sábado, 27 de março de 2010

A Ocidente do Paraíso (33). Depois descansávamos e algumas faziam uma coisa que me deixava arrepiada.


À noite durante o jantar, a minha mãe fez-me companhia, estávamos sós. O resto da família andava algures por aí. Ela sonda-me:
- Ainda continuas a escrever à Belita?
A pergunta apanhou-me desprevenido, enervei-me, queria explodir em palavras, mas contive-me.
- Sim mãe, de vez em quando.
Na verdade a correspondência era escassa, porque me tinha tornado apático.
- Cuidado meu filho, essa gente é muito perigosa. Ela já arranjou outro, um do Tramagal que tem algumas propriedades e deve ser por isso. Não ligues mais a essa gente. São pessoas que não te interessam. Só te vão fazer mal... ela veio aqui e levou todas as cartas que te escreveu.

Respirei fundo e explodi em silêncio. De repente senti uma enorme vontade de ir imediatamente até ao Tramagal e desfazê-la em bocados. Conclui sem entender, e com a ajuda dos traumas da tropa, comecei na descoberta que é difícil conviver e confiar nas pessoas. Nunca imaginei que a Belita me fizesse uma coisa destas. Custa-me a entender como as pessoas mudam assim de repente. A partir daqui a minha tristeza aumentou ainda mais. Amava-a de verdade. As mulheres são hábeis em dar-nos a volta. Por fim, a minha mãe acrescentou que a minha tia estava muito aborrecida com isso. E que a Belita mais tarde se arrependeria. Decidi esquecer o episódio. Pensei com mágoa que afinal a Belita não passava de uma vulgar prostituta. Não é assim que se troca de pessoa de um momento para o outro.

A minha mãe levantou-se e foi à cozinha. Trouxe um prato com uvas pretas grandes e carnosas. Ela sabia que eu gostava muito destas uvas. Enquanto me deliciava a comer bago após bago, ela lembrou-se de algo:
- Estas uvas lembram-me quando era nova.
- Porquê mãe?
- Nós íamos em ranchos trabalhar na apanha das uvas. Depois descansávamos e algumas faziam uma coisa que me deixava arrepiada.
- Que coisa mãe?
- Levantavam uma delas no ar.
- Mãe está a brincar comigo, não acredito nisso.
- É verdade meu filho… não sei como elas faziam isso.
- Mãe, isso chama-se levitação… mas como é que elas conseguiam?
- Diziam umas palavras e ela ficava parada no ar.
- Que palavras eram essas mãe?
- Não me lembro, ainda hoje sinto medo quando penso nisso.

Dentro de alguns dias estaria em Santa Apolónia, para mais uma longa viagem. O comboio levar-me-ia até à cidade do Porto para tirar a especialidade.

Bom. Parece-me que os testes psicotécnicos que fiz deram os seus resultados. No Regimento de Transmissões de Engenharia no Porto, concretamente na localidade de Arca de Água aguardavam-me nove meses de especialidade como radiotelegrafista. Muito tempo claro, para quem via o tempo da juventude a escoar-se cada vez mais. Logo à entrada surgia a parada de asfalto. À esquerda ficavam as aulas práticas com os rádios. À direita, o sargento e oficial de dia. Subindo o que parecia uma pequena montanha, tínhamos as aulas de morse, e mais acima o refeitório. Nas traseiras havia uma ruela ladeada de jardins. O seu aspecto não era agradável devido a trabalhos de restauro que efectuavam nas instalações.

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