Por Maka
Angola
O jornalista e defensor dos direitos humanos
Rafael Marques foi hoje interrogado e constituído arguido pelo Departamento de
Combate ao Crime Organizado, da Direcção Nacional de Investigação Criminal
(DNIC), em Luanda, por suspeita de difamação.
O Departamento de Combate ao Crime Organizado
notificou formalmente o arguido apenas no acto de
interrogatório, tendo disponibilizado um advogado oficioso, que o jornalista
recusou. Rafael Marques não se fazia acompanhar de advogado porque desconhecia
o teor da notificação, de que teve conhecimento por via telefónica.
Em Janeiro passado, três sócios e gestores da
empresa ITM-Mining acusaram o jornalista de os ter difamado no livro “Diamantes
de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”, editado e publicado em Setembro de
2011, em Portugal. Apresentaram a queixa, passado um ano e três, o moçambicano
Renato Hermínio Teixeira, o britânico Andrew Paul Machin, e um gestor angolano,
Jorge Gonçalves.
A ITM-Mining é a accionista responsável pelas
operações mineiras da Sociedade Mineira do Cuango (SMC). Os outros sócios são a
empresa estatal Endiama, e a Lumanhe, esta última constituída exclusivamente
por generais angolanos. Constam, entre os seus accionistas, o ministro de
Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República , general Manuel
Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, e o inspector-geral do Estado-Maior General das
Forças Armadas Angolanas (FAA), general Carlos Hendrick Vaal da Silva.
Os outros generais-empresários envolvidos são
Armando Neto, governador de Benguela e ex-Chefe do Estado-Maior General das
FAA; Adriano Makevela, chefe da Direção Principal de Preparação de Tropas e
Ensino das FAA; João de Matos, ex-Chefe do Estado-Maior General das FAA; Luís
Faceira, ex-chefe do Estado-Maior do Exército das FAA; António Faceira,
ex-chefe da Divisão de Comandos; António dos Santos França «Ndalu», ex-Chefe do
Estado Maior-General das FAA; e Paulo Lara, ex-Chefe da Direcção Principal de
Planeamento e Organização do Estado Maior-General das FAA.
No livro, resultado de anos de investigação
nas províncias diamantíferas das Lundas, Rafael Marques denunciou centenas de
casos de tortura e assassinato e violações sistemáticas de direitos humanos a
que estão sujeitas as populações locais, com o envolvimento activo de membros
das Forcas Armadas Angolanas e da Teleservice, uma empresa privada de segurança
ao serviço da SMC.
Sobre o seu interrogatório hoje pelas
autoridades angolanas, o arguido sublinhou que “a DNIC deve antes investigar os
factos relatados no livro sobre os casos de homicídio e tortura, muitos dos
quais aconteceram dentro da concessão da Sociedade Mineira do Cuango. As
vítimas, testemunhas e familiares devem ser ouvidas para que a investigação da
DNIC seja séria e fiável”, disse.
Quanto à queixa contra si, o jornalista diz
tratar-se de uma manobra de inspiração militar. “Estão a executar o movimento
da pinça. Os sócios estrangeiros atacam o autor na frente Angola, enquanto os
generais atacam-no na frente Portugal, com outro processo sobre o mesmo
assunto”, explicou Rafael Marques à saída do interrogatório, aludindo à queixa
feita pelos generais em Portugal, entretanto arquivada pelo Ministério Público.
Segundo o jornalista, essa estratégia tem
como objectivo contornar, em Angola, o facto de ser crime a realização de
negócios entre dirigentes e o Estado, para enriquecimento pessoal. Os nove
generais envolvidos no processo reconheceram, em Portugal, serem sócios da
Sociedade Mineira do Cuango e da Teleservice.
Os queixosos da ITM-Mining incorrem também em
actos de tráfico de influência e corrupção activa de dirigentes segundo o
Código Penal angolano e de acordo com as convenções da União Africana e das
Nações Unidas contra a Corrupção e o Protocolo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento
da África Austral) contra a Corrupção, todas incorporadas no direito angolano.
Rafael Marques manifesta-se indignado pelo
facto dos generais não terem apresentado queixa em Angola. “É de uma falta de
respeito aos angolanos e de um anti-patriotismo indisfarçável os generais
sentirem-se ofendidos na sua honra, em Portugal, e admitirem que não a têm ou
não se importam com a mesma em Angola”, disse.
Na sequência da publicação do livro, o autor
apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR), em Luanda, uma queixa-crime contra os sócios das empresas Sociedade
Mineira do Cuango, concessionária de diamantes na bacia do Cuango, e a empresa
privada de segurança Teleservice, contratada pela SMC para protecção do
projecto. Na queixa-crime, apresentada em Novembro de 2011, Rafael Marques
acusou os sócios e gestores das referidas empresas de serem autores morais de
crimes contra a humanidade.
A PGR recusou-se a investigar os crimes
públicos denunciados pelo jornalista, bem como os crimes de corrupção cometidos
pelos sócios (por eles claramente assumidos através da queixa-crime que
apresentaram em Portugal), e arquivou a queixa, depois de um processo de
inquérito sumário em que foram ouvidas apenas quatro das testemