sexta-feira, 26 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (32). Sem o Quitério e o Mota não via nenhum interesse em permanecer no Frederico.


O comboio chegou. Embarcámos e o Dário tranquilizou-me, que ia procurar um compartimento com aquecimento. Enquanto aguardava, surgiu apressado para que fossemos lestos porque só alguns compartimentos tinham aquecimento, e a viagem era muito longa. Segui-o, e ocupámos os nossos lugares. O compartimento estava acolhedor, muito quente. Nem apetecia mais sair, só de pensar no frio que lá fora fazia. Mas depois algo aconteceu.

No compartimento começou a fazer frio. Devia ser uma avaria. Depois começou outra vez a aquecer. Passado pouco tempo acabou de vez. A partir daqui só frio por companhia. Recordo-me quando parámos na Pampilhosa, era gelo por todo o lado. Os carris estavam rodeados de branco. Era a primeira vez que via assim tudo antárctico. Em alguns locais, o gelo, alcançava altura de mais de vinte centímetros junto à linha do comboio. A viagem prosseguiu. Como a bordo o frio se mantinha, conclui que desligaram o aquecimento com más intenções. Que outra explicação havia? E ninguém nos informava de nada. Para quê, pobres recrutas que apenas serviam para morrerem em nome de uma causa injusta, sem qualquer direito. Acho que era para nos habituarmos a viver em condições degradantes.

Parecia uma eternidade o tempo que passou, quando voltei ao Café do Frederico. Muitos dos que o frequentavam também a tropa os levou. Sem o Quitério e o Mota não via nenhum interesse em permanecer no Frederico. Passei a ir lá ocasionalmente. Passava a maior parte do tempo em casa, em silêncio, sem os meus amigos, a pensar o que seria do meu futuro.
Acho que o meu pai se apercebeu, chamou-me e disse-me que íamos passar um bocado de tempo na praia de Carcavelos, e que depois de um banho íamos almoçar em casa de um casal amigo que morava próximo. Ele era colega do meu pai na TAP. Exercia as funções de oficial de tráfego. Perante o meu olhar silencioso de interrogação, o meu pai tranquilizou-me dizendo que eram muito amigos.

O almoço foi abundante e terminou com lagosta. Coisa que já não me lembrava de ter comido. Quem comia lagosta era considerado um rico. Depois fiquei intrigado quando fui convidado a beber uísque. Não era muito apreciador de bebidas fortes e era a primeira vez que o fazia. Despejei um pouco no meu copo e bebi como se fosse água. Não senti nenhum efeito, o que me levou a concluir que afinal de contas esta bebida não era tão alcoólica como diziam. E bebi mais, e mais. Depois dei-me conta que já falava de mais.

Depois dos agradecimentos pela recepção, já nos despedíamos, enquanto o meu pai e o seu colega junto à porta de entrada do prédio, comentavam o carro do anfitrião. Também decidi dar a minha opinião. Disse que era um carro moderno. A porta do lado do passageiro estava aberta. Enquanto eles continuavam nos comentários decidi fechá-la. Fi-lo com tal força que o vidro partiu-se. Depois das atabalhoadas e desnecessárias desculpas, por fim surgiu a promessa do pagamento das despesas. Mas o oficial de tráfego garantiu-me que não me preocupasse mais com isso, pois que tratou-se de um mero acidente. Até hoje nunca consegui encontrar explicação para tal acto. Penso que foi a inconsistência do uísque.

No regresso a casa, os efeitos dos vapores da bebida já se sentiam, como um passaporte para a inconsciência e o mal-estar evidenciava-se. Fui para a casa de banho e vomitei. Durante algumas horas, com lamentos e alguns gritos estuporados, acabei por dormir no chão e assim permaneci até que a bebedeira amainasse. Conseguia ouvir a minha mãe perguntar ao meu pai, por entre críticas, que ele não deveria ter-me feito uma coisa destas. E que eu não estava nada bem. No outro dia quando acordei senti-me como novo.

Imagem da Pampilhosa.
http://pampilhosaemimagens.com/displayimage.php?album=105&pos=39

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