quinta-feira, 18 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (26). Nunca se esqueçam que as ditaduras são um perigo para a civilização e os impérios nascem e morrem.


Corri à procura dos meus amigos. O primeiro, claro, foi o Quitério. De imediato convocou alguns dizendo-lhes que tinha uma boa surpresa. Apesar da pequenez do seu quarto passámos vários dias a escutar os “fados”. O som não podia estar muito alto porque era um disco proibido, e todo o cuidado era pouco.
Depois veio outra surpresa. Pela mesma via chegou, Os Cantares do Andarilho, do Zeca Afonso. Quitério, como sempre explicava-nos como tudo acontecia.
- Este também está proibido, temos de o ouvir também com cuidados redobrados. O Zeca é o homem mais vigiado deste país de merda. Sabem como é que ele gravou este disco?! Foi na sua casa... colocou cobertores nas paredes por causa do som… foi gravado às escondidas!
Alguém interrompe:
- Esse gajo é um grande comunista!
- Sim, é verdade, é um grande comunista. Mas que nos interessa isso? Ele é um grande poeta e um grande músico. Percorre o país… até sobe montanhas para recolher músicas do nosso folclore. Nunca se esqueçam que as ditaduras são um perigo para a civilização e os impérios nascem e morrem. – Sentenciou-nos o Quitério.

À noite depois do jantar rumei como de costume para o Frederico. Lá estavam eles agrupados. Muito animados comentavam uma pequena crónica do suplemento literário, Juvenil, do Diário de Lisboa. Quitério era o alvo das atenções. Pensei que estivesse outra vez metido em sarilhos, porque ele adorava polémica. Já me preparava para o apoiar de qualquer maneira e sempre que fosse necessário, se não me faltassem argumentos, coisa natural. Mas não… recebia elogios porque ele era o autor de uma crónica que narrava o abate de uma árvore. Aqui, fiquei-lhe com grande admiração. Afinal não só dizia o que bem sabia, como também escrevia. Ele, envaidecido esclarecia que para publicar trabalhos nesse suplemento exigiam muito. Aproveitei e cumprimentei o Quitério de modo não habitual. Fiz-lhe uma grande vénia com a cabeça muito inclinada, e o agrupamento em uníssono:
- Chegou o Zé Maluco!
- Meus senhores acabem com isso! Acho que já é tempo de desandarmos com tal tratamento a um jovem da geração espontânea. – Ressaltou o Quitério.
Ouviu-se na plateia:
- Aplaudido por maioria silenciosa.
E o Quitério:
- Da discussão nasce a luz ou funde-se a lâmpada. Proponho que a partir de agora o chamemos de fusível.

E baptizaram-me de fusível. Perguntei ao Quitério o porquê deste novo impropério. No gozo, explicou-me que eu andava sempre em risco de queimar os fusíveis. Daí o nome. Senti uma grande raiva e apeteceu-me bater-lhe. Mas ele na risada levou-me à certa. Que fusível sempre era melhor que Zé Maluco. Depois, pensando bem, não me preocupei mais com isso. Creio que era um bom elogio, porque o Quitério elucidou-me que provinha de um grande filósofo da antiguidade, um grego de nome Platão.

Imagem: queridasbibliotecas.blogspot.com/

Uma listagem, não exaustiva, permite saber que pelo “Diário de Lisboa-Juvenil passaram:
Alice Vassalo Pereira, Eduardo Prado Coelho, José Pacheco Pereira, José Manuel Durão Barroso, Jorge Silva Melo, Hélia Correia, José Agostinho Baptista, José António Saraiva, José de Matos Cruz, Joaquim Pessoa, Miguel Serras Pereira, Luís Miranda Rocha, Hélder Pinho, José António Freire Antunes, Paulo Varela Gomes, Mário Contumélias, Vítor Oliveira Jorge, Maria Leonor Xavier, Nuno Júdice, Nelson de Matos, Diana Andringa, João Bonifácio-Serra, Luís Almeida Martins, José Jorge Letria, Cáceres Monteiro, Luís Filipe de Castro Mendes, outros mais. Muitos…
http://diasquevoam.blogspot.com/search?q=juvenil

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