segunda-feira, 22 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (29). Sentia-me imensamente deslocado. Oh! Quantas saudades do Mota e do Quitério


CAPÍTULO III
A TROPA

Castelo Branco, 19 de Outubro de 1970

A recepção à chegada foi cortarem-me o cabelo. Fizeram-me careca com a tal máquina zero. Depois distribuíram-me vestuário e calçado. Uma camisola interior e outra exterior de tecido grosso. Calças que me ficaram largas, uma camisa, um blusão, meias, um quico, botas, sapatilhas, mais roupa e sapatos de saída. Alojaram-nos no que era, assim parecia, o que tinha sido um armazém. Praticamente uns em cima dos outros. Parecíamos uma lata de sardinhas gigante. O barulho era ensurdecedor. Ler um livro era impossível no meio de tanta confusão, a concentração não era possível.

Chegou um cabo e preveniu-nos que a partir de agora já não teríamos nome. Devíamos fixar o nosso número mecanográfico que saiu no sorteio até ao fim do nosso serviço militar. Era a nossa despersonalização. Felizmente o chefe do pelotão, o aspirante Abreu, e um sargento miliciano eram agradáveis. Começámos a aprender ordem unida. Ao contrário de outros oficiais o nosso chefe ensinava-nos com brincadeiras à mistura. Estava sempre a rir. Ao contrário de um alferes que quando estava de oficial de dia, ou a dar instrução era a reencarnação do terror.

De rosto sempre mal-encarado, nunca o vi sorrir. Não servia de nada pedir-lhe fosse o que fosse, porque a sua resposta era sempre, não! Os recrutas do seu pelotão acabavam sempre a ordem unida partidos e desconjuntados. Creio que tinha imenso prazer nisso. Como se tivesse o desejo de alguma vingança interior ou de qualquer coisa que ninguém sabia. Quando chegava a hora das refeições, muitos comiam de tal modo que pareciam nunca o terem feito. Para eles a tropa era boa porque donde vinham raramente comiam. Acho que se sentiam felizes com casa e comida gratuitas. E engordavam rapidamente. Por causa disso chamavam-lhes lateiros e eram alvo de continuas chacotas. O dinheiro que tinham era bem guardado, muito poupado. Não bebiam uma gasosa ou cerveja, não faziam gastos. Isso surpreendia-me, porque custava-me entender como é que pessoas assim conseguiam viver sem gastar o que quer que fosse.

O nível cultural dos meus colegas era muito baixo, e portanto não se conseguia manter uma conversa. Sentia-me imensamente deslocado e desolado. Oh! Quantas saudades do Mota e do Quitério. Nos primeiros quinze dias ninguém podia sair do quartel. Depois disso foi uma debandada geral, à qual me juntei. A estação dos caminhos-de-ferro era bem próxima. Bem organizada e poderia dizer-se convidativa, bem limpa e com vasos de flores.
Várias vezes aqui me sentava nos bancos disponíveis e aproveitava para ler. Próximo, era a avenida principal ladeada por uma montanha de altura considerável. Para um recruta pouco mais havia para onde ir. Posso assegurar que era uma cidade bonita e pacífica. Em frente ao quartel os arruamentos eram de pedra calçada muito bem conservados. As vias principais eram asfaltadas.

Sem comentários: