Por Luís de Freitas Branco, publicado em 24 Abr
2013
Orlando Castro e Paulo F. Silva
são os autores de “A História na Primeira Pessoa”. São 16 volumes a distribuir
com o i, a partir de amanhã
“Para Angola depressa e em força”, anunciou
António de Oliveira Salazar no rescaldo da insurreição angolana em 1961. Entre
as plantações de algodão e café, as intervenções militares portuguesas
começavam a ser uma constante, provetas de uma Guerra Colonial que duraria até
ao 25 de Abril em 1974. “Quando tinha sete anos lembro-me dos meus pais
oferecerem café ao exército português, enquanto um dos soldados me meteu um
capacete na cabeça”, relata-nos Orlando Castro, autor, a par de Paulo F. Silva,
da compilação de 16 livros sobre a Guerra Colonial distribuída com o i a
partir de amanhã. A criança fascinada com o capacete acompanhou os terrores de
guerra em directo, assim como o resto do povo angolano e soldados portugueses,
envolvidos num conflito que não deixou ninguém indiferente.
“A história na Primeira Pessoa” serve de
subtítulo para o que os dois jornalistas descrevem como “o outro lado da Guerra
Colonial”. Em vez da mera cronologia de guerra, Orlando e Paulo recolheram
testemunhos de veteranos e de soldados da época, que imortalizaram os seus
pensamentos em cartas e relatórios. “Houve uma vontade generalizada de contar
as histórias, apesar de ainda haver alguns veteranos que preferem guardar as
suas memórias”, indica Orlando.
O primeiro volume acompanha o ano de 1961,
quando na Baixa de Cassange ocorreu a primeira sublevação de trabalhadores
angolanos. Na empresa luso belga Cotonang, um regime quase de escravidão
imposto nas plantações de algodão resultou na revolta de alguns camponeses e o
consequente embate com as tropas portuguesas. “O massacre na baixa de Cassenge
reflectiu um povo que se sentia frustrado no seu próprio país e outro que usou
o que tinha ao seu dispor para controlar a sua colónia”, explica Orlando. Nessa
primeira intervenção do exército português, Paulo realça como “ainda existem episódios
que não estão esclarecidos”. O exemplo mais célebre é o uso de napalm, que foi
confirmado por pessoas como António Lobo Antunes e desmentido pelo exército
português.
“A informação não chegava a Portugal, as
pessoas quando iam para a tropa estavam a embarcar para o desconhecido”, indica
Paulo. A escassa informação das condições sociais e geográficas da colónia,
levou a uns primeiros anos de descoberta. “Um dos exemplos desta falta de
preparação foi um comandante que programou um ataque por mar numa zona interior
do país”, sublinha Orlando. Um dos testemunhos no primeiro volume que ilustra
melhor este desconhecimento é o de António de Oliveira Gomes, um ex-furriel
miliciano: “O maior choque na minha vida não foi ir para a guerra em Angola. O
maior choque foi regressar a Lisboa e enfrentar o desinteresse e o
desconhecimento do que se passava no Ultramar.”
Os dois jornalistas nasceram em Angola, sendo
que em 1975 rumaram para Portugal. Se Paulo, com 53 anos, não recorda o período
de guerra, Orlando, aos 59, acompanhou em primeira mão os 13 anos de conflito.
“Aos poucos comecei a ter uma percepção diferente da guerra e descobri que
existia alguma legitimidade pela luta da independência”, confessa Orlando.
Apesar desta colecção de livros acompanhar uma perspectiva portuguesa, os dois
filhos de portugueses e auto-intitulados angolanos não esqueceram a reflexão
sobre a luta pela independência de Angola.
“A guerra faz parte da história de Portugal,
para podermos entender a nossa posição na União Europeia temos de conhecer o
nosso passado”, alerta Paulo. Como ex-jornalista de guerra, Paulo F. Silva
aproveitou a sua experiência para transcrever uma guerra que não vivenciou.
“Depois de estar em Timor ou no Afeganistão, passei por situações muito
complicadas que me ajudaram a interpretar a Guerra Colonial”, acrescenta.
“Aos olhos de hoje estes massacres são
inconcebíveis”, diz-nos Orlando. Na primeira pessoa, os 16 volumes servem para
humanizar uma guerra que vitimou portugueses e angolanos, uns perdidos em
território desconhecido e outros a lutar pelo nome próprio. “Numa guerra
ninguém ganha, todos perdem”, lembram os jornalistas.