sexta-feira, 12 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (20). Depois o célebre Zip-Zip que originou a que Lisboa parecesse uma cidade abandonada


Lixo e normas de convivência não se ajustavam com os demais moradores. E a sapataria começou a sofrer assaltos. Porta arrombada, caixas de sapatos vazias. As semanas passavam e a situação mantinha-se. Ninguém sabia quem era, mas suspeitávamos que eram os da aldeia dos macacos. Até que depois as nossas suspeitas se confirmaram. Um grupo de jovens sem meios de vida surge no Café do Frederico. Com bons sapatos e a fumarem boas marcas de cigarros, a jogarem bilhar durante horas, a comerem sandes de fiambre, de presunto e com vestuário caro.

Estava desvendado o mistério dos assaltos… eram eles. Creio que a Polícia Judiciária lhes vinha no encalço, porque pouco depois aparece em cena. Foram todos presos. Pouco tempo depois são soltos devido aos pais pagarem as despesas correspondentes e o motivo de serem menores. Claro que os assaltos aumentaram. Já não era só a sapataria, eram também as vivendas mais luxuosas que circundavam o bairro que entraram em pânico. Era uma grande onda de assaltos. E lá ressurgiam eles no Frederico quase como novos-ricos. E a Policia Judiciária também. Como solução para acabar com tantos assaltos enviaram os jovens para o reformatório. Os assaltos acabaram e os Olivais-Sul voltaram à normalidade.

Os clientes aumentam e o Frederico serve novos petiscos. Caracóis, caracoletas e camarão. Coloca uma máquina musical com os melhores êxitos do mercado. Para ouvir as músicas são necessárias moedas. A máquina não pára de tocar. Um rádiotécnico amigo convida-me para ir a casa dele ver a última novidade em som Hi-Fi. Coloca um disco com o quinto andamento da nona sinfonia de Beethoven. O efeito sonoro é de espantar. A partir daí a minha alma deixou de ser a mesma. Os coros de Beethoven perseguem-me constantemente como se o céu estivesse infestado de anjos. Mais tarde oiço o maestro António Vitorino de Almeida afirmar na TV que Beethoven está para além da própria música. O som invade os nossos lares. Com os Beatles é o despontar de uma nova civilização.

Alguns dos meus amigos tentam seguir a onda da proliferação dos conjuntos musicais que surgem por todo o lado. Criam conjuntos amadores à espera de uma oportunidade. Um deles até tem manager. Mas parece que apenas um dos componentes se esforça. É o Marinheiro que toca bateria quase todo o dia a imitar os Beatles. À noite reúnem-se no Frederico para fazerem o ponto de situação. Achava engraçadas as suas pretensões porque os restantes membros do conjunto passavam o tempo no Frederico a falarem de estratégias musicais. Claro que este conjunto e outros não demoraram muito. É necessário lembrar que John Lennon era um profundo conhecedor do folclore inglês.
As máquinas nos cafés e os equipamentos portáteis musicais começam a originar a poluição sonora.

Na TV do Café do Frederico acontecem coisas fora do vulgar. Aparecem os desenhos animados. O coelho, o pato e outras personagens da Warner Brothers. Durante estes poucos minutos de todos os dias o café enchia. Era risada. Uma grande alegria como nunca imaginei. Quando surgiu a série americana de caubóis Bonanza, o café ficava tão cheio que não havia mais lugar para ninguém. Depois o célebre Zip-Zip que originou a que Lisboa parecesse uma cidade abandonada aquando da sua emissão porque as ruas ficavam desertas. São nestes momentos que conheço dois personagens que irão influenciar a minha vida.

O José Lourenço da Graça Quitério tinha acabado recentemente o curso industrial. Pelas conversas que mantinha via-se que era muito erudito. Quando tomava a palavra todos o escutavam. Muito simples e humilde depressa despertou a minha atenção. Magro e baixo com um bigode ligeiramente farto, rosto pequeno e olhos profundos, coxeava ligeiramente devido a um acidente com um tractor em Ataíja, Alcobaça, donde era natural.

Imagem: http://www.britamtvdvd.com/Bonanza_S1V1[1].jpeg

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