Numa tarde no Frederico estava numa das minhas leituras, o Mota e o Quitério aparecem. Mandaram vir dois cafés, depois perguntaram-me se queria ir com eles à Cidade Universitária assistir a um concerto de baladas. Claro que aceitei o convite e lá fomos.
O local onde os trovadores se exibiriam era amplo. Estava lotado. Conseguimos lugares em pé. O tema das baladas era a canção de protesto. Os primeiros a tocarem foram o Duo Ouro Negro. Creio que cantaram apenas duas músicas do folclore angolano. Uma delas falava de uma serpente. Alguém não gostava e começou a depreciar:
- Estes gajos vieram aqui fazer o quê? Falar de uma serpente, o que é que isso tem a ver com a nossa luta?!
Poucos gostaram da sua actuação. Quando surgiu Adriano Correia de Oliveira foi o delírio.
Pergunto ao vento que passa
noticias do meu país
E o vento cala a desgraça
e o vento nada me diz
Uma poesia tão elucidativa. Bem tocada e cantada que encantava os nossos corações, e a nossa alma sedenta de justiça e liberdade. E noutra composição.
- E as armas não lavram terra…
Todos batemos muitas palmas. Agradecemos e incentivámos a sua luta por um Portugal livre da opressão.
A seguir Zeca Afonso. O barulho com que foi recebido parecia que o edifício ia desabar. Já há muito que o conhecia pela balada do Menino de Oiro dos seus tempos de Coimbra. Mas Zeca já não era o mesmo, evoluiu muito. As suas composições agora eram um desafio directo ao regime. Extremamente vigiado pela PIDE, receava que a polícia de choque surgisse e nos atacasse à bastonada como era hábito. Quando isso acontecia comportavam-se como verdadeiros cães raivosos. Mas estranhamente não apareceram. E o Zeca nas suas descobertas folclóricas.
Vamos cantar as janeiras
vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
às raparigas solteiras.
Zeca, claro, era muito inteligente, senão vejamos o coro:
Pam pará pi pam pam. Pam pará pi pam pam. Que traduzido significa:
Vão parar à Pide vão, vão parar à Pide vão, vão vão vão. O Zeca achincalhava o regime sem que eles se dessem conta. As suas actuações tinham que ser efectuadas em segredo, porque senão toda a polícia de choque aparecia em força e o espectáculo não seria realizado. Assim como veio, também foi discretamente.
Isto deu-me uma ideia. Porque não criar uma antologia pessoal da canção de protesto? Comprei alguns cadernos escolares e escrevi neles tudo o que se relacionava com tal tema. A certa altura dei-me conta que os cadernos que comprei já não chegavam. Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cilia, Manuel Alegre, Fiama Hasse Pais de Brandão, Manuel Freire, Padre Fanhais etc.
A surpresa veio do meu pai. Um passageiro conhecido que costumava viajar para Paris, perante a insistência do meu progenitor, trouxe-lhe uma encomenda. Fados, de Adriano Correia de Oliveira. Inicialmente o meu pai pensou que eram de facto os fados do lamento nacional, mas quando verificou que os fados eram de outros ventos, entregou-me o LP.
Imagem: nossaradio.blogspot.com/2008_12_01_archive.htm
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