sexta-feira, 26 de março de 2010

O último comboio do Katanga (Fim)


E os inventores de Deus e dos deuses tentam sobreviver na floresta dantesca que criaram, injectando nos rebanhos humanos que apesar de dois mil e tal anos, as populações ainda acarneiradas se salvarão com a prometida vinda do Senhor. Mas serão necessários milhares e milhares de tais anos. Entretanto, o reino dos céus e da Terra fundem-se. Como é que tanta miséria sustentará tantos sacerdotes?

Nem telefonar para o Céu se consegue, as linhas dos circuitos Isabelinos estão saturadas, e lá no Céu as lotações estão esgotadas. Já não há mais lugares para almas, têm que enviar de Angola especuladores imobiliários para lá construírem abundantes cemitérios desalmados. Assim não dá para telefonar para lá, as linhas estão permanentemente ocupadas. E lá no Céu há também uma guerra, uma outra espoliação por um pedaço de espaço. Nem no Céu eles nos deixam em paz.

Os espoliadores angolanos também já lá lançaram alicerces e a destruição divina é certa. E lá também já têm seguranças. Há pessoas terrenas que conseguiram o número do demónio, e telefonam-lhe regularmente. Está difícil saber que conversas se tratam. Boa coisa não é certamente.

É que qualquer coisa que se diga, que se escreva, mesmo que se pense, lá vem a sentença lapidar: «tem cuidado com a bófia, já deves estar nas listas deles, de modos que tens os dias contados.» E na verdade o terror é tal, que quando nos batem à porta, agitamo-nos que talvez sejam eles, os da secreta. O mais importante neste tempo dos mastodontes é demolir os casebres dos povos. Como sombras perdidas, sem vida.

Para o correcto desenvolvimento económico e social, Angola importou uma caterva de especuladores. Como principal etapa da reconstrução nacional assentou-se nas demolições das casas, casebres, palhotas, pau-a-pique, enfim, tudo o que sejam pequenos ou grandes aglomerados populacionais. Com abismais milhares de demolições, nuvens cinzentas assolam-nos por todos os horizontes. É Angola que se reduz, cheira a pó.

E a hipocrisia da Igreja une, estende o seu braço secular a quem lhe pague mais. Vende-se à ditadura e à corrupção. É a Igreja eterna, do infinito papal. A Igreja da devassa fé e da destruição mental. Do quem não sabe fazer mais nada, vai para padre. Eis os reincidentes, os novos afundadores da nação.

E as nuvens de poeira dificultam-nos, quase que não nos deixam respirar. E produzem-nos tal défice mental, que as ideias assim obscurecidas reduzem-nos ao pó decretado. O pó da infâmia, e da epifania, dos mosteiros sem fé. E os especuladores, senhores da realidade, novos caçadores de escravos, embrenham-se nos sertões de betão e proclamam a aurora do breu: «negros e negras, outra vez para as naus! Negros outra vez para as negras marés dos lagos dos bairros artificiais, impolutos e de sangue seco, de cadáveres abandonados, afogados.» Estes são os revolucionários incrustados, nos negros apagados e até nos mares espoliados.

É a festa nacional, do poder do Fausto cerimonial. O poder é para uns tantos porque os milhões sem ele, de esfomeados sem forças para andarem, é difícil se concentrarem, e tudo e todos se dizimarão. Neste campo de batalha, as forças são barbaramente desiguais. Que estranho poder que se presenteia com a demolição das populações que o elegeram e agora as liquida. É o que acontece quando poder e Igreja se unem. As nascentes são incertas e não se sabe quem nelas sobreviverá.

É um erro histórico gravíssimo, a condição política fornecer poder à Igreja. Ela deve situar-se longe e abster-se de qualquer intromissão na vida política… e abandonar de vez as tropelias do sórdido rastejar. Assim, mais uma tragédia humana se anuncia. A Igreja e o poder ditatorial são pó, e a ele devem retornar. Na verdade, o que estão a fazer de Luanda é um gigantesco lago nauseabundo, rodeado de alguns prédios e condomínios luxuosos. Qual é o futuro de um país sem energia eléctrica? É governar às escuras.

A prestação de serviços das empresas estrangeiras é a destruição dos cabos de energia eléctrica, das condutas de abastecimento de água, dos cabos de fibra óptica – ficamos sem comunicações – a destruição de passeios e a venenosa poluição ambiental. Energia eléctrica entre 130 a 160 volts, há mais de uma semana junto ao Zé Pirão. Porquê?! Porque são três prédios que dependem apenas de uma fase. Porque os mastodontes da TEIXEIRA DUARTE SA, – parece que compraram uma parte de Angola – erguem mais um prédio que o povo garante que é made in Isabel dos Santos. Ligam as máquinas deles na rede que não suporta o exorbitante consumo, estoiram com os circuitos, e não te rales, são tão sintomáticos, tão sistemáticos. É a selvajaria em relação ao semelhante que não existe, pois claro. Só eles é que são pessoas.

Com a espoliação da energia eléctrica, da água, dos casebres, dos terrenos, dos empregos, com o cartel superiormente legalizado que sobe amiúde os preços, e abençoados pela santa Igreja, resta uma mensagem muito azeda que os povos prometem: «esperamos a hora para nos revoltarmos.»

Imagem: FOLHA 8

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