegurança porque no nosso poder não existe população, subsiste a eterna, a extrema dominação dos Macacos australis, Australopithecus.

Imagem: microsintonias.blogspot.com/

segunda-feira, 29 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (34). A História me Absolverá do Fidel Castro, e O Livro Vermelho, de Mao Tse-tung.


A primeira coisa que nos mandaram fazer foi formar na parada, e aprender um novo estilo de marcha. Tínhamos que levantar os joelhos bem alto e bater com as botas no chão com força. Este estilo de marchar era idêntico ao dos comandos, e não compreendia o porquê. Também pouco ou nada me interessava. O aprumo era rigoroso. A barba sempre em dia, não se admitia a mínima falha no barbear. A boina com o emblema da aranha que identificava como pertencente à arma das comunicações de engenharia, ficava ligeiramente caída para a direita na cabeça, e o emblema tinha que ficar sempre na vertical. A gravata e a camisa sempre impecáveis. O blusão também, com todos os botões abotoados. As calças, seguras a meio dos atacadores das botas, sempre bem engraxadas. O rigor era tal que nas revistas de saída até passavam a mão pela face para ver se estava bem barbeada.

O nosso comandante de pelotão era um aspirante, quase sempre substituído por dois primeiros-cabos. Começámos a nossa primeira aula de morse com o cabo Silva, onde se notou algum alarido, como é natural. O cabo Silva advertiu-nos imediatamente que a instrução era muito rigorosa, e qualquer indisciplina, o aluno levaria imediatamente com o RDM, Regulamento de Disciplina Militar, ou iria para a prisão.

Primeiro, começámos com aulas de morse em velocidade lenta, com o tempo aumentou, de tal modo que se tornava muito difícil escrever as letras dos sons que ouvíamos.

O café Arcádia ficava próximo, e tinha bilhar. Era aqui que passávamos as noites. Estava sempre a abarrotar. Era graças a nós que fazia bom negócio. Foi aqui que conheci o Neves. Ele participava num debate em que defendia o fim da guerra colonial. Pela argumentação notei que era culto. Contou-me depois que lhe faltavam algumas disciplinas escolares, e por isso enviaram-no para o contingente geral. Na caserna surpreendeu-me com dois livros. A História me Absolverá do Fidel Castro, e O Livro Vermelho de Mao Tse-tung. Os livros circulavam de mão em mão com a maior discrição, senão seríamos todos presos. Receei que alguém nos denunciasse este acontecimento, mas não, ninguém o fez. O colega da cama próxima era catequista. As suas intervenções tinham sempre cunho religioso, um fanatismo doentio. Devido a isso, eu e o Neves passámos a chamar-lhe Padre, e toda a caserna também. Com o Neves e a nossa oratória, púnhamos o homem, pode-se garantir, nas raias da loucura.

Os debates viraram verdadeiras batalhas religiosas… o Padre perdia sempre. E quando ouvíamos gritos era o tarado do Madragoa com a sua equipa, que antes encerrava as portas da caserna e com uma vítima imobilizada, baixava-lhe as calças e depois arrancava os cabelos junto ao pénis um a um, e contando-os perguntava-nos se eram suficientes ou não. Na próxima vítima ser-lhe-iam arrancados mais cabelos que a anterior, porque era necessário homologar o recorde.

Imagem: Arca de Água, Porto.
cidadesurpreendente.blogspot.com/

Títulos do FOLHA 8, edição 1000, 27 de Março 2010


Especial Folha 8
Justino Pinto de Andrade (24/03/2010). Os meus parabéns ao F8
Luisete Macedo Araújo. Coragem obreiros do F8
Reginaldo Silva. Parabéns Folhinha!
Mariano Costa. Em frente Folha 8
Manuel Vieira. Feliz edição 1000
O Folha na visão dos universitários
Mendes de Carvalho. “Folha8 é sinónimo de coragem”
Entre os melhores
Agradecimentos
Ismael Mateus. O F8 tem uma estrutura e um passado que qualquer jornal inveja

Destaque
Angola a caminho de uma autocracia?
Cabinda é um assunto proibido
E agora chefe…? A Taça de África das Nações e a corrupção dos dirigentes do ministério das Obras Públicas
A propósito da resposta de Bornito de Sousa a Rafael Marques
Condenados do Caso Frescura. Familiares exigem autores morais do crime
Depois de muita polémica. Advogados lusófonos solidarizam-se contra prisão de Francisco Luemba

Política
Deputados da UNITA testemunharam o bastão da ditadura na Huíla
Governo da Huíla diz que demolição de casas vai continuar até Junho
Parlamento aprova resolução que autoriza negociação da fronteira marítima com RDC

Nacional
A grande revelação de Bornito
Repressão em Benguela contra a manifestação pacífica. Mais uma razão da existência. Governo do Namibe visita correspondentes privados

Sociedade
Mais angolanos interditados no Brasil
Polícia quer hotéis mais controlados
Automobilistas banalizam estrada de Catete
Folha familiar. Ausência paternal enfraquece produção de oxitocina nos filhos
Obra exclusiva F8. O cavaleiro Epok, o petrolífero (22). Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné.

Entrevista
O F8 vai continuar ao lado dos autóctones, porque “Angola vai mudar com a mudança do amanhã”

A Quente
As agressões estão na moda. Woody Allen inspirou JES. Maluco “à ferrá” policias

Ciência e Educação
A Eterna conspiração dos políticos contra os académicos (Final)

Opinião
O conteúdo do Folha zero
Urbanizando. O Planeamento, as suas Escolas e funções
Carta aberta aos militantes, simpatizantes e amigos que defendem a democratização do MPLA. Compatriotas e irmãos! Condenamos e dizemos não às demolições anárquicas…!

Crónica
Do outro lado do Oceano. Finalmente
Mitosofia. Antropologia do trabalho em Angola (Iª parte)

Cultura
Francisco Soares alerta. A crítica literária em Angola tem de evoluir
Folha 15 anos na Cultura. Edição 1000 vista por Nguimba Ngola, poeta
A língua na boca dos falantes. Edição 1000
Para onde vamos

Desporto
CHAN-2011. Selecção joga cartada decisiva.
Bondarenko volta atacar
Afrotaças-2010. Angola próxima da qualificação
Basquetebol. Libolo prepara jogo da desforra








Savimbi o Kiamangongo, num trabalho de Sousa Jamba



"O homem que não assume o passado não tem futuro"

SAVIMBI. Ele foi o pior inimigo de si próprio
Via Email. Fonte:EXPRESSO

A vida de Savimbi dividiu-se em três fases.
Na fase inicial foi um produto do sistema colonial português

Jonas Savimbi era um homem altamente complexo e cheio de contradições. Gostava muito de livros e da educação, mas matou muitos intelectuais que divergiram dele. Afirmava ser um lutador pela democracia e pela economia livre, mas criou escolas para quadros, onde eu próprio me licenciei, que ensinavam o maoismo. Dizia-se um democrata, mas não tolerava as críticas. Para alguns angolanos, Savimbi é a encarnação do diabo; para outros, é um dos líderes mais inteligentes, mais determinados e mais corajosos que Angola teve até hoje. Qual será, então, a verdade?
(Nota: Savimbi foi colaborador activo das Forças Armadas portuguesas contra o MPLA no Leste de Angola)

A vida de Jonas Savimbi pode ser dividida em três fases: o Savimbi da etapa inicial, o Savimbi da etapa intermédia e o Savimbi da etapa final. O da etapa inicial foi um produto do sistema colonial português. Nasceu em 1934 em Munhango, estação da linha de caminho-de-ferro de Benguela, onde o pai era chefe de estação - na época, um lugar impressionante para um africano. Savimbi sofreu a humilhação por que passaram muitos negros angolanos, inteligentes e ambiciosos. Tinha antipatia pelos «assimilados» e por alguns mulatos que faziam então parte da classe privilegiada. (Mais tarde, Savimbi iria atenuar a sua hostilidade em relação aos brancos, criando grandes amizades com alguns deles).

Em finais dos anos 50 obteve uma bolsa de estudo para Lisboa a fim de estudar Medicina, mas, depois de muitas perseguições movidas pelas autoridades portuguesas, fugiu para a Suíça onde estudou Ciências Políticas. Voltou para África, aderiu à FNLA e tornou-se seu secretário para os Assuntos Externos. Viajou por todo o mundo e estabeleceu ligações com muitos nacionalistas africanos incluindo Jomo Kenyata, do Quénia, e o falecido Felix Houphouêt-Boigny, da Costa do Marfim. Savimbi foi para a China, onde conheceu o Presidente Mao, e adoptou a revolução chinesa como modelo. Regressou clandestinamente a Angola e, em Dezembro de 1966, levou a cabo o primeiro ataque, em Luau, na província do Moxico. Em 1974, por ocasião da revolução em Lisboa que derrubou o regime colonial fascista, a UNITA, de Savimbi tornou-se num dos três movimentos de libertação que competiram entre si pelo apoio dos angolanos. Os outros dois eram a FNLA e o MPLA. O MPLA seria o vencedor da guerra civil que se seguiu à partida dos portugueses.

