terça-feira, 2 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (11). Achei que devia ver um filme de caubóis, daqueles que prometiam muita pancadaria com os índios


O meu pai foi mesmo pedir-lhe satisfações, e por entre desculpas e promessas de amizade acabaram a beber uns copos, e os pedreiros a jurarem que me tratariam com o devido respeito. O salário era pago à semana e já ganhava algo considerável. Quando recebia entregava tudo à minha mãe. Ela dava-me alguma quantia que me permitia já uma certa independência. Também era ela que me comprava a roupa. Assim já ia ao cinema, jogava matraquilhos nas feiras, bebia gasosa… e comecei a fumar. Algumas moças já me lançavam olhares lascivos, mas nunca me comprometia por timidez. A minha mãe dizia-me que o dinheiro que ganhava já dava para o pão de casa, porque filhos eram oito, e eu era o mais velho.

Num sábado depois de receber o meu salário, achei que devia ver um filme de caubóis, daqueles que prometiam muita pancadaria com os índios, conforme os cartazes de propaganda afixados. O filme creio que se intitulava Emboscada do Perigo, e terminava com muito dinheiro a ser lançado ao ar, e o herói enquanto beijava a sua amada, dizia: «Tu e eu vamos para Sonora.»
Claro, cheios de dinheiro que até dava para espalhar pelo ar.

Havia um senão. É que depois do filme tinha que passar por uma azinhaga cerca da meia-noite, ladeada por muros de pedra altos, e ao circular qualquer um seria presa fácil de assaltantes que segundo informações já tinham emboscado algumas vítimas. Destemido movi-me por entre a noite, não sem antes ter colocado o dinheiro nos sapatos, e preparado um canivete de ponta muito afiada para o que desse e viesse.

Como um grande aventureiro avancei. Para espantar o medo assobiava durante o trajecto tentando convencer que se me assaltassem mataria quem quer que fosse que me atacasse. Quando cheguei ao fim da azinhaga não queria acreditar, estava salvo.
Entreguei o dinheiro à minha mãe e contei-lhe tudo o que se passou, e como já era muito tarde fui-me deitar.

Mais uma vez mudámos de casa. Não me recordo o nome do local, era ali para os lados de Loures. Lembro-me que a habitação tinha três andares. Ficava no alto de uma colina e quando chovia era complicado sair ou entrar. Lama por todo o lado arrastada pelas águas devido às construções que estavam a ser efectuadas, e as terras acordadas do seu longo silêncio libertavam-se e daí o deixarem-se arrastar pela rua abaixo.

Acabei por conhecer o Ludovino que depois me propôs se eu queria ir trabalhar num ambiente familiar, porque ele ia sair para a sua terra natal, e o seu patrão pediu-lhe para arranjar alguém de confiança, que fosse honesto e trabalhador. Combinámos e no outro dia lá fui com ele apresentar-me. Fui aceite. O local de trabalho situava-se na rua Maria aos Anjos, e era servido pela rede de eléctricos de Lisboa. Ficava num quinto andar de um prédio.

O meu trabalho era fabricar cabides, suportes de ferros de engomar e molas para a roupa. Havia uma maquineta artesanal em madeira montada na cozinha. Pendurava-se um rolo de arame e na extremidade que se arrastava à mão, havia uma marca onde com uma lima se cortava o rolo de arame em pedaços, que depois recebiam tubos de plástico previamente fervidos até amolecerem o suficiente para serem enfiados nos arames cortados à medida.

Sem comentários: