quinta-feira, 25 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (31). Já há muito tempo em pé temia que o meu corpo não aguentaria muito mais.


Um dos treinos difíceis e que eu mais temia, era o corta-mato de dez quilómetros. Uma corrida que parecia não ter fim. Apesar de estar em boa forma física, advertiram-me que os fumadores, o que era o meu caso, não aguentariam. De facto, passado pouco tempo as pernas recusavam-se a prosseguir. Eu e mais alguns já estávamos bastante atrasados. Deixámos de ver os que iam na frente. O aspirante Abreu disputava a corrida no pelotão da frente com mais alguns poucos que permaneciam isolados. Esses, antes de serem recrutas praticavam atletismo em alguns clubes desportivos, e o aspirante Abreu confessava que não os aguentava. Retrocedeu, aproximou-se de nós e gritou-nos:
- Não passam de umas grandes merdas! Não sobreviverão nos matos do Ultramar quando forem mobilizados!
Mandou parar a corrida e deu voz de descansar. Era isso mesmo que eu esperava. Que grande alívio.

Depois veio a semana de campo. Acampámos num campo vasto cheio de eucaliptos. Ao fundo tinha um rio. Como precisava de passar o tempo, fazia longas passeatas de investigação ao longo da margem. Isto fazia-me bem, porque durante longos momentos me esquecia onde estava. Quando regressava à realidade, para junto dos meus companheiros pensava: Deixa-me lá ir aturar estes parvalhões. Que ordens virão a seguir, sempre na obediência de ordens imprevisíveis.

O frio começou a apertar. Acenderam-se fogueiras onde nos aquecíamos. Dormíamos em grupos de três nas tendas. Juntávamos os nossos cobertores para ficarmos mais quentes, mas isso não era suficiente porque a cada dia que passava o frio aumentava. Custava-me a entender o porquê deste tormento, porque nas colónias era ao contrário. Calor não lhes faltava.
O curioso é que surgiu um preconceito. Quem se deitasse no meio dos outros dois era considerado paneleiro. Pensei logo que estes tipos são mesmo parvos, e a sorrir decidi aproveitar a ideia. Deitei-me no meio e não passei mais frio, porque recebia o calor dos dois corpos que me aqueciam. Não queria saber, que pensassem o que quisessem.

Lembrei-me de uma coisa que o Quitério me tinha contado quando esteve no curso de sargentos milicianos em Tavira. Chamei o Dário:
- Dário, queres ouvir esta?!
- Conta lá.
- Parece anedota mas não é. Não me lembro bem se era o oficial Robles Monteiro, ou o Esteves Pinto. Bom, era um deles. Quando ia atender o telefone, que estava no rés-do-chão, saltava do segundo andar.
- Grandes malucos!
- E ficaram famosos pelos estragos que fizeram no Ultramar. Na guerra existe de tudo. É por isso que se chama guerra.
Ouve-se uma voz:
- Vamos a formar, vamos embora, acabou a semana de campo!
- Até que enfim, parece que isto nunca mais acabava! – Desabafei.

O dia do juramento de bandeira aproximava-se. Depois disso, alguns de nós seriam escolhidos para tirar uma especialidade. Preocupado, vi-me com a especialidade de atirador especial. Como já iria sair velho da tropa, ao menos que me dessem uma especialidade que depois aproveitaria para arranjar emprego na vida civil.

Na parada era um frio de rachar. Todos formados para o juramento de bandeira. Já há muito tempo em pé temia que o meu corpo não aguentaria muito mais. Fiquei sem entender o que pretendiam. Seria que nos queriam matar desta maneira? E aconteceu um desmaio. Depois outro, e mais outro. Pensei que se íamos morrer, então seria preferível revoltarmo-nos.
Que alívio, finalmente a cerimónia acabou. A seguir o nosso destino seria a estação do comboio de regresso a casa, onde ficaríamos alguns dias.

Imagem: cidade de Castelo Branco

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