terça-feira, 16 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (24). 101 Perguntas a um Guerrilheiro, por Alberto Bayo.


- O Eusébio é um grande jogador e a Amália Rodrigues uma grande fadista. Graças a eles o nosso país é conhecido em todo o mundo. – Zombou o Mota.
- Não esquecer também as touradas. Tenho um irmão que é forcado. A propósito, amanhã é dia de tourada no Campo Pequeno, quem quiser ir, diga para eu comprar os bilhetes. - Toureou o Quitério.

De súbito o Quitério olhou para duas revistas que estavam bem visíveis na mesa. Eram, A Seara Nova e O Comércio do Funchal. Gostava muito de as ler porque revelavam o desconhecido Portugal. Habitualmente quem as comprava era o Zé Luís, que depois circulavam de mão em mão. A Seara Nova tinha alguns artigos que para mim eram difíceis de entender, pois que ainda não tinha bagagem cultural suficiente. Mas só a presença delas na mesa denunciava quem éramos, porque a PIDE entendia que quem as lia era comunista. O Mota levantou-se e foi buscar o Diário de Noticias, poisou-o em cima das revistas e elas desapareceram da paisagem. Entretanto o Pide levantou-se, disse-nos boa-noite, e foi-se embora. O Quitério recomeçou o debate:
- Estão a ver esta merda? Um gajo não pode estar em lado nenhum a conversar em paz. Estou a estudar às escondidas o Capital do Marx. Se me apanham ai de mim! Já viram isto?!

Mostrou um texto cujo título era, 101 Perguntas a um Guerrilheiro, por Alberto Bayo. Explicou que se tratava de um guerrilheiro do PAIGC que foi apanhado e interrogado pela PIDE, onde o elemento fundamental da sua actuação consistia no uso de uma corda. O que permitia aos guerrilheiros a sua sobrevivência. Demonstrava sobretudo que o uso dela era uma peça muito importante na luta de guerrilhas, e que Portugal seria derrotado na guerra contra a Guiné. O Zé Luís acrescentou:
- Nem tudo está perdido. Resta-nos a CDE, a Comissão Democrática Eleitoral do Francisco Pereira de Moura, contra a UN, a União Nacional dos fascistas...
O Quitério interrompe:
- A CDE nunca ganhará nada. Até já estão a invadir as suas instalações e a confiscar os panfletos. A prenderem e a interrogarem alguns candidatos. Bom, o que nos resta é darmos o salto para a Suécia, para fugirmos à guerra colonial, e lá no exílio continuarmos a nossa luta contra o regime. Mas de qualquer modo com a actuação da CDE, eles ficam a saber que afinal existe oposição, e de quem se trata. Só que depois não terão grande espaço de manobra e posteriormente serão bem vigiados e condenados a viverem na miséria e na perseguição. Qualquer pretexto servirá para os eliminar.

No dia seguinte o Quitério arrastou-me, explicando-me que era necessário que o acompanhasse para que me inteirasse do que se passava no país e assim aprender a luta dos estudantes.
Havia uma reunião de protesto contra a guerra colonial no Instituto Superior Técnico. Quem entrava era vigiado para detectar possíveis infiltrados da PIDE. No interior os oradores expunham as suas opiniões. Eram unânimes em condenar a guerra colonial e que o poder devia ser entregue a esses povos. Não demorou muito porque quatro mastodontes da PIDE, sempre trajados à civil, apareceram e encerraram a reunião. Depois deles saírem os estudantes estacionaram no portão de entrada. Como vingança, nos dias seguintes boicotaram as aulas.

Imagem: http://recordacoescasamarela.blogspot.com/2009/01/seara-nova-edio-especial-maio-1974.html

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