Maputo
(Canalmoz) - É grave a situação das pessoas idosas e portadoras de deficiências
em todo o continente africano. A pobreza, a indigência e o abandono são
factores que caracterizam essa situação. A protecção social destes sectores da
população africana é ainda uma luz que tarda em despontar ao fundo do túnel. No
entanto, esforços têm vindo a ser envidados no continente africano para se
atacar o problema.
Em
2007, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos criou um Grupo de
Trabalho para tratar da situação das pessoas idosas e pessoas portadoras de
deficiências no nosso continente. O Dr. Tavengwa Nhongo, director da APSP
(Plataforma Africana para a Protecção Social), tem vindo a trabalhar em
estreita colaboração com esse grupo de Trabalho, presidido por Yeung Sik Yuen,
juiz presidente do Tribunal Supremo das Maurícias e que desempenha igualmente
as funções de Comissário de Direitos Humanos da União Africana.
Numa
entrevista exclusiva ao Canal, o Dr. Tavengwa Nhongo falou-nos daquilo que tem
vindo a ser feito para proteger os direitos das pessoas idosas e pessoas
portadoras de deficiências em África.
Canal: Em 2007, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
criou um Grupo de Trabalho especificamente destinado a lidar com os direitos
das pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiências no nosso continente. À
partida, isso aparente ser uma tarefa gigantesca. Poderia dar uma ideia dos
passos dados até à presente data pela Comissão Africana dos Direitos Humanos
para a materialização desse objectivo?
Nhongo:
A Comissão Africana dos Direitos Humanos deu passos significantes tendo em vista
a materialização desse objectivo. A seguir à criação do Grupo de Trabalho,
verificou-se o seguinte:
• Na sua 45ª Sessão Ordinárias em Maio de 2009, a
Comissão Africana dos Direitos Humanos transformou o Ponto Focal para os
direitos das pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiências em Grupo de
Trabalho para os Direitos das Pessoas Idosas e Pessoas Portadoras de
Deficiências em África. Este Grupo de Trabalho tinha como termos de referência
5 pontos substanciais:
• A realização de sessões de reflexão para se
articular os direitos das pessoas idosas e das pessoas portadoras de
deficiências;
• A elaboração de um documento conceptual para ser
examinado pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos o qual
serviria de base para a adopção de uma proposta de Protocolo sobre a Velhice e
Pessoas Portadoras de Deficiências;
• A facilitação e realização célere de uma pesquisa
comparativa sobre os vários aspectos dos direitos humanos das pessoas idosas e
das pessoas portadoras de deficiências a nível do continente, incluindo os
direitos socioeconómicos dessas pessoas;
• A recolha de dados sobre pessoas idosas e pessoas
portadoras de deficiências como forma de se assegurar a integração
adequada dos direitos dessas pessoas nas políticas e nos programas de
desenvolvimento dos Estados membros da União Africana; e
• A identificação de boas práticas a serem repetidas
nos Estados membros.
• Na sua 49ª Sessão Ordinária em 2011, a Comissão
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos alargou o Grupo de Trabalho tendo
adicionado três peritos ao seu quadro de funcionários.
• O Grupo de Trabalho deu início a actividades
relacionadas com a elaboração do Protocolo sobre a Velhice e Pessoas Portadoras
de Deficiências tendo concluído essa tarefa em 2012.
• O Protocolo foi adoptadao pela Comissão Africana
durante a 52ª Sessão Ordinárias realizada em Yamoussoukro, Costa do Marfim em
Outubro de 2012.
• O Protocolo foi apresentado à Comissão da União
Africana a fim de se dar início ao processo de aprovação pelos Chefes de Estado
e de Governo.
• O Grupo de Trabalho deu início a trabalhos para a
elaboração do Protocolo sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiências.
• Nesse sentido, o Grupo de Trabalho elaborou uma
Nota Conceptual que irá permitir a redacção do Protocolo.
• O Grupo de Trabalho aguarda neste momento por
financiamento o que permitirá que o processo de redacção do Protocolo possa
continuar.
Canal: Na maioria dos países africanos e em Moçambique em particular, a
situação difícil das pessoas idosas e das pessoas portadoras de deficiências
está devidamente documentada. O Grupo de Trabalho está em contacto com os
governos africanos no sentido de fornecer-lhes as necessárias orientações para
a criação de condições destinadas a assegurar o bem-estar das pessoas idosas e
das pessoas portadoras de deficiências?
Nhongo:
O Grupo de Trabalho é um organismo que foi criado pela Comissão Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos, funcionando no âmbito do mandato por ela
estabelecido. O Grupo de Trabalho desempenha as suas tarefas e apresenta
relatórios à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos no decurso das
respectivas Sessões. A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos é um
organismo criado pelos Estados Membros da União Africana. Os membros da União
Africana participam nas actividades da Comissão. Os Estados membros recebem
relatórios e deliberam sobre as actividades da Comissão Africana. Isto garante
que os Estados membros, incluindo Moçambique, sejam mantidos informados das
actividades do Grupo de Trabalho através desses canais.
Canal: Os países que enfrentam privações de ordem económica, como
resultado de guerras e calamidades naturais e outras causas, poderão sentir
dificuldade em cuidar do grupo de pessoas que o seu Grupo de Trabalho tem em
mente. Que conselhos é que o seu Grupo de Trabalho pode dar aos governos nessa
situação?
Nhongo:
De facto, os países envolvidos em conflitos ou que tenham saído de situações de
conflito (Estados Frágeis), enfrentam um número infinito de problemas no que se
refere à prestação de assistência às populações. A tendência, porém, é esses
países utilizarem os recursos que têm à sua disposição de forma
desproporcionada. Os programas tendem a centrar-se em outros grupos
populacionais em detrimento das pessoas idosas e das pessoas portadoras de
deficiências. Na opinião do Grupo de Trabalho, a marginalização de certos
grupos populacionais nesses países ignora o facto de que tais grupos são
constituídos por seres humanos que devem ser dotados de todos os serviços
disponíveis. Esta é uma abordagem de prestação de serviços assente nos direitos
humanos. Consequentemente, não há nenhum país, rico ou pobre, que possa deixar
de prestar assistência aos seus cidadãos. Temos exemplos. O Lesoto, um dos
países mais pobres do continente, tem um sistema de pensões de reforma decente
para a população mais idosa, e financia o programa de reformas sem qualquer
ajuda de doadores.
Canal: Mencionou o caso do Lesoto. Poderia dar mais pormenores sobre o
sistema de pensões de reforma nesse país? Como funciona o programa de
contribuições dos membros? Quais os prazos previstos para um pensionista passar
a beneficiar do sistema?
Nhongo:
O sistema de pensões para pessoas idosas do Lesoto é um fundo universal que
paga a todas as pessoas idosas a partir dos 70 anos de idade. O sistema foi
introduzido apesar das agências doadoras terem dado um parecer desfavorável. O
governo avançou com o sistema em benefício de um grupo etário que era
comportável, pagando US$25 por mês. Um estudo coordenado por Barrientos aponta
que nos finais de 2005, o sistema abrangia 69,046 pessoas (3.8% da
população) a um custo de US$21 milhões (1.37% da população). Em 2005, o governo
aprovou a Lei das Pensões de Reforma o que fez com que as disposições respeitantes
a pensões fossem tidas como direitos legais. Presentemente, o sistema paga
US$30 por mês aos beneficiários.
Em
Março de 2009, o sistema contava com 70,064 recipientes registados, 60% dos
quais eram mulheres. Estudos levados a cabo desde a criação do sistema de
pensões de reforma indicam que o fundo de reformas do Lesoto contribuiu para
uma redução das pessoas que viviam abaixo da linha de pobreza, passando de 90%
para 70%, tendo a lacuna de pobreza baixado de US$19 para US$ 13.00 por mês. Um
estudo publicado por Nyanguru refere que o sistema contribuiu igualmente para
uma série de factores sociais respeitantes a pessoas idosas e respectivas
famílias.
Canal: Que papel o sector privado e a sociedade civil devem desempenhar
para que os objectivos traçados pela Comissão Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos no que se refere aos direitos das pessoas idosas e das pessoas
portadoras de deficiências em África tornem-se viáveis?
Nhongo:
Tanto as Organizações da Sociedade Civil (OSC) como o Sector Privado são
parceiros no contexto da agenda de desenvolvimento de qualquer país. Embora as
OSC tenham-se envolvido no sector do desenvolvimento, há uma série de questões
que elas terão de abordar como forma de ajudarem a Comissão Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos a alcançar os seus objectivos.
• A maioria das OSC centra as suas acções nas
crianças, jovens, mulheres, etc., mas não nas pessoas idosas, por exemplo. Há
muitas situações em que as OSC estão a dilacerar famílias, prestando ajuda a
uma parte delas em detrimento de outras partes. Em agregados familiares em que
as pessoas mais idosas são chefes de família, cuidando e apoiando órfãos, as
ONG prestam apoio a uma criança em detrimento da família no seu todo. O apoio
deve ser prestado de forma holística.
• Há muito competitividade e duplicação de serviços
entre as OSC – em alguns casos fazendo com que as intervenções que levam a cabo
sejam completamente contrárias aos seus objectivos. Isto resulta em desperdício
de recursos e na não resolução das necessidades dos grupos-alvo.
• Há uma tendência das organizações internacionais
de maiores dimensões absorverem as organizações mais pequenas de âmbito local,
competindo com elas quer em temos de espaço e de recursos, para depois
introduzirem agendas próprias no seio das populações locais. Na realidade, isto
fez com que a indústria de ajudas passasse a não ter qualquer significado,
tornando-se ineficaz no que se refere à redução da pobreza em África. As ONG
precisam de apoiar as necessidades identificadas pelas populações,
conferindo-lhes depois poderes para responderem a essas mesmas necessidades.
O
Sector Privado, por seu turno, é um parceiro natural no processo de
desenvolvimento.
• No tocante às pessoas idosas e pessoas
portadoras de deficiências, o Sector Privado tem o dever de assegurar que as
vidas dos que trabalharam e se reformam sejam dignas e confortáveis.
• Algumas das pessoas idosas mais pobres a nível do
continente africano são as que trabalharam para as grandes empresas, auferindo
salários pouco dignos e depois deixam de trabalhar, auferindo pensões de
reforma também nada dignas.
• O Sector Privado deverá unir-se às OSC e aos
governos a fim de conceberem programas de apoio a esses grupos.
Canal:
Como descreve a situação actual das pessoas idosas e das pessoas portadoras de
deficiências nas várias regiões geográficas do nosso continente, como por
exemplo a África Austral e a África Ocidental?
Nhongo:
Um facto que é hoje aceite é que a população de pessoas idosas está a aumentar
rapidamente em todo o continente africano. Todavia, este facto continua a ser
ignorado por aqueles que traçam políticas em África. O número de pessoas
portadoras de deficiências também continua a subir como resultado de doenças e
de conflitos que grassam no continente africano.
• Na última década registou-se algum progresso tendo
em vista lidar com questões relacionadas com pessoas portadoras de
deficiências. Isto ocorreu a níveis internacional, continental e nacional tendo
sido concebidas convenções, políticas e protocolos.
O
que agora necessita de ser feito é consolidar os esforços até agora feitos e
assegurar que sejam concebidos programas a nível nacional de forma a responder
às expectativas das pessoas portadoras de deficiências e cumprir com os
direitos delas.
• Ainda estão por ser feitos esforços para se
materializarem os direitos das pessoas idosas quer a nível de políticas, quer a
nível de programas. Há ainda muita discriminação relativamente às pessoas
idosas. São poucos os países que adoptaram políticas ou aprovaram leis que
tratem dos direitos das pessoas idosas. Apenas 5% de todos os trabalhadores em
África conta com cobertura de disposições legais relacionadas com a protecção
social. Quer isto dizer que um grande número de pessoas idosas passa à idade da
reforma em situação de pobreza e de carência.
• Torna-se
necessário que todas as partes interessadas (União Africana, governos, sector
privado e OSC) façam um esforço concertado tendo em visto assegurar a melhoria
desta situação. (Aunício da Silva)
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