sábado, 6 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (15). Não é por acaso que as grandes fortunas surgem. Quem é muito rico, roubou muito.


Depois despedi-me, com mágoa é verdade, mas já não tinha dúvidas que Wanzeller era um perfeito vigarista. Com ar paternal disse-me:
- Nunca te esqueças que foi graças a mim que conheces todas as ruas de Lisboa, que aprendeste a andar de eléctrico. Eras quase analfabeto quando te conhecemos, fui eu que te ensinei a beber uma ginjinha com elas, e a beber um copo de dois e de três com uma sandes quando estávamos muito apressados. Fui eu que te ensinei tudo o que agora sabes, fui eu quem te preparou para a vida, e poderia ensinar-te ainda mais, mas como me vais abandonar, e isso é grande ingratidão da tua parte, depois de tudo o que fizemos por ti. Por isso pensa bem porque acho que te vais arrepender. Tu és como um filho para nós, gostamos muito de ti. Sempre insisti para estudares mas tu nunca o quisestes. Já que não queres estudar, então aprende a ser um homem.

As palavras eram muito convincentes, mas um ser humano não vive de palavras. Vive sim, mas só depois de se alimentar. Não é possível falar convenientemente sem alimentação. E tudo acabou. A divida que se comprometeu a pagar ao meu pai de quase dois anos, uma pequena fortuna para nós, nunca foi cumprida.

De facto quando um patrão faz muitas promessas a um empregado, e o seu falar é doce, meigo, terno, de muita amizade, e muita música, acreditem que ele está apenas a ser falso. Não é por acaso que as grandes fortunas surgem. Quem é muito rico, roubou muito.

Verdadeiramente nunca conheci ninguém que sendo honesto enriquecesse, e o mundo acabará no caos porque a invasão dos novos bárbaros impiedosos e protegidos por leis internacionais, tem permissão legal para escravizar qualquer trabalhador à escala planetária. Sim, à escala planetária porque quando o próximo planeta for colonizado, serão os famintos que para lá irão extrair os minérios. Tudo em nome da civilização e da descoberta de novos mundos.

Seremos controlados por pulseiras, por coleiras em nome da electrónica. Seremos vigiados por satélites, seremos os novos escravos, seremos exterminados lentamente. Os clones avançarão como exércitos e humanos só restarão meia dúzia, esses que actualmente dominam o mundo, e regressaremos à Idade Média, ao seu sistema social, a um novo reinado em que o senhor do novo castelo do universo reinará por milhões de anos. E nos escravos planetários nascerá uma nova religião. Um novo Cristo surgirá a anunciar que todos os planetas receberão a boa nova do novo evangelho.

Desempregado e sem dinheiro o meu pai diz-me que conseguirá colocação na OGMA-Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, porque assim poderei escapar à mobilização para o Ultramar. Coisa que nunca consegui e o meu pai nunca me explicou porque tal sucedeu, apesar das inúmeras promessas que aprenderia a ser mecânico de aviões.

Imagem: http://editora-afrodite.blogspot.com/2006/11/antologia-do-conto-fantstico-portugus.html

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