O Savimbi da etapa intermédia vai de 1975, quando os apoiantes da UNITA foram forçados a fugir das cidades para o mato, até 1983, quando, com a ajuda dos americanos e dos sul-africanos, o movimento atingiu o seu apogeu. O Savimbi da etapa intermédia era carismático, eficiente e amado pelos seus colaboradores mais próximos.
Sem Savimbi a UNITA teria desaparecido nessa altura. Savimbi conseguiu, habilmente, atrair muitos professores, enfermeiros, mecânicos e burocratas, que vinham das terras altas centrais para o mato a fim de participarem na administração dos territórios que controlava e que, a certa altura, abrangiam grande parte do território de Angola. O Savimbi da etapa intermédia falava em nome dos angolanos pobres que sempre tinham sido marginalizados.

Milhares de jovens, especialmente do grupo étnico ovimbundo, viam em Savimbi um pai adoptivo. Aqui estava, finalmente, um homem que infundia respeito em alguns círculos internacionais e que também sabia relacionar-se com os mais humildes camponeses angolanos.
Savimbi era igualmente eficiente a descobrir e a estimular talentos. As figuras que estavam nas posições cruciais subiam não através de nepotismo, mas sim pela sua competência. Se este Savimbi tivesse sido Presidente de Angola, o país teria tido uma história mais risonha. Contudo, o Savimbi da etapa intermédia começou a manifestar características que o haviam de marcar até ao fim da vida matando opositores políticos, por vezes por razões infundadas. Este Savimbi começou a ver-se como a encarnação da causa da UNITA e permitiu que um culto da personalidade se desenvolvesse à sua volta. Os músicos só podiam cantar canções em seu louvor; outros podiam escrever poemas desde que tivessem uma estrofe de glorificação do líder. Este culto foi estimulado por informadores ansiosos de estar nas boas graças do líder. Alguns deles viriam, mais tarde, a passar-se para o lado governamental.

O Savimbi da etapa intermédia também começou a abandonar qualquer ideia de liderança colectiva para o movimento. O destacado secretário para os Assuntos Externos, Orneias Sangumba, foi morto por ser alegadamente um agente da CIA. Apesar das ligações estreitas que acabou por estabelecer com americanos e sul-africanos, Savimbi nutria uma grande desconfiança em relação à CIA. Nessa altura, o então chefe do Estado Maior, Waldemar Chindondo, militar distinto que foi um dos primeiros oficiais negros do Exército português, foi igualmente morto devido a acusações infundadas. Kashaka Va-kulukuta, anteriormente um colaborador muito próximo de Savimbi, foi metido numa prisão e acabou por morrer de doença. Segundo a direcção do movimento - a qual toda a gente tinha de aceitar - figuras como Sangumba estavam numa qualquer região remota do território controlado pela UNITA. Mas era uma grande mentira.

A mentira, especialmente aos órgãos de informação internacionais, era possível porque Savimbi tinha o controlo completo do movimento. Tudo o que os seus seguidores faziam devia depender do facto de serem ou não leais à sua causa. A UNITA não tardou a desenvolver uma intrincada rede de informadores que reportavam sempre ao líder. Ele sabia tudo - pelo menos era isso o que as pessoas pensavam.
Em 1990, Savimbi entrou em litígio com Tito Chingunji, o seu secretário para Assuntos Externos, um homem igualmente brilhante, acusando-o de se ter tornado demasiado próximo dos americanos. Apesar de todas as suas qualidades, é difícil perdoar Savimbi pelo modo como se vingou da família de Chingunji: os outros três irmãos de Tito e os seus filhos foram executados.
Savimbi devia pensar que ia ganhar as eleições de 1992 e realizar o sonho da sua vida de ser Presidente de Angola, e que todos aqueles que ele tinha matado seriam esquecidos. Mas não foi isso o que aconteceu. A UNITA perdeu as eleições, disse que os resultados tinham sido fraudulentos e Savimbi e os seus colegas voltaram a pegar nas armas. Este período, desde 1992 até à sua morte, marca o Savimbi da etapa final.

O Savimbi da etapa final nunca se poderia ter adaptado a uma sociedade digna e com regras. Tratava-se de um Savimbi cuja única motivação era o poder e o controlo absoluto. Este Savimbi tinha pouco respeito ou consideração por aqueles que lhe estavam próximos - incluindo as suas mulheres e amantes. É um segredo por todos conhecido que Savimbi tinha uma intrincada vida doméstica. Os filhos tinham de lutar entre si para atrair a atenção paternal. Oficialmente tinha uma mulher, Ana Paulino, mas também uma série de amantes; estas teriam sortes diversas, tais como os membros do seu gabinete ou do alto comando. O círculo íntimo de Savimbi era como uma corte medieval: os cortesãos disputavam entre si influência e poder (principalmente para serem ouvidos pelo «rei») através de intrigas.

O Savimbi da etapa final também sabia lançar as famílias mais influentes umas contra as outras, através do seu sistema clientelar. Jonas Savimbi nunca se interessava pelo dinheiro em si. Isto talvez derivasse da sua educação de protestante. Contudo, estava mais interessado no poder do que naquilo que o dinheiro poderia dar a alguém. Um dos fracassos da UNITA foi o de ser um movimento cujo líder tinha ilusões de vir a governar um Estado. Ainda me recordo dos tempos em que os líderes da UNITA diziam que esta tinha tanto dinheiro que dava para envergonhar o tesouro de muitos países africanos. O próprio Savimbi gabou-se um dia numa entrevista que havia africanos que vinham ter com ele para lhe pedirem lições de economia. (Quem recusaria tais lições se, no fim, lhes era entregue um envelope com alguns diamantes?).

Claro que ninguém se atrevia a dizer que este tipo de comportamento não era digno de um líder. (Alguns dos comandantes mais jovens de Savimbi começaram a imitá-lo e acabaram por ter uma série de mulheres e filhos, alguns dos quais vivem agora em condições terríveis nos campos de refugiados na Zâmbia). É chocante como estes jovens comandantes começaram a imitar Savimbi em todos os aspectos - incluindo o modo como ele andava, falava ou dançava. Era estranho, por exemplo, ver um grupo de homens na casa dos vinte anos, todos calçando botas mexicanas iguais porque era assim que o líder gostava. Também começaram a copiar a sua inflexibilidade e tendência para personalizar todos os problemas.

É verdade que, depois de 1992, o Governo angolano tratou mal os apoiantes da UNITA em Luanda tendo sido assassinadas pessoas inocentes das etnias ovimbundo e kinkongo, apenas em consequência das suas origens. Contudo, depois de ambos os lados terem aceite, no acordo de Lusaka, que o caminho para a frente era a reconciliação, a importância que estava a ser dada ao estatuto do Dr. Savimbi fez passar para segundo plano o verdadeiro problema. Houve então momentos em que pareceu que a UNITA tinha estado no mato unicamente para dar um posto importante a Jonas Savimbi em Angola.

O Savimbi da etapa final era impiedoso e estava pronto a sacrificar centenas de vidas pela sua causa. Savimbi queria, acima de tudo, estar no comando - e este desejo de um controlo total tinha atingido proporções patológicas. Era também altamente caprichoso - e, face a diversos reveses militares, começou a assacar todas as culpas aos seus comandantes.
Cientes do futuro que lhes estava reservado, muitos deles acabaram por desertar para as fileiras do Governo, onde eram devidamente recompensados com postos aliciantes. Muitas famílias importantes da etnia ovimbundo, a maior de Angola, confiavam em Savimbi e entregavam-lhe os seus filhos. Por ocasião da sua morte, muitos destes falaram mal dele. Muitos perceberam que Savimbi queria implantar um estado totalitário em Angola. Não foi o Governo angolano enquanto tal que destruiu o falecido líder da UNITA; Jonas Savimbi foi o pior inimigo de si próprio. Isto explica a estranha apreensão da elite governamental de Angola na sequência da morte de Savimbi: agora que o papão nacional desapareceu eles terão de provar do que são capazes. Por exemplo, será que vão continuar a desviar a riqueza da nação para contas em bancos estrangeiros, será que vai haver uma verdadeira democracia nos assuntos do Estado?

Mas como é que Savimbi, o nacionalista empenhado, se transformou num potencial ditador africano? Há muitos anos que, como ovimbundo que sou, me interrogo como foi possível que uma pessoa que eu tanto admirei se tivesse transformado numa de quem me envergonho de dizer que fui colaborador.
Ninguém duvida de que era um homem extremamente inteligente, cuja capacidade de trabalho e boa memória o colocaram acima dos outros. Trabalhei durante pouco tempo como tradutor no gabinete de Savimbi - e não hesito em dizer que ele foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci. Foi também muito corajoso até ao fim. Foi isto, inevitavelmente, que levou muitas pessoas - especialmente da etnia ovimbundo, a maior de Angola - a segui-lo. Contudo, ultimamente, muitos ovimbundos começaram a perder a fé nele. Isto não significa que tenham agora começado a aceitar a cleptocracia de Luanda - . com as suas passagens de modelos e sumptuosas mansões em Palm Beach contrastando com tanta miséria. O que acontece é que tinham seguido um líder com muitos defeitos e que lhes estava a sair demasiado caro.
Jonas Savimbi tinha profetizado em diversas ocasiões a sua morte. Num discurso na Jamba, então o quartel-general da UNITA no leste de Angola, disse que iria morrer de morte violenta. Em vida, Savimbi já se tinha tornado numa lenda. Na morte, poderá, para muitos dos seus ardentes apoiantes, tornar-se no perfeito mártir. Tanto a UNITA como o MPLA têm heróis - alguns são uma pura criação dos departamentos de propaganda - que disseram terem posto o interesse colectivo acima dos seus interesses individuais. No entanto, todos concordam que Savimbi se manteve fiel aos seus princípios - ou seja, a conquista do poder - até ao último momento. Não parou de disparar mesmo depois de sete balas se terem alojado no seu corpo.

Fotos: Revista EXPRESSO




domingo, 28 de março de 2010

ANJOS E LUBANGO (2)


Noutro dia veio uma delegação de alto nível chefiada pelo MPLA. Anjos, estava presente. Então o MPLA disse a Anjos:
- Onde tens andado? Porque não proteges os bens do meu vassalo Lubango?!
Anjos respondeu:
- Estou sempre vigilante, está tudo sob controlo, não notei nada de anormal, mas continuarei na senda de demolir tudo o que seja do Lubango. Esse tem a mania que é intocável.
Disse o MPLA a Anjos:
- O vassalo Lubango merece a minha admiração. É a única pessoa honesta que nos resta no reino. Tomara que houvesse mais como ele. Confesso que os corruptos ganharam o campeonato da corrupção e das demolições… e apuraram-se para o campeonato mundial. Facilmente obterão a vitória final.
Anjos respondeu ao MPLA:
- A nossa vitória é incerta. O terror da corrupção terminará em assassinatos, ajustes de contas e brutais, incontrolados tumultos até à vitória final da grande locomotiva do outro comboio angolano que não gira, que não gira. Somos vulgares aprendizes das más políticas, e como tal não temos noção como isto acabará.
O MPLA disse a Anjos:
- A nossa secreta informou-me que você está envolvido no roubo de terras para pura negociata. Tratamos disso depois. Peço-lhe que não atente contra a vida do Lubango.

Anjos baldou-se. Quando viu o luxuoso avião particular do MPLA desaparecer no céu ainda livre, não se sabe por quanto tempo, comandou pessoalmente alguns dos seus matadores de confiança, e sovaram o Lubango, mas de maneira que não o matassem.
O corpo do Lubango ficou macadamizado, camartelado. Lubango apanhou uma folha de bananeira, a única coisa que lhe restava, para limpar as feridas. Tudo à sua volta parecia uma chuva de cinzas, mil vezes pior que a tão badalada batalha dos milhares de desconhecidos tombados do Kuito Kwanavale. Sentou-se nos restos dos tijolos e na madeira queimada. A sua esposa ataca-o:
- Ainda gostas do MPLA?! Depois do que o Anjos dele te fez?! És muito parvo!
- Vocês, mulheres não entendem nada destas coisas e o kota Mutindi confirma-o. Apesar do Anjos me espoliar, me demolir e privatizar tudo o que tinha, devo obediência e lealdade ao MPLA.
- Eu é que trabalho na terra!.. o teu fanatismo é escravidão, não é lealdade! És um grande atraso de vida! Onde estão os teus amigos do MPLA em quem tanto confiavas?
- Hão-de vir... Hão-de vir!

E chegaram alguns amigos do MPLA que confortaram o Lubango. Um disse-lhe que a sua conta bancária estava em baixo, (aproveitaram-se da situação e surripiaram-lha). Os outros, tristemente confessaram que também lhes espoliaram e demoliram tudo o que tinham. Que o mal era geral... um reino de demolições. Trabalhar de verdade não é possível, porque espoliar continua fácil. Ficaram uns dias a acalentar o Lubango sentados nas sobras de algumas cadeiras. Depois, cansados de aturarem o Lubango bazaram. Um deles na despedida reafirmou:
- O reino da fome está combalido.

Apareceram alguns grupos de espoliados, esfomeados que aproveitaram as sobras. O local ficou igual a um deserto, a outro Haiti. Lubango bocejou, apetecia-lhe dormir. Falou para o vento cúmplice que arrastava o pó de Angola:
- Tantos e tantos anos de trabalho em vão. Não dá para trabalhar nesta Angola, porque depois vem um Anjos e fica com ela, privatiza-a. Finge que a trabalha à espera que surja um especulador imobiliário qualquer. Já ninguém acredita nisto e a terra abandona-se. Fica para acampamento de deslocados que na verdade são refugiados desta nova guerra, e assim sucessivamente. As trevas dominam este reino. O MPLA está sempre lá em cima sentado no seu trono. Raramente desce, sobe, ou sai. Adora rodear-se de pessoas que mais parecem lâmpadas fundidas, que dão pouca luz, ou acendem de vez em quando. A minha terra, a minha Luanda, a minha Angola, contaminam-se, nunca mais nelas nada crescerá. Resta-me olhar para as nuvens e para os restos das árvores que parecem fantasmas ao luar. Tantos anos em vão que trabalhei, que acreditei na merda da independência. Agora tudo está igual às noites sempre escuras. Juro que nunca mais perderei anos, meses e dias nestas coisas.

Imagem: morrodamaianga.blogspot.com/

sábado, 27 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (33). Depois descansávamos e algumas faziam uma coisa que me deixava arrepiada.


À noite durante o jantar, a minha mãe fez-me companhia, estávamos sós. O resto da família andava algures por aí. Ela sonda-me:
- Ainda continuas a escrever à Belita?
A pergunta apanhou-me desprevenido, enervei-me, queria explodir em palavras, mas contive-me.
- Sim mãe, de vez em quando.
Na verdade a correspondência era escassa, porque me tinha tornado apático.
- Cuidado meu filho, essa gente é muito perigosa. Ela já arranjou outro, um do Tramagal que tem algumas propriedades e deve ser por isso. Não ligues mais a essa gente. São pessoas que não te interessam. Só te vão fazer mal... ela veio aqui e levou todas as cartas que te escreveu.

Respirei fundo e explodi em silêncio. De repente senti uma enorme vontade de ir imediatamente até ao Tramagal e desfazê-la em bocados. Conclui sem entender, e com a ajuda dos traumas da tropa, comecei na descoberta que é difícil conviver e confiar nas pessoas. Nunca imaginei que a Belita me fizesse uma coisa destas. Custa-me a entender como as pessoas mudam assim de repente. A partir daqui a minha tristeza aumentou ainda mais. Amava-a de verdade. As mulheres são hábeis em dar-nos a volta. Por fim, a minha mãe acrescentou que a minha tia estava muito aborrecida com isso. E que a Belita mais tarde se arrependeria. Decidi esquecer o episódio. Pensei com mágoa que afinal a Belita não passava de uma vulgar prostituta. Não é assim que se troca de pessoa de um momento para o outro.

A minha mãe levantou-se e foi à cozinha. Trouxe um prato com uvas pretas grandes e carnosas. Ela sabia que eu gostava muito destas uvas. Enquanto me deliciava a comer bago após bago, ela lembrou-se de algo:
- Estas uvas lembram-me quando era nova.
- Porquê mãe?
- Nós íamos em ranchos trabalhar na apanha das uvas. Depois descansávamos e algumas faziam uma coisa que me deixava arrepiada.
- Que coisa mãe?
- Levantavam uma delas no ar.
- Mãe está a brincar comigo, não acredito nisso.
- É verdade meu filho… não sei como elas faziam isso.
- Mãe, isso chama-se levitação… mas como é que elas conseguiam?
- Diziam umas palavras e ela ficava parada no ar.
- Que palavras eram essas mãe?
- Não me lembro, ainda hoje sinto medo quando penso nisso.

Dentro de alguns dias estaria em Santa Apolónia, para mais uma longa viagem. O comboio levar-me-ia até à cidade do Porto para tirar a especialidade.

Bom. Parece-me que os testes psicotécnicos que fiz deram os seus resultados. No Regimento de Transmissões de Engenharia no Porto, concretamente na localidade de Arca de Água aguardavam-me nove meses de especialidade como radiotelegrafista. Muito tempo claro, para quem via o tempo da juventude a escoar-se cada vez mais. Logo à entrada surgia a parada de asfalto. À esquerda ficavam as aulas práticas com os rádios. À direita, o sargento e oficial de dia. Subindo o que parecia uma pequena montanha, tínhamos as aulas de morse, e mais acima o refeitório. Nas traseiras havia uma ruela ladeada de jardins. O seu aspecto não era agradável devido a trabalhos de restauro que efectuavam nas instalações.

sexta-feira, 26 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (32). Sem o Quitério e o Mota não via nenhum interesse em permanecer no Frederico.


O comboio chegou. Embarcámos e o Dário tranquilizou-me, que ia procurar um compartimento com aquecimento. Enquanto aguardava, surgiu apressado para que fossemos lestos porque só alguns compartimentos tinham aquecimento, e a viagem era muito longa. Segui-o, e ocupámos os nossos lugares. O compartimento estava acolhedor, muito quente. Nem apetecia mais sair, só de pensar no frio que lá fora fazia. Mas depois algo aconteceu.

No compartimento começou a fazer frio. Devia ser uma avaria. Depois começou outra vez a aquecer. Passado pouco tempo acabou de vez. A partir daqui só frio por companhia. Recordo-me quando parámos na Pampilhosa, era gelo por todo o lado. Os carris estavam rodeados de branco. Era a primeira vez que via assim tudo antárctico. Em alguns locais, o gelo, alcançava altura de mais de vinte centímetros junto à linha do comboio. A viagem prosseguiu. Como a bordo o frio se mantinha, conclui que desligaram o aquecimento com más intenções. Que outra explicação havia? E ninguém nos informava de nada. Para quê, pobres recrutas que apenas serviam para morrerem em nome de uma causa injusta, sem qualquer direito. Acho que era para nos habituarmos a viver em condições degradantes.

Parecia uma eternidade o tempo que passou, quando voltei ao Café do Frederico. Muitos dos que o frequentavam também a tropa os levou. Sem o Quitério e o Mota não via nenhum interesse em permanecer no Frederico. Passei a ir lá ocasionalmente. Passava a maior parte do tempo em casa, em silêncio, sem os meus amigos, a pensar o que seria do meu futuro.
Acho que o meu pai se apercebeu, chamou-me e disse-me que íamos passar um bocado de tempo na praia de Carcavelos, e que depois de um banho íamos almoçar em casa de um casal amigo que morava próximo. Ele era colega do meu pai na TAP. Exercia as funções de oficial de tráfego. Perante o meu olhar silencioso de interrogação, o meu pai tranquilizou-me dizendo que eram muito amigos.

O almoço foi abundante e terminou com lagosta. Coisa que já não me lembrava de ter comido. Quem comia lagosta era considerado um rico. Depois fiquei intrigado quando fui convidado a beber uísque. Não era muito apreciador de bebidas fortes e era a primeira vez que o fazia. Despejei um pouco no meu copo e bebi como se fosse água. Não senti nenhum efeito, o que me levou a concluir que afinal de contas esta bebida não era tão alcoólica como diziam. E bebi mais, e mais. Depois dei-me conta que já falava de mais.

Depois dos agradecimentos pela recepção, já nos despedíamos, enquanto o meu pai e o seu colega junto à porta de entrada do prédio, comentavam o carro do anfitrião. Também decidi dar a minha opinião. Disse que era um carro moderno. A porta do lado do passageiro estava aberta. Enquanto eles continuavam nos comentários decidi fechá-la. Fi-lo com tal força que o vidro partiu-se. Depois das atabalhoadas e desnecessárias desculpas, por fim surgiu a promessa do pagamento das despesas. Mas o oficial de tráfego garantiu-me que não me preocupasse mais com isso, pois que tratou-se de um mero acidente. Até hoje nunca consegui encontrar explicação para tal acto. Penso que foi a inconsistência do uísque.

No regresso a casa, os efeitos dos vapores da bebida já se sentiam, como um passaporte para a inconsciência e o mal-estar evidenciava-se. Fui para a casa de banho e vomitei. Durante algumas horas, com lamentos e alguns gritos estuporados, acabei por dormir no chão e assim permaneci até que a bebedeira amainasse. Conseguia ouvir a minha mãe perguntar ao meu pai, por entre críticas, que ele não deveria ter-me feito uma coisa destas. E que eu não estava nada bem. No outro dia quando acordei senti-me como novo.

Imagem da Pampilhosa.
http://pampilhosaemimagens.com/displayimage.php?album=105&pos=39

O último comboio do Katanga (Fim)


E os inventores de Deus e dos deuses tentam sobreviver na floresta dantesca que criaram, injectando nos rebanhos humanos que apesar de dois mil e tal anos, as populações ainda acarneiradas se salvarão com a prometida vinda do Senhor. Mas serão necessários milhares e milhares de tais anos. Entretanto, o reino dos céus e da Terra fundem-se. Como é que tanta miséria sustentará tantos sacerdotes?

Nem telefonar para o Céu se consegue, as linhas dos circuitos Isabelinos estão saturadas, e lá no Céu as lotações estão esgotadas. Já não há mais lugares para almas, têm que enviar de Angola especuladores imobiliários para lá construírem abundantes cemitérios desalmados. Assim não dá para telefonar para lá, as linhas estão permanentemente ocupadas. E lá no Céu há também uma guerra, uma outra espoliação por um pedaço de espaço. Nem no Céu eles nos deixam em paz.

Os espoliadores angolanos também já lá lançaram alicerces e a destruição divina é certa. E lá também já têm seguranças. Há pessoas terrenas que conseguiram o número do demónio, e telefonam-lhe regularmente. Está difícil saber que conversas se tratam. Boa coisa não é certamente.

É que qualquer coisa que se diga, que se escreva, mesmo que se pense, lá vem a sentença lapidar: «tem cuidado com a bófia, já deves estar nas listas deles, de modos que tens os dias contados.» E na verdade o terror é tal, que quando nos batem à porta, agitamo-nos que talvez sejam eles, os da secreta. O mais importante neste tempo dos mastodontes é demolir os casebres dos povos. Como sombras perdidas, sem vida.

Para o correcto desenvolvimento económico e social, Angola importou uma caterva de especuladores. Como principal etapa da reconstrução nacional assentou-se nas demolições das casas, casebres, palhotas, pau-a-pique, enfim, tudo o que sejam pequenos ou grandes aglomerados populacionais. Com abismais milhares de demolições, nuvens cinzentas assolam-nos por todos os horizontes. É Angola que se reduz, cheira a pó.

E a hipocrisia da Igreja une, estende o seu braço secular a quem lhe pague mais. Vende-se à ditadura e à corrupção. É a Igreja eterna, do infinito papal. A Igreja da devassa fé e da destruição mental. Do quem não sabe fazer mais nada, vai para padre. Eis os reincidentes, os novos afundadores da nação.

E as nuvens de poeira dificultam-nos, quase que não nos deixam respirar. E produzem-nos tal défice mental, que as ideias assim obscurecidas reduzem-nos ao pó decretado. O pó da infâmia, e da epifania, dos mosteiros sem fé. E os especuladores, senhores da realidade, novos caçadores de escravos, embrenham-se nos sertões de betão e proclamam a aurora do breu: «negros e negras, outra vez para as naus! Negros outra vez para as negras marés dos lagos dos bairros artificiais, impolutos e de sangue seco, de cadáveres abandonados, afogados.» Estes são os revolucionários incrustados, nos negros apagados e até nos mares espoliados.

É a festa nacional, do poder do Fausto cerimonial. O poder é para uns tantos porque os milhões sem ele, de esfomeados sem forças para andarem, é difícil se concentrarem, e tudo e todos se dizimarão. Neste campo de batalha, as forças são barbaramente desiguais. Que estranho poder que se presenteia com a demolição das populações que o elegeram e agora as liquida. É o que acontece quando poder e Igreja se unem. As nascentes são incertas e não se sabe quem nelas sobreviverá.

É um erro histórico gravíssimo, a condição política fornecer poder à Igreja. Ela deve situar-se longe e abster-se de qualquer intromissão na vida política… e abandonar de vez as tropelias do sórdido rastejar. Assim, mais uma tragédia humana se anuncia. A Igreja e o poder ditatorial são pó, e a ele devem retornar. Na verdade, o que estão a fazer de Luanda é um gigantesco lago nauseabundo, rodeado de alguns prédios e condomínios luxuosos. Qual é o futuro de um país sem energia eléctrica? É governar às escuras.

A prestação de serviços das empresas estrangeiras é a destruição dos cabos de energia eléctrica, das condutas de abastecimento de água, dos cabos de fibra óptica – ficamos sem comunicações – a destruição de passeios e a venenosa poluição ambiental. Energia eléctrica entre 130 a 160 volts, há mais de uma semana junto ao Zé Pirão. Porquê?! Porque são três prédios que dependem apenas de uma fase. Porque os mastodontes da TEIXEIRA DUARTE SA, – parece que compraram uma parte de Angola – erguem mais um prédio que o povo garante que é made in Isabel dos Santos. Ligam as máquinas deles na rede que não suporta o exorbitante consumo, estoiram com os circuitos, e não te rales, são tão sintomáticos, tão sistemáticos. É a selvajaria em relação ao semelhante que não existe, pois claro. Só eles é que são pessoas.

Com a espoliação da energia eléctrica, da água, dos casebres, dos terrenos, dos empregos, com o cartel superiormente legalizado que sobe amiúde os preços, e abençoados pela santa Igreja, resta uma mensagem muito azeda que os povos prometem: «esperamos a hora para nos revoltarmos.»

