Canal de Opinião. Por: Noé Nhantumbo
… Os complexos de Dar es Salaam não foram
enterrados…
Beira
(Canalmoz) - Aquele barulho que ecoa na arena política moçambicana não é
saudável na medida em que sugere mistura indigesta para a maioria dos
moçambicanos.
Parece
que alguém está disposto a “pescar nas águas turvas” que dominarão o cenário se
o “comboio político” moçambicano descarrilar.
Que
ninguém se esqueça que antes, durante todo o período colonial se criou uma
mentalidade baseada no complexo de superioridade e no complexo de
inferioridade. Era comum que os moçambicanos negros se considerassem por eles
próprios, inferiores ao colonizador branco. Foi montada uma cultura e
procedimentos sociais que associavam as pessoas conforme a cor de sua pele e
daí se caminhou para comportamentos racistas que estão documentados.
Outra
coisa que convém não esquecer é que entre as diferentes tribos e etnias que
compõem o mosaico nacional também se criaram mentalidades e comportamentos que
exploravam diferenças culturais, tradições e colocavam uns moçambicanos acima
de outros, com base num critério étnico-tribal. Promoveram-se classificações
que remetiam e consideravam as pessoas conforme o seu lugar de nascimento.
Aqueles
esforços empreendidos de maneira mecânica pela Frelimo, dizendo em comícios
“Abaixo o tribalismo” ou outros “ismos” não acabaram com nada.
As
pessoas que viviam concebendo-se superiores continuaram a fazê-lo. Mesmo em própria
sede do comité central da Frelimo, da liderança governamental verificou-se ao
longo dos anos uma tendência para dar primazia aos naturais de uns locais e não
de outros em tudo que se referia a colocações e nomeações para funções em
órgãos governamentais.
O
que uns chamavam de confiança política para outra não passa de simples
manifestação de fazer política com base na tribo. Há um exercício activo de
“Acção Afirmativa” com bases étnicas, quando interessa, ao se destinarem
quotas, a dirigentes provenientes de algumas províncias potencialmente com mais
votantes.
Há
muito que se pode dizer sobre o assunto e alguns sociólogos moçambicanos tem
falado embora levemente sobre ele. Em certa e grande medida, falar de complexos
de superioridade e inferioridade é tabu em Moçambique. Poucos querem e se
atrevem a dizer que alguma política e a tal confiança política se fazem e se
constroem com bases mais étnicas do que qualquer outra coisa. Conquistar votos
eleitorais tem passado por alocar quotas no comité central e na comissão
política dos partidos.
Da
mesma maneira não se pode dizer que não tenha havido evolução natural e
politicamente induzida nas relações entre as diferentes etnias e raças
existentes em Moçambique. Hoje difere de ontem onde até o mais simples funcionário
do estado tinha unicamente um só proveniência.
Mas
reconheçamos que ainda há muitas desconfianças entre nós.
Quem
ignora que os naturais do sul do Save muitas vezes colocam-se acima dos outros
como se tivessem herdado a governação de Moçambique directamente das mãos dos
portugueses? Quem ignora que por todo o país há designações pejorativas para
classificar quem não seja de uma etnia? Quem não sabe que muitos negros de
gerações mais velhas veem e consideram o branco um ser superior?
Mas
isto tudo vem a lume a propósito da relutância de dialogar-se abertamente sem
tabus sobre os problemas actuais de Moçambique?
Não
haverá de algum modo alguma carga de complexos de superioridade e de
inferioridade interferindo na formulação de estratégias e tácticas políticas
que importa analisar?
Quem
tem medo de falar sobre este assunto?
Não
haverá alguns substractos visíveis de pessoas que acreditam que se vive no
”Império de Gaza”? Alguma da reacção política vivenciada em Moçambique não se
baseia no insucesso em se eliminarem as assimetrias no desenvolvimento e
sobretudo na apropriação dos resultados?
A
quem tem beneficiado as grandes joint-ventures que se constituem cada vez que
se registam descobertas de recursos minerais?
De
quem são as empresas que dominam as principais áreas de procurement nacional?
A
quem pertencem milhares e milhares de hectares de terra já com DUAT atribuído?
Oferecer
quotas financeiras a alguns segmentos especiais não vaio resolver o problema de
Moçambique.
O
que dizem alguns dos que se opõem ao actual establishment é que as coisas têm
de mudar pois assim não faz sentido algum se afirmar que se está combatendo a
pobreza ou qualquer outra coisa.
E é
necessário possuir a sensatez de reconhecer que não estão mentindo.
Antes
de se tratar da grande política, da economia política do país é preciso deixar
as almas dos cidadãos sossegadas….
O
reducionismo e a tendência de demonizar os opositores existem e são
manifestações de intolerância política antiga. Houve e resiste uma tendência de
apropriação em regime de exclusividade do processo político nacional que não
corresponde ao discurso oficial de democracia e combate contra a pobreza.
Quem
tem medo de descentralizar as competências políticas e administrativas?
Se
já tivesse sido acordado que o ordenamento legislativo contemple a eleição de
governadores províncias teríamos menos atritos de natureza política ou não?
Na
actual conjuntura uma abertura em direcção ao federalismo afastaria muitos
demónios e seria uma forma prática e segura de concorrer para a eliminação dos
potenciais de confrontação política em Moçambique.
Os
opositores políticos de nomeada em Moçambique estão perdendo a oportunidade
histórica de fazerem a diferença ao recusarem-se a assumir em toda a sua
dimensão os problemas do país.
Os moçambicanos
estão “fartos de papos furados” e procuram ver seus problemas resolvidos.
“Ganhar
tempo” dialogando no autêntico “faz de conta” como tem sido feito entre o
governo d a Frelimo e a Renamo não produziu até agora qualquer sinal na
direcção da estabilização política.
É
preciso com frontalidade dizer-se que alguns dos actores políticos mais
proeminentes ontem, na sua tese de que sua permanência no poder é um
“imperativo nacional”, manifestam-se abertamente contrários a qualquer diálogo
ou negociação sérios, dos diferentes pontos apresentados pela Renamo. Por outro
lado, da Renamo, parece surgir sinal preocupante de que a opção militar, face a
um exército governamental desarticulado e sem apoios externos de relevo, seja a
melhor e mais rápida solução para atacar os diferendos existentes.
Uma
coisa é certa temos falcões dos dois lados sedentos de sangue sem qualquer
consideração pelos milhões de moçambicanos que não estão de acordo com sua
postura.
A
militarização dos partidos políticos tem o potencial de fazer desaparecer
aquele diálogo democratizante. Quem se julga coberto e protegido pelas armas
tem a tendência de optar pelo seu uso para a conquista e manutenção do poder.
A
musculação da PRM através de aquisições de equipamentos para a repressão de
manifestações apontam nesse sentido.
Quem
se recusa a dialogar em que é que confia?
Os
“duros” e irredutíveis de ontem, os que diziam e dizem que “não apertam as mãos
a bandidos armados” não estarão colocando seu complexo de superioridade acima
dos interesses nacionais?
O
tempo não está para a continuação de análises do tipo académico como forma de
explicar as motivações dos interlocutores no nosso processo político.
É
tempo de acção no sentido de salvar uma nação que nos pertence antes de ser
prerrogativa de algum político ou partido…
Sensatez e maturidade superam de longe
apresentações ou tentativa de brilhantismo retórico… (Noé Nhantumbo)
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