A São interrompeu-o e confessou:
- Meu amor, não fales agora dessas coisas porque o meu coração fragiliza-se.
- Sim é verdade. As mulheres são conservadoras por natureza. Não entendo porque é que os governos não as colocam no poder. Acho que o mundo seria bem melhor se elas nos governassem. Mas apesar de tudo, o nosso maior erro foi termos ficado fora da segunda guerra mundial. Deveríamos ter participado nela, foi um erro a nossa neutralidade. Orgulhosamente sós na destruição irremediável do nosso dia-a-dia e do nosso futuro. Quebrando os restos do espelho dos nossos antepassados.
Mantinha correspondência regular com a Belita e já fazíamos promessas de amor. As cartas que enviávamos um ao outro revelavam-se abrasantes. Quando a imprensa noticiava que chovia muito e que o Tramagal estava afectado, preocupava-me imenso e escrevia-lhe de imediato. Perguntava-lhe como estava a situação. Ela respondia-me invariavelmente que o Tramagal estava no mesmo sítio. Que o comboio não circulava porque árvores caíram na via, e que também alguns desabamentos de terras pioravam mais a situação.
O meu pai comprou um velho Citroen. Ele, a minha mãe e eu fomos de viagem até ao Tramagal. Íamos visitar a terra onde nasci. Quando chegámos e depois dos cumprimentos habituais, a minha tia piscou-me um olho cúmplice, e mandou chamar a Belita que estava algures nas redondezas. Ela já sabia do nosso namoro.
Quando chegou aguardei que estivesse só, atirei-me a ela e beijei-a muito. Aproveitei e apalpei-lhe os seios. Ela sentiu-se envergonhada e baixou a cabeça. Depois encostou-se a mim durante uns momentos, mas sempre no receio de que nos vissem. Depois fomos dar uma volta. A vizinhança curiosa despertava nas portas e janelas a ver-nos. E a Belita sarcástica:
- Que grande falatório vai sair hoje e nos próximos dias. Marimbo-me para o que disserem!
Era ainda ambiente típico de uma aldeia, apesar de o Tramagal ser uma freguesia. Quando estávamos sós aproveitava sempre para lhe acariciar o corpo. Ela suspirava e sentia desejos de prazer.
O meu pai chamou-me para provarmos uma água-pé que dizia estar mesmo no ponto. Trazia latas de conserva com sardas em molho picante. Gostava muito. Era um bom petisco e o picante aumentava o desejo de beber. Era uma água-pé deliciosa. Quando eu bebia demais começava a falar muito. Sentia uma alegria estranha. E o meu pai:
– Nunca mais chove!
Chegava a hora da partida. Despedia-me da Belita com correspondidas promessas de amor. O meu pai já tinha carregado o carro com batatas e mais alguns produtos do Tramagal. O carro ia bem carregado, mas o meu pai conduzia com muito cuidado, não gostava de velocidades.
No Frederico o Quitério despedia-se. Tinha sido mobilizado para a Guiné. Mas tranquilizava-nos dizendo que devido ao coxear ficaria em Bissau como furriel amanuense. A seguir o Mota iria para Moçambique. Eu via os turnos de incorporação militar passarem um após outro, e não me chamavam. Pensava por vezes que se tinham esquecido de mim. O meu pai preocupava-se com o meu futuro e acrescentava:
- O meu filho vai sair da tropa velho. Estão a desgraçar-lhe a vida. Que fará um homem já velho quando sair da tropa?!
E no último turno do ano lá me chamaram. Fui à inspecção militar. Mandaram-me despir, pesaram-me, mediram-me a altura, tiraram-me fotografias e injectaram-me a famigerada injecção de cavalo. Só passado mais algum tempo saberia onde iria fazer a recruta.
Nunca mais veria os meus queridos amigos, Mota e Quitério. Todos os nossos projectos adiaram-se para sempre. Podíamos ter fugido para a Suécia como muitos fizeram, mas o Quitério não concordou. Disse-nos que era melhor irmos para conhecermos a realidade no terreno, e assim estarmos em condições de falar com conhecimento de causa. Não como aqueles políticos que falavam muito das Províncias Ultramarinas sem nunca lá terem estado.
Imagem: Tramagal. http://tramagal.blogspot.com/
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