Imagem: FOLHA 8

ANJOS E LUBANGO (1)


Parafraseando: Violentas se dizem das populações espoliadas, mas não se diz violento o poder que as espolia.
Dando cumprimento ao primeiro mandamento da Intolerância Zero, vamos todos sem excepção e clarividentes, demolir Angola.
Até que a disciplina, Demolições, está obrigatória em todas as universidades. E tem doutoramento no curso, Como Bem Demolir Angola.

Conheci o Lubango nos terrenos e nas casas dele próximos do Caminho-de-ferro de Moçâmedes. Parecia-me homem sincero, recto e temente ao seu MPLA. Tinha fama de muito bondoso e afastava-se dos especuladores imobiliários e das suas demolições. Acérrimo defensor da tradição, proliferou sete filhos e três filhas, muitas lavras e muita gente condizente para o servirem.

A oposição maledicente costumava propagandear que era o mais rico do reino. Os seus filhos nunca se cansavam nas grandes festas que ofertavam para garantirem que eram muito ricos. Convidavam as suas irmãs a comerem e a beberem com eles. Lubango escolhia algumas cabeças de gado e enviava-as para o seu MPLA, como prova de gratidão, bajulação e vassalagem.

Um dia o MPLA visitou-o para lhe agradecer a bajulação. Num repente aparece o Anjos. O MPLA pergunta-lhe:
- Donde vem?!
O Anjos respondeu.
- Ando a vigiar estas terras para o caminho-de-ferro.
Disse o MPLA ao Anjos.
- Já viu o meu vassalo Lubango? Não há ninguém na bwala que se lhe compare. Muito honesto, justo, mais que vertical, e detesta os especuladores imobiliários.
Respondeu o Anjos ao MPLA.
- Hum! Acho que ele não faz isso em vão. O nosso MPLA concede-lhe muito apoio. É um dos poucos vassalos protegidos e intocáveis. O seu gado, as suas casas e as suas terras não param de aumentar graças ao MPLA. Ele que fique na miséria, que passe fome, odiará o MPLA e demais autoridades competentes.
Disse o MPLA ao Anjos.
- Parece-me que você anda com o olho nestas terras. Sei que alguns já espoliaram algumas… chegam, instalam-se… já está tudo feito.
O Anjos fez a saudação angélica e saiu da presença do MPLA.

Um dia, a filharada do Lubango estava numa festa na casa do filho mais velho. Depois chegou um mensageiro e disse ao Lubango:
- Os bois lavravam, as tropas do Anjos chegaram e levaram-nos. Disseram que estavam esfomeados. Feriram os empregados, só eu escapei.

Chegou outro mensageiro que disse:
- Incendiaram, arrasaram tudo, nem as crianças escaparam. Os empregados morreram queimados, só eu escapei.
Ainda outro mensageiro apareceu e disse:
- Eram pelo menos trezentos pelotões armados como na invasão do Iraque. Roubaram, reduziram tudo a pó… incluindo móveis e utensílios. Só eu escapei.

Mais um mensageiro chegou e disse:
- Estava a tua filharada numa festa em casa do filho mais velho. Como agora tudo se espolia, o governo é o principal criminoso, os demolidores e espoliadores atacam às três, quatro da manhã… pareciam, vieram como um tufão que arrastou as casas e todos os que lá estavam. Ninguém ficou vivo. Só eu escapei para te contar o que se passou.

Lubango levantou-se muito chateado, rasgou a sua manta da propaganda do MPLA, atirou-se para o chão e clamou:
- O meu destino é igual ao dos outros espoliados. Trabalhamos nas nossas terras, edificamos as nossas casas a que o MPLA chama casebres. Chega o Anjos e parte-nos tudo. Bendito seja o nome do MPLA!
Mesmo assim, Lubango não se revoltou nem amaldiçoou o MPLA.

Imagem: morrodamaianga.blogspot.com/

quinta-feira, 25 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (31). Já há muito tempo em pé temia que o meu corpo não aguentaria muito mais.


Um dos treinos difíceis e que eu mais temia, era o corta-mato de dez quilómetros. Uma corrida que parecia não ter fim. Apesar de estar em boa forma física, advertiram-me que os fumadores, o que era o meu caso, não aguentariam. De facto, passado pouco tempo as pernas recusavam-se a prosseguir. Eu e mais alguns já estávamos bastante atrasados. Deixámos de ver os que iam na frente. O aspirante Abreu disputava a corrida no pelotão da frente com mais alguns poucos que permaneciam isolados. Esses, antes de serem recrutas praticavam atletismo em alguns clubes desportivos, e o aspirante Abreu confessava que não os aguentava. Retrocedeu, aproximou-se de nós e gritou-nos:
- Não passam de umas grandes merdas! Não sobreviverão nos matos do Ultramar quando forem mobilizados!
Mandou parar a corrida e deu voz de descansar. Era isso mesmo que eu esperava. Que grande alívio.

Depois veio a semana de campo. Acampámos num campo vasto cheio de eucaliptos. Ao fundo tinha um rio. Como precisava de passar o tempo, fazia longas passeatas de investigação ao longo da margem. Isto fazia-me bem, porque durante longos momentos me esquecia onde estava. Quando regressava à realidade, para junto dos meus companheiros pensava: Deixa-me lá ir aturar estes parvalhões. Que ordens virão a seguir, sempre na obediência de ordens imprevisíveis.

O frio começou a apertar. Acenderam-se fogueiras onde nos aquecíamos. Dormíamos em grupos de três nas tendas. Juntávamos os nossos cobertores para ficarmos mais quentes, mas isso não era suficiente porque a cada dia que passava o frio aumentava. Custava-me a entender o porquê deste tormento, porque nas colónias era ao contrário. Calor não lhes faltava.
O curioso é que surgiu um preconceito. Quem se deitasse no meio dos outros dois era considerado paneleiro. Pensei logo que estes tipos são mesmo parvos, e a sorrir decidi aproveitar a ideia. Deitei-me no meio e não passei mais frio, porque recebia o calor dos dois corpos que me aqueciam. Não queria saber, que pensassem o que quisessem.

Lembrei-me de uma coisa que o Quitério me tinha contado quando esteve no curso de sargentos milicianos em Tavira. Chamei o Dário:
- Dário, queres ouvir esta?!
- Conta lá.
- Parece anedota mas não é. Não me lembro bem se era o oficial Robles Monteiro, ou o Esteves Pinto. Bom, era um deles. Quando ia atender o telefone, que estava no rés-do-chão, saltava do segundo andar.
- Grandes malucos!
- E ficaram famosos pelos estragos que fizeram no Ultramar. Na guerra existe de tudo. É por isso que se chama guerra.
Ouve-se uma voz:
- Vamos a formar, vamos embora, acabou a semana de campo!
- Até que enfim, parece que isto nunca mais acabava! – Desabafei.

O dia do juramento de bandeira aproximava-se. Depois disso, alguns de nós seriam escolhidos para tirar uma especialidade. Preocupado, vi-me com a especialidade de atirador especial. Como já iria sair velho da tropa, ao menos que me dessem uma especialidade que depois aproveitaria para arranjar emprego na vida civil.

Na parada era um frio de rachar. Todos formados para o juramento de bandeira. Já há muito tempo em pé temia que o meu corpo não aguentaria muito mais. Fiquei sem entender o que pretendiam. Seria que nos queriam matar desta maneira? E aconteceu um desmaio. Depois outro, e mais outro. Pensei que se íamos morrer, então seria preferível revoltarmo-nos.
Que alívio, finalmente a cerimónia acabou. A seguir o nosso destino seria a estação do comboio de regresso a casa, onde ficaríamos alguns dias.

Imagem: cidade de Castelo Branco

O último comboio do Katanga (2)


Porque se caminhamos, se vivemos, se os tememos… então não vivemos! O tempo move-se e nós tão parados, tão amordaçados. Prometeram a independência, a felicidade e a liberdade às populações escravas para as espoliarem e as renovarem para os séculos futuros da mais vil sujeição. Já não sabem, já se esqueceram que a beleza de uma nação é como a da mulher, não se vê, sente-se nas nossas almas.

Quando uma sociedade se torna aviltantemente elitista, uma revolução paira, está para breve. Porque quando os políticos prometem mundos e fundos é evidente que estão a mentir. Eles querem é o poder para continuarem com as oligarquias e nos ensombrarem, nos dominarem. A História é a morte do tempo das multidões sem poderes. Mas, o que é melhor que a democracia?! É não haver democracia. As zungueiras carregam-na nas costas com os filhos. Carregam o fardo muito pesado que lhes dobram as costas… Angola. Continuamente vemos multidões de pessoas a girarem à nossa volta. E no entanto continuamos perdidos, irremediavelmente sós.

Confesso-lhes um grande segredo: a coisa mais difícil que existe é viver. Se não existissem seres humanos, tudo se tornaria tão fácil. Mas conseguiremos viver sem eles? E há um navio negreiro chamado Angola. Há países que só têm um presidente e um palácio. Povo não existe, exterminam-no. Para que servem canalizações sem água, condutores eléctricos sem energia, automóveis sem estradas. País sem governo é como doentes sem hospitais.

Como estudantes sem escolas e livros sem leitores. Também impressiona ver como os democratas destruíram a democracia em Portugal. É como os bancos dos brancos… para que servem se nunca têm sistema? São como os submarinos, raramente vem a superfície. Algures no Universo a galáxia Angola foi engolida por um buraco negro.

Voltando a Portugal… para avançar têm que acabar com os partidos políticos e instaurar a tal ditadura benévola. Portugal não tem democracia, espelha Angola, que tem uma idiossincrasia. Um manicómio de loucos atacados pela sismodemocracia. E os hospitais psiquiátricos não chegam para a demanda. Que patético, que orgulhoso país que produz tantos loucos. Fabricantes exclusivos da loucura colectiva.

É o Inverno democrático. Agora é que os esbanjadores da democrata Angola podem comprar Portugal… está em saldos. Uma corja de malfeitores que debaixo da ferrugenta capa da democracia capada, destruíram Portugal e os portugueses. E tentam a todo o custo convencer a dinastia Isabelina para também utilizar o mesmo sistema em Angola. Mas não é necessário, porque já está devidamente assentado.

Não deixa de estranhar a salutar, muito familiar analogia, o incremento da destruição de Angola e Portugal na mesma lagoa. Por exemplo, em Luanda pouco falta para quando sairmos à rua os esfomeados nos assaltarem, alias já acontece. Por incrível que pareça não existe nenhuma política de emprego para nacionais, apenas para estrangeiros e para o Politburo. Isto e mais os espoliadores das terras e dos casebres. Resistem ainda os vulcões da ignomínia onde o nascimento tumultuoso é sempre certo. Entretanto ultimam-se os preparativos para a vitória da miséria total e incompleta. É que depois de uma revolução mal sucedida, acendem-se velas, porque outra se aproxima, se afirma.

Imagem: FOLHA 8

No mais puro estilo marxista-leninista


O panorama da energia eléctrica chegou ao caos. É só mais um coxito para acabar de vez. Compreende-se… a governação elegeu o seu programa principal vindo da intolerância zero. Ocupar-se com a demolição de tudo o que sejam habitações da população. Destruí-las, reduzi-las a pó… enviar Angola para o espaço. Tudo isto, destruição exaustiva, é muito fácil. Agora erguer a energia eléctrica, é sim senhor! Muito difícil!

terça-feira, 23 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (30). Mas que mal fiz eu para me enviarem, longe da minha casa para aqui?


O único colega com quem conseguia manter algum relacionamento era o Dário, mas não conseguia aprofundar as conversas devido às suas limitações. Apresentou-me um vizinho da sua terra natal. Fiquei curioso, porque achava difícil dois vizinhos serem incorporados na mesma unidade. Eram de uma rivalidade confrangedora. Passavam o tempo a dizer mal um do outro. Quando me dei conta já era confidente de ambos. Passavam o tempo nisso e acabei por chegar ao ponto de já não os poder suportar. Evitava-os com muito custo. Mas num ambiente tão fechado em que éramos obrigados ao convívio, constituía um exercício insuportável. A minha mente sofria com tal perturbação.

Para trocar ideias tentei algumas vezes aproximar-me de algum oficial. Mas desisti. Era proibido um oficial manter relacionamento com um recruta. Na cantina não havia televisão. Livros, revistas, biblioteca era impensável. O fundamental era manter a soldadesca na ignorância, no embrutecimento. Nalguns fins-de-semana quando me dava conta estava só. Todos saíram. Tentava apanhar boleia perguntando aos meus companheiros se havia um lugar disponível para Lisboa. Mas não, todos os lugares estavam ocupados. Outros iam para a estrada, tentavam boleia e conseguiam. Não tinha paciência para isso. Tentava adaptar-me a esta nova vida que me impuseram. Mas por mais que tentasse não conseguia.

Ia à cantina e comprava uma sandes com algumas rodelas de chouriço. O pão era bem confeccionado e o chouriço muito saboroso, melhor do que em Lisboa. Acompanhava com uma gasosa e enquanto comia meditava na minha mãe, no meu pai, nos meus irmãos. Oh! Quantas saudades do Café do Frederico, do Mota, do Quitério. E então uma grande tristeza me invadia, sem ninguém para conversar. À medida que o torpor enchia o meu coração, sentia grande revolta, e pensava: Mas que mal fiz eu para me enviarem, longe da minha casa para aqui? Que tinha eu que ver com as aventuras dos senhores da guerra? Quando terminaria este pesadelo? Quanto tempo mais demoraria este sonho? Mas o que é que eu estou aqui a fazer!? E a Belita… tanto tempo sem a ver. Será que a veria mais? Algumas lágrimas começaram a inundar a minha face.

- Olha, mandaram-nos formar para fazermos os testes psicotécnicos. – Informou-me o Dário.
Eram uma série de perguntas escritas às quais respondi de acordo com os meus conhecimentos. Pessoalmente pensei que não lhes dariam qualquer valor.

- E amanhã vamos ter tiro real. – Informou mais uma vez o Dário.
Antes da minha incorporação, um alferes que terminou o serviço militar, deu-me dois livros do curso, COM-Curso de Oficiais Milicianos em Mafra. Um intitulava-se, Técnica do Tiro, e o outro instruía sobre a guerrilha e contra-guerrilha. Sobre este, dei-lhe pouca atenção, porque já estava familiarizado com o tema devido às leituras que fazia sobre a guerra do Vietname de Jean Lartéguy. Prestei atenção ao do tiro, especialmente no capítulo, como efectuar um bom tiro. A arma deve ficar bem fixa no ombro. Tira-se a folga do gatilho. Suspende-se a respiração e mira-se o alvo. Se a arma estiver em condições o tiro será certeiro. Foi assim que procedi quando chegou a minha vez na carreira de tiro. O alvo foi devidamente atingido.
- Pelo menos vais para atirador especial. – Garantiu-me o Dário.

Imagem: http://www.decitre.fr/gi/58/9782258064058FS.gif


O último comboio do Katanga (1)


E logo pela manhã, abrimos as janelas e mais um estranho dia nos desgosta: os gases tóxicos dos geradores saúdam-nos, esperam-nos tal e qual a morte. Como a extrema miséria, a fome, que é aquela por quem se espera.

E esses que discordam, que criticam o Polituro, esses sim, são os mais valiosos. Porque os que concordam são apenas falaciosos, e com estes não se pode contar. Porque são sempre os primeiros a atraiçoar.
Luanda está devidamente preparada para receber as chuvas, a governação não.

A questão não é das chuvas, é da péssima governação. Portanto, Luanda está preparada para chuvas, sim! Os governantes é que não.

Os especuladores imobiliários com as rotas da degradação social abertas, especulam, destroem Luanda. Não é nada difícil, qualquer pessoa o nota, o diz, que as obras destes endeusados resumem-se em fechar os caudais das águas das chuvas e enviá-los para os vizinhos, os angolanos ainda não independentes. Por exemplo, no bairro Cazenga as águas não têm por onde saírem.

Então, significa que as empresas de construção civil contratadas pelo Governo, agem intencionalmente para destruírem Luanda. E prosseguirem nessa senda interminável. Fazerem-se más obras, de fingir, as chuvas chegam, arrasam e as empreiteiras lá estão para voltarem à execução do mesmo trabalho. Por aqui facturar é fácil, não dá trabalho nenhum, basta destruir. Torna-se evidente que a política da demolição inescrupulosa conduz o caos de Luanda.

Apenas existe uma preocupação do que resta da funesta governação. Destruir casebres para os especuladores imobiliários facturarem… assim como uma espécie de transferências fraudulentas no nosso insigne professor bancário BNA, Banco Nacional de Angola. Com tantos prédios, com mais tantas construções anárquicas avalizadas pelo Governo, o que resta da miséria da energia eléctrica, da água e do saneamento, veremos Luanda submergir numa gigantesca corrente marítima de esgotos ao ar livre, porque não existe capacidade da rede.

O que interessa é corromper, vigarizar e depois bazar ao encontro das contas bancárias bem recheadas pelas transferências para o exterior. Para o interior não, não vá o diabo tecê-las. Os que ficarem que se danem… mas agora surgiu um novo conceito. Parece que os temores dos terramotos, além de vitimarem inocentes, também perseguem uma certa minoria que já não se sente bem em qualquer parte do mundo. Vivem neste receio e noutro que é o ataque selectivo do terrorismo internacional.

«Como pode um banco emissor ter ignorado as denuncias feitas, durante anos, por bancos comerciais relativas à subtracção de 100 a 150 mil dólares/dia em cada remessa de um milhão de dólares? O que aconteceu no Banco Nacional de Angola configura o desmoronamento de uma das instituições mais nobres da nação. O que aconteceu no Banco Nacional de Angola configura o descrédito perante um terramoto que ameaça instalar a desconfiança dos operadores económicos no sistema bancário.» In Gustavo Costa no Novo Jornal de 05 de Março de 2010.

Quando é que começa a época da caça aos especuladores imobiliários? Porque é que os idiotas e similares se convencem que o mundo é só deles? Porque construir armas para destruir é fácil, construí-las para edificar algo útil é extremamente difícil. Mas, mesmo assim gosto muito da democracia, não gosto é dos democratas. Mas porquê andar assim tão abandalhado, tão à toa, tão destroçado? Meus amigos, estou conforme a actual conjuntura.

Imagem: FOLHA 8

segunda-feira, 22 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (29). Sentia-me imensamente deslocado. Oh! Quantas saudades do Mota e do Quitério


CAPÍTULO III
A TROPA

Castelo Branco, 19 de Outubro de 1970

A recepção à chegada foi cortarem-me o cabelo. Fizeram-me careca com a tal máquina zero. Depois distribuíram-me vestuário e calçado. Uma camisola interior e outra exterior de tecido grosso. Calças que me ficaram largas, uma camisa, um blusão, meias, um quico, botas, sapatilhas, mais roupa e sapatos de saída. Alojaram-nos no que era, assim parecia, o que tinha sido um armazém. Praticamente uns em cima dos outros. Parecíamos uma lata de sardinhas gigante. O barulho era ensurdecedor. Ler um livro era impossível no meio de tanta confusão, a concentração não era possível.

Chegou um cabo e preveniu-nos que a partir de agora já não teríamos nome. Devíamos fixar o nosso número mecanográfico que saiu no sorteio até ao fim do nosso serviço militar. Era a nossa despersonalização. Felizmente o chefe do pelotão, o aspirante Abreu, e um sargento miliciano eram agradáveis. Começámos a aprender ordem unida. Ao contrário de outros oficiais o nosso chefe ensinava-nos com brincadeiras à mistura. Estava sempre a rir. Ao contrário de um alferes que quando estava de oficial de dia, ou a dar instrução era a reencarnação do terror.

De rosto sempre mal-encarado, nunca o vi sorrir. Não servia de nada pedir-lhe fosse o que fosse, porque a sua resposta era sempre, não! Os recrutas do seu pelotão acabavam sempre a ordem unida partidos e desconjuntados. Creio que tinha imenso prazer nisso. Como se tivesse o desejo de alguma vingança interior ou de qualquer coisa que ninguém sabia. Quando chegava a hora das refeições, muitos comiam de tal modo que pareciam nunca o terem feito. Para eles a tropa era boa porque donde vinham raramente comiam. Acho que se sentiam felizes com casa e comida gratuitas. E engordavam rapidamente. Por causa disso chamavam-lhes lateiros e eram alvo de continuas chacotas. O dinheiro que tinham era bem guardado, muito poupado. Não bebiam uma gasosa ou cerveja, não faziam gastos. Isso surpreendia-me, porque custava-me entender como é que pessoas assim conseguiam viver sem gastar o que quer que fosse.

O nível cultural dos meus colegas era muito baixo, e portanto não se conseguia manter uma conversa. Sentia-me imensamente deslocado e desolado. Oh! Quantas saudades do Mota e do Quitério. Nos primeiros quinze dias ninguém podia sair do quartel. Depois disso foi uma debandada geral, à qual me juntei. A estação dos caminhos-de-ferro era bem próxima. Bem organizada e poderia dizer-se convidativa, bem limpa e com vasos de flores.
Várias vezes aqui me sentava nos bancos disponíveis e aproveitava para ler. Próximo, era a avenida principal ladeada por uma montanha de altura considerável. Para um recruta pouco mais havia para onde ir. Posso assegurar que era uma cidade bonita e pacífica. Em frente ao quartel os arruamentos eram de pedra calçada muito bem conservados. As vias principais eram asfaltadas.

sábado, 20 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (28). No Frederico o Quitério despedia-se. Tinha sido mobilizado para a Guiné.


A São interrompeu-o e confessou:
- Meu amor, não fales agora dessas coisas porque o meu coração fragiliza-se.
- Sim é verdade. As mulheres são conservadoras por natureza. Não entendo porque é que os governos não as colocam no poder. Acho que o mundo seria bem melhor se elas nos governassem. Mas apesar de tudo, o nosso maior erro foi termos ficado fora da segunda guerra mundial. Deveríamos ter participado nela, foi um erro a nossa neutralidade. Orgulhosamente sós na destruição irremediável do nosso dia-a-dia e do nosso futuro. Quebrando os restos do espelho dos nossos antepassados.

Mantinha correspondência regular com a Belita e já fazíamos promessas de amor. As cartas que enviávamos um ao outro revelavam-se abrasantes. Quando a imprensa noticiava que chovia muito e que o Tramagal estava afectado, preocupava-me imenso e escrevia-lhe de imediato. Perguntava-lhe como estava a situação. Ela respondia-me invariavelmente que o Tramagal estava no mesmo sítio. Que o comboio não circulava porque árvores caíram na via, e que também alguns desabamentos de terras pioravam mais a situação.

O meu pai comprou um velho Citroen. Ele, a minha mãe e eu fomos de viagem até ao Tramagal. Íamos visitar a terra onde nasci. Quando chegámos e depois dos cumprimentos habituais, a minha tia piscou-me um olho cúmplice, e mandou chamar a Belita que estava algures nas redondezas. Ela já sabia do nosso namoro.
Quando chegou aguardei que estivesse só, atirei-me a ela e beijei-a muito. Aproveitei e apalpei-lhe os seios. Ela sentiu-se envergonhada e baixou a cabeça. Depois encostou-se a mim durante uns momentos, mas sempre no receio de que nos vissem. Depois fomos dar uma volta. A vizinhança curiosa despertava nas portas e janelas a ver-nos. E a Belita sarcástica:
- Que grande falatório vai sair hoje e nos próximos dias. Marimbo-me para o que disserem!
Era ainda ambiente típico de uma aldeia, apesar de o Tramagal ser uma freguesia. Quando estávamos sós aproveitava sempre para lhe acariciar o corpo. Ela suspirava e sentia desejos de prazer.

O meu pai chamou-me para provarmos uma água-pé que dizia estar mesmo no ponto. Trazia latas de conserva com sardas em molho picante. Gostava muito. Era um bom petisco e o picante aumentava o desejo de beber. Era uma água-pé deliciosa. Quando eu bebia demais começava a falar muito. Sentia uma alegria estranha. E o meu pai:
– Nunca mais chove!

Chegava a hora da partida. Despedia-me da Belita com correspondidas promessas de amor. O meu pai já tinha carregado o carro com batatas e mais alguns produtos do Tramagal. O carro ia bem carregado, mas o meu pai conduzia com muito cuidado, não gostava de velocidades.

No Frederico o Quitério despedia-se. Tinha sido mobilizado para a Guiné. Mas tranquilizava-nos dizendo que devido ao coxear ficaria em Bissau como furriel amanuense. A seguir o Mota iria para Moçambique. Eu via os turnos de incorporação militar passarem um após outro, e não me chamavam. Pensava por vezes que se tinham esquecido de mim. O meu pai preocupava-se com o meu futuro e acrescentava:
- O meu filho vai sair da tropa velho. Estão a desgraçar-lhe a vida. Que fará um homem já velho quando sair da tropa?!

E no último turno do ano lá me chamaram. Fui à inspecção militar. Mandaram-me despir, pesaram-me, mediram-me a altura, tiraram-me fotografias e injectaram-me a famigerada injecção de cavalo. Só passado mais algum tempo saberia onde iria fazer a recruta.
Nunca mais veria os meus queridos amigos, Mota e Quitério. Todos os nossos projectos adiaram-se para sempre. Podíamos ter fugido para a Suécia como muitos fizeram, mas o Quitério não concordou. Disse-nos que era melhor irmos para conhecermos a realidade no terreno, e assim estarmos em condições de falar com conhecimento de causa. Não como aqueles políticos que falavam muito das Províncias Ultramarinas sem nunca lá terem estado.

Imagem: Tramagal. http://tramagal.blogspot.com/

A Ocidente do Paraíso (27). E depois de um regresso vertiginoso que encetámos à Idade Média a partir de...


Quando os outros intervinham interrompia-os sistematicamente porque os seus argumentos eram convincentes. Deixava-os, assim posso dizer, prostrados no terreno das ideias, tal era a força de conhecimentos que possuía. A nossa admiração por ele aumentava a cada dia. Já ninguém ousava fazer-lhe frente. Passou a nosso líder incontestado. Acho que se aproveitou desta circunstância quando anunciou sem meias medidas, como uma ordem:
- Tive uma ideia… vamos fazer teatro… começaremos com Ionesco. Já consegui reunir alguns actores. Os ensaios começarão dentro em pouco. É importante que saibam que quem nunca esteve nos bastidores, nunca saberá o que é teatro, por isso estudem muito bem as obras de Ionesco!
Aproveitei para saber qual seria o meu papel. Não me surpreendeu:
- Como és o fusível vais ficar com a responsabilidade da iluminação. Os ensaios começarão na próxima semana.

Seguindo as instruções fui para o Instituto Superior Técnico estudar uma peça de teatro amador que salvo erro tinha por título, As Guerras de Arlequim e o Mangerão, de Bertolt Brecht. Tentei o impossível. Não consegui aprender quase nada. Os meus conhecimentos eram muito limitados. Mas insistia. Agarrei-me aos Sequestrados de Altona, de Sartre, convencido de que quanto mais estudasse e quando chegasse a hora da nossa representação teatral, decerto teríamos êxito considerável.

Mas o Quitério, como todos os seres humanos, não resistiu aos encantos do amor, da São. Ela era muito encantadora, disso todos sabíamos. Nunca namorou com ninguém, e foi uma grande surpresa para todos quando isso aconteceu. Não era muito bonita. Tinha a barriga um pouco inchada que parecia estar no início de gravidez. Os seios contrastavam com o resto do corpo. Eram pequenos para corpo tão avantajado. Mas o seu rosto era agradável. Como a beleza de uma estátua grega a que alguém tivesse eliminado o resto do corpo. Contudo, sem se esforçar, conseguia manter qualquer diálogo com quem quer que fosse. Surpreendia-me tal talento porque nunca a vi ler nenhum livro. No fundo parecia quase uma Afrodite renascida nos Olivais-Sul.
Houve festa na sua casa quando o Quitério foi pedir a sua mão, para surpresa geral. Ela que tinha sido desprezada por todos, que já, pode-se dizer, estava quase a envelhecer e o seu pai amiúde confessava essa preocupação, porque ninguém gostava nem queria a sua filha.

E de repente o Quitério conseguiu que a São fosse o alvo de todas as atenções. Até passou a ser a nossa Deusa. Quando ela surgia no nosso meio, ele pegava-lhe nas duas mãos e as beijava ternamente. A partir daí deixou de conviver connosco, só ocasionalmente. Ela, quando ele foi chamado para cumprir o serviço militar, apresentou-se vestida à princesa medieval. Parecia um filme do Rei Artur e dos seus Cavaleiros da Távola Redonda. O cabelo longo guardado nas costas, encimado pela mais atraente grinalda de flores. Um vestido transparente que lhe chegava aos pés, e deixava a descoberto o seu corpo que ela queria que todos vissem, que era sensual. O decote apertado mostrava os seios virgens, ávidos para as aventuras do amor.

No fundo pretendia demonstrar-nos que era bela, e que a sua beleza seria sempre para o Quitério. Sempre à espera dele. Que ele regressasse vivo da guerra do Ultramar.
O Quitério sentenciou:
- E depois de um regresso vertiginoso que encetámos à Idade Média a partir de...

Imagem: http://w-weddinggowns.com/wp-content/uploads/2010/01/medieval-wedding-gowns-2.jpg

Quero casar com a minha mãe


Aonde é que este mundo vai parar? Isto é o fim do mundo
“I want to marry My Mother”
"Eu quero casar com a minha Mãe"
15/09/09
Uma mulher do Zimbabué seu filho, fizeram o impensável. Teriam caído no amor um com o outro. E agora eles querem se casar uma vez que a mãe, Betty Mbereko de Mwenezi em Masvingo, está grávida de seis meses e esperando um filho de seu filho…

Fonte: Email

Mbereko (40), que ficou viúva há 12 anos, foi co-habitar com seu primeiro filho, Farai Mbereko (23).
Ela confirma que está grávida de seis meses e decidiu que é melhor "casar" com seu filho que a engravidou, porque ela não quer se casar com irmãos mais novos de seu falecido marido, a quem ela diz que estão cobiçando ela.
Num tribunal da aldeia na semana passada, Betty Mbereko disse que o caso com o filho havia começado três anos após a morte do marido.

Ela disse que depois de gastar muito dinheiro enviando Farai para a escola após a morte do marido, ela sentiu que tinha o direito de reaver seu dinheiro e nenhuma outra mulher tinha direito a ele.
"Olha, eu sòzinha enviei o meu filho à escola e ninguém me ajudou. Agora vocês vêm que o meu filho está trabalhando e vocês me acusam de estar fazendo algo errado? "Deixe-me apreciar os produtos do meu suor", disse ela ao tribunal da aldeia.

Farai disse que estava mais preparado para se casar com sua mãe e iria pagar o saldo ilobola que seu pai havia deixado de pagar aos seus avós.
"Eu sei que meu pai morreu antes de ele terminar pagando o preço da noiva e eu estou preparado para pagá-lo ", disse ele.
"É melhor dar a conhecer o que está acontecendo porque as pessoas devem saber que eu sou o único que fez minha mãe grávida. Senão eles vão acusá-la de promiscuidade ".

Mas o chefe local Nathan Muputirwa diz: "Não podemos permitir que isso aconteça em nossa aldeia,” mashura chaiwo aya”, (Isto é um mau presságio de facto). No passado, eles teriam de ser mortos, mas hoje não podemos fazer isso porque temos medo da polícia. "Ele avisou-os para romperem seu casamento ou sair de sua aldeia.
Eles escolheram o último e deixaram a vila para um destino desconhecido. –

quinta-feira, 18 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (26). Nunca se esqueçam que as ditaduras são um perigo para a civilização e os impérios nascem e morrem.


Corri à procura dos meus amigos. O primeiro, claro, foi o Quitério. De imediato convocou alguns dizendo-lhes que tinha uma boa surpresa. Apesar da pequenez do seu quarto passámos vários dias a escutar os “fados”. O som não podia estar muito alto porque era um disco proibido, e todo o cuidado era pouco.
Depois veio outra surpresa. Pela mesma via chegou, Os Cantares do Andarilho, do Zeca Afonso. Quitério, como sempre explicava-nos como tudo acontecia.
- Este também está proibido, temos de o ouvir também com cuidados redobrados. O Zeca é o homem mais vigiado deste país de merda. Sabem como é que ele gravou este disco?! Foi na sua casa... colocou cobertores nas paredes por causa do som… foi gravado às escondidas!
Alguém interrompe:
- Esse gajo é um grande comunista!
- Sim, é verdade, é um grande comunista. Mas que nos interessa isso? Ele é um grande poeta e um grande músico. Percorre o país… até sobe montanhas para recolher músicas do nosso folclore. Nunca se esqueçam que as ditaduras são um perigo para a civilização e os impérios nascem e morrem. – Sentenciou-nos o Quitério.

À noite depois do jantar rumei como de costume para o Frederico. Lá estavam eles agrupados. Muito animados comentavam uma pequena crónica do suplemento literário, Juvenil, do Diário de Lisboa. Quitério era o alvo das atenções. Pensei que estivesse outra vez metido em sarilhos, porque ele adorava polémica. Já me preparava para o apoiar de qualquer maneira e sempre que fosse necessário, se não me faltassem argumentos, coisa natural. Mas não… recebia elogios porque ele era o autor de uma crónica que narrava o abate de uma árvore. Aqui, fiquei-lhe com grande admiração. Afinal não só dizia o que bem sabia, como também escrevia. Ele, envaidecido esclarecia que para publicar trabalhos nesse suplemento exigiam muito. Aproveitei e cumprimentei o Quitério de modo não habitual. Fiz-lhe uma grande vénia com a cabeça muito inclinada, e o agrupamento em uníssono:
- Chegou o Zé Maluco!
- Meus senhores acabem com isso! Acho que já é tempo de desandarmos com tal tratamento a um jovem da geração espontânea. – Ressaltou o Quitério.
Ouviu-se na plateia:
- Aplaudido por maioria silenciosa.
E o Quitério:
- Da discussão nasce a luz ou funde-se a lâmpada. Proponho que a partir de agora o chamemos de fusível.

E baptizaram-me de fusível. Perguntei ao Quitério o porquê deste novo impropério. No gozo, explicou-me que eu andava sempre em risco de queimar os fusíveis. Daí o nome. Senti uma grande raiva e apeteceu-me bater-lhe. Mas ele na risada levou-me à certa. Que fusível sempre era melhor que Zé Maluco. Depois, pensando bem, não me preocupei mais com isso. Creio que era um bom elogio, porque o Quitério elucidou-me que provinha de um grande filósofo da antiguidade, um grego de nome Platão.

Imagem: queridasbibliotecas.blogspot.com/

Uma listagem, não exaustiva, permite saber que pelo “Diário de Lisboa-Juvenil passaram:
Alice Vassalo Pereira, Eduardo Prado Coelho, José Pacheco Pereira, José Manuel Durão Barroso, Jorge Silva Melo, Hélia Correia, José Agostinho Baptista, José António Saraiva, José de Matos Cruz, Joaquim Pessoa, Miguel Serras Pereira, Luís Miranda Rocha, Hélder Pinho, José António Freire Antunes, Paulo Varela Gomes, Mário Contumélias, Vítor Oliveira Jorge, Maria Leonor Xavier, Nuno Júdice, Nelson de Matos, Diana Andringa, João Bonifácio-Serra, Luís Almeida Martins, José Jorge Letria, Cáceres Monteiro, Luís Filipe de Castro Mendes, outros mais. Muitos…
http://diasquevoam.blogspot.com/search?q=juvenil