domingo, 7 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (16). Além do meu pai era o único que trabalhava. No total éramos dez almas. Desisti dos estudos.


Comecei a estudar electrónica por correspondência. O meu pai pagava as mensalidades. Já ia bem avançado e necessitava de construir um detector de incêndios. A célula fotoeléctrica era muito dispendiosa e aconteceu o que receava: o meu pai já não tinha meios financeiros suficientes para pagar as mensalidades e mais os materiais das experiências práticas. Acabou-se o curso.

Com esforço pessoal consegui emprego como aprendiz de electricista… a partir do zero aprender uma profissão. Enviaram-me para o Ministério da Justiça, no Terreiro do Paço, que estava em reconstrução. A minha função consistia em ir buscar tubos de plástico, rolos de fio de cobre, dar o alicate universal, o alicate de corte, enfim, assistir em tudo o que o oficial electricista necessitava.

Quando chegava a hora do almoço preparava a mesa improvisada. Colocava os pratos, talheres, descascava batatas, preparava o bacalhau e acendia a fogueira para a que era chamada a comida dos pobres. Vários meses aqui trabalhei, e com o estudo dos manuais dos componentes que estavam a ser montados evoluí rapidamente na minha nova profissão.

Passei grande sacrifício quando me enviaram para trabalhar na instalação eléctrica de uma grande panificação em Arrentela, do outro lado do Tejo. Levantava-me às cinco da manhã, e com chuva e frio de rachar ia a pé até à rotunda do Relógio apanhar o primeiro autocarro para o Cais do Sodré. Depois embarcava no cacilheiro e chegado à outra margem apanhava o autocarro que me transportava até Arrentela.

O cómico da questão é que nós pagávamos os transportes do nosso bolso, e quando chegava o dia dos vencimentos, o patrão retribuía-nos o dinheiro gasto nas passagens a título de subsídio de transporte. Na realidade não era nenhum subsídio, não havia nenhum gasto. Era um investimento que nós fazíamos à empresa, um empréstimo avultado porque éramos um número muito considerável de trabalhadores, e com isso a empresa obtinha um lucro considerável.

Pelo tempo já decorrido obtive a carteira profissional de ajudante de electricista, o que me permitia efectuar vários trabalhos sob minha responsabilidade. Aproveitei os ganhos e matriculei-me na Escola Industrial Marquês de Pombal, em Belém, à noite. Durante alguns meses lá estudei, mas o esforço era muito intenso, a distância muito longa, o tempo para estudar era muito escasso, e afinal o dinheiro também não chegava para pagar tantas despesas, porque a minha família também dependia de mim. Além do meu pai era o único que trabalhava. No total éramos dez almas. Desisti dos estudos.

Imagem: http://odivelas-lisboa.olx.pt/a-selva-autor-ferreira-de-castro-iid-75416656

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