Voltaire foi por muito tempo um crente no otimismo do papa: "Todo o mal é passageiro; todo bem é perene". Esta é uma bela filosofia para os bem afortunados. Adapta-se aos ricos. É perfeita para os padres e reis. Soa bem. É uma bela pedra para jogar num mendigo. É um artifício que nos permite ver com satisfação as desgraças dos outros.
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Esta não é uma filosofia daqueles que sofrem – para a indústria vestida de farrapos, para o patriotismo na prisão, para a honestidade na necessidade,. Esta é uma filosofia de classe, para poucos, e os poucos bem afortunados. E quando a desgraça os atinge, essa filosofia de desmancha e desaparece.
Em 1755 houve um terremoto em Lisboa. Este desastre terrível transformou-se numa interrogação.
Os otimistas foram levados a pensar: "O que meu Deus está fazendo? Por que o Pai Universal esmagou impiedosamente milhares dos seus pobres filhos mesmo no momento em que eles estavam de joelhos dando graças a Ele?".
O que poderia ser feito com esse horror? Se têm de haver terremotos, por que não acontecem em áreas desérticas e inabitadas ou em áreas no meio do mar, distantes? Este evento assustador mudou a teologia de Voltaire. Ele se convenceu de que este não é o mais perfeito dos mundos possível. Ele descobriu que o mal está aqui desde sempre, e para sempre.
Os teístas ficaram mudos. O terremoto foi uma negação da existência de Deus.
SUA HUMANIDADE
Toulouse era uma cidade privilegiada. Era rica em relíquias. O povo era tão ignorante como imagens de madeira, mas eles guardavam consigo os corpos ressequidos de sete apóstolos – os ossos de crianças mortas por Herodes, partes do vestido da virgem Maria, e muitos crânios dos idiotas infalíveis conhecidos como santos.
Nessa cidade o povo celebrava todos os anos, com grande alegria, dois eventos santos: a expulsão dos Huguenotes e o abençoado massacre de São Bartolomeu. Os cidadãos e Toulouse haviam sido educados e civilizados pela igreja.
Os poucos protestantes, discretos por serem minoria, viviam no meio desses chacais e tigres.
Um desses protestantes foi Jean Calas, um pequeno comerciante de produtos secos. Por quarenta anos ele esteve no seu negócio, e seu caráter era irrepreensível. Era honesto, bom e agradável. Tinha uma esposa e seis filhos – quatro rapazes e duas moças. Um dos filhos tornou-se católico. O filho mais velho, Marc Antoin, não gostava do trabalho do pai e das leis estúpidas. Ele não teve autorização de trabalhar na cidade, desde que se tornasse um católico. Ele tentou conseguir autorização negando que fosse protestante. Foi descoberto e ficou revoltado. Finalmente ele se desinteressou pela vida e cometeu suicídio, enforcando-se numa noite, na loja do pai.
Os fanáticos de Toulouse inventaram a história de que seu pai o matou para impedi-lo de se tornar um católico.
Com esta acusação terrível o pai, a mãe, um filho, uma serviçal e um hóspede de sua casa foram presos.
O filho morto foi considerado um mártir e a igreja se apossou de seu corpo.
Isto aconteceu em 1761.
Isto é o que eles chamavam de julgamento. Não havia qualquer evidência, mesmo a mais leve, com exceção do interrogatório. Todos os fatos eram favoráveis aos acusados. A força de união dos acusados não poderiam ter feito o ato.
Jean Calas foi condenado à tortura e à morte na roda. Foi em 9 de marco de 1762 e a sentença deveria ser cumprida no dia seguinte.
No dia dez o pai foi levado à sala de tortura. O carrasco e seus assistentes juraram na cruz cumprir a sentença de acordo com a lei.
Eles o prenderam nos pulsos por uma algema de ferro no muro de pedra quatro pés do chão. Então eles apertaram a corda de tal modo que as articulações dos braços e pernas foram deslocadas. Então ele foi interrogado. Ele se declarou inocente. Então as cordas foram distendidas até que a vida se esvaía no corpo distendido. Mas ele suportava.
Isto foi denominado "A questão ordinária".
Na boca da vítima era colocado um chifre contendo três quartilhos de água. Desta maneira, trinta quartilhos de água eram forçados a entrar no corpo do condenado. A dor era acima de qualquer descrição, mas Jean Calas permaneceu firme.
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