Em tempo de paz, as acções de violência
institucional que mais mortos e abusos contra os direitos humanos têm causado,
são as direccionadas ao combate ao garimpo ilegal na região diamantífera das
Lundas. Os discursos oficiais têm justificado tais acções como medidas
necessárias para preservar a exploração de uma riqueza nacional para o
benefício geral da pátria.
Em Janeiro passado, o ministro da Geologia e
Minas, Francisco Queiroz afirmou, em declarações à Angop que “a exploração
ilegal de diamantes, atingiu proporções preocupantes no país” e “é imperioso
combater a prática ilícita do garimpo, nos domínios da produção,
comercialização [...]”.
Enquanto isso, da parte do governo e da
comunicação social do Estado, não tem havido qualquer denúncia sobre o
envolvimento de dirigentes no negócio do garimpo. Ao invés, a prática
institucional tem sido responsabilizar apenas os garimpeiro.
Perante este silêncio, Maka Angola
revela agora ao público mais um caso de corrupção e abuso de poder: a
participação do Presidente do Conselho de Administração (PCA) da Endiama,
António Carlos Sumbula, no negócio directo com garimpeiros, para seu
enriquecimento pessoal.
A Endiama é a empresa estatal que detém, na
qualidade de concessionária nacional, a exclusividade sobre os direitos
mineiros de prospecção, pesquisa, reconhecimento, exploração, tratamento e
comercialização de diamantes em todo o país. O Código Mineiro, como é conhecida
a Lei n.º 31/11, estabelece, como obrigatória, a participação do Estado,
através de uma empresa pública, nas sociedades comerciais que se dediquem à
exploração e comercialização de diamantes ou outros minérios. Essa
participação, por lei, não pode ser inferior a 10 porcento do capital da
empresa comparticipada.
No entanto, a prática é outra. A 28 de Agosto
de 2006, António Carlos Sumbula criou formalmente a empresa privada Mi Diamond,
Limitada, com o seguinte objecto social: “comercialização de diamantes e outros
recursos naturais, prospecção, pesquisa, produção de recursos mineiras,
construção civil e obras públicas, agricultura, pescas, hotelaria e turismo e
imobiliária”.
O capital social da empresa é detido, em 99
porcento, por António Carlos Sumbula, enquanto a um outro sócio, Miguel António
Chambole, cabe simbolicamente um porcento do negócio.
A nomeação de Sumbula, em 2009, para PCA e director-geral
da Endiama, marcou a implementação da Mi Diamond nas principais zonas de compra
de diamantes produzidos por garimpeiros.
Para o efeito, a Mi Diamond estabeleceu-se
nas Lundas através de uma parceria com a Sodiam, empresa detida pela Endiama em
99 porcento. O Instituto Angolano de Participações do Estado (IAPE) detém o
restante um porcento da Sodiam. Logo, a Sodiam é uma empresa pública cujo
conselho de administração é nomeado pelo Presidente da República.
É ilegal a parceria entre a Sodiam e a Mi
Diamond. António Carlos Sumbula está proibido, pela Lei da Probidade, de ser
sócio privado da Endiama, empresa que dirige enquanto servidor público. A
Sodiam é, para todos os efeitos, uma subsidiária da Endiama. De um modo geral,
a lei proíbe os gestores públicos de fazerem negócios privados com o Estado
para enriquecimento pessoal.
A 1 de Abril deste ano, o director nacional
de Minas, Miguel Paulino, esclareceu à Rádio Nacional de Angola os termos do
direito de exclusividade detido pela Sodiam na venda de diamantes. “A
comercialização de diamantes é feita pela Sodiam, que é o canal único para
vendas. É evidente que ela tem as suas parcerias e é no âmbito destas parcerias
que surgem outros agentes, mas sempre associados à Sodiam”.
Em Cafunfo, no centro da zona mineira na
província da Lunda Norte, a Mi Diamond passou a ter mais de 10 casas de compra.
Estes “contuários”, como são chamados os postos de compra, são encabeçados por
cidadãos libaneses, um belga, um francês e um brasileiro. O principal impulsionador
no estabelecimento da rede de negócios de Sumbula com os garimpeiros foi o
então Boss Mouien, um libanês que se assumia como o principal comprador de
diamantes do garimpo no Cuango. A empresa de Sumbula também tem contuários no
vila do Cuango, em Xamiquelengue e Muxinda, outros postos de grande actividade
do garimpo.
O esquema de compra de diamantes do garimpo,
até à presente data, é simples. O garimpeiro vende os diamantes à Mi Diamond
sem qualquer registo de transacção e a preço de cartel. Estes valores de compra
são acordados entre os vários contuários, em prejuízo dos garimpeiros, e sem
qualquer correspondência ao valor real dos diamantes transaccionados.
“Se o garimpeiro entregar uma pedra de grande
valor, para pesar, o comprador da Mi Diamond pesa e tranca logo o diamante no
cofre e discute com o vendedor o preço que ele impõe. Se o garimpeiro recusar,
então o comprador confisca a pedra. O garimpeiro não tem nenhum direito”,
explica o activista local Salvador Fragoso.
Por sua vez, o Corpo de Segurança de
Diamantes, que emite as credenciais dos compradores da Sodiam e da Mi Diamond,
não fiscaliza a acção destes. Há ainda o envolvimento directo de compradores,
como o belga Cixten, como é conhecido localmente, no patrocínio directo de
grupos de garimpeiro, sobretudo nas áreas de Kavuba e Ngana Canga.
A ausência de registo de transacções facilita
o desvio das pedras de maior valor para a República Democrática do Congo,
através de correios humanos, e a perda incalculável de receitas para a estatal
Sodiam, que deveria comercializar toda a produção no exterior do país. Essa
prática viola o Sistema de Certificação de Kimberley, que exige o registo de
todas as transacções de diamantes desde a origem, incluindo a primeira venda
após a sua extracção. O Sistema de Kimberley é um processo de certificação que
visa eliminar a introdução de diamantes de sangue no mercado internacional.
O envolvimento dos compradores no patrocínio
ilegal de grupos de garimpeiros viola também o Código Mineiro, que proíbe a
aquisição de diamantes produzidos por garimpeiros ilegais. No entanto, a Mi
Diamond continua a comprar deste grupo, uma vez que os garimpeiros licenciados
são em número simbólico e ainda sem áreas definidas de exploração artesanal.
Para além de todas esta ilegalidades, acresce,
de forma inequívoca, o crime de corrupção e a violação da Lei da Probidade, uma
vez que Sumbula acumula um cargo público, de PCA da Endiama, com a função
privada de sócio-gerente da Mi Diamond, que mantém até à data presente.
A Lei da Probidade também proíbe os gestores
públicos de fazerem negócios com entidades estatais, no exercício das suas
funções, para enriquecimento pessoal.
Nem a Direcção Nacional de Investigação
Criminal (DNIC) nem a Procuradoria-Geral da República se dignaram até ao momento
a investigar mais estes crimes públicos.
Sumbula goza do alto patrocínio do Presidente
da República e do ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança da
Presidência, general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, pelo que as suas
contravenções à lei são plenamente justificáveis e aceites.
O próprio Presidente José Eduardo dos Santos
autorizou, formalmente, em 2000, a constituição da Ascorp, uma empresa em que a
sua filha Isabel dos Santos detinha 25 porcento do capital, inicialmente como
cartel exclusivo para a compra de diamantes do garimpo. A Endiama mantém igual
percentagem no negócio, enquanto Lev Leviev e o israelita Sylvain Goldberg,
repartem a outra metade do negócio. Em 2004, Isabel dos Santos, preocupada com
a sua imagem, transferiu as suas acções para a titularidade da sua mãe Tatiana
Kukanova Cergueevna Ragan.
Pessoalmente o general Kopelipa também está
envolvido no negócio dos diamantes, como sócio da Lumanhe, um empresa
constituída exclusivamente por generais que, por sua vez, é sócia da Endiama em
vários projectos diamantíferos nas Lundas. No Cuango, a Sociedade Mineira do
Cuango, no qual a Lumanhe é detentora de 21 por cento das acções, os seus
sócios e gestores são responsáveis por graves violações dos direitos humanos
contra garimpeiros e membros das comunidades locais, incluindo homicídios,
tortura e expropriação coerciva de terras aráveis.
À luz do modelo político de corrupção
institucional que norteia o governa do Presidente José Eduardo dos Santos, quem
merece a sua confiança ou sirva os seus interesses é brindado com o selo da
impunidade.
Ironicamente, os maiores garimpeiros de
Angola são aqueles no poder.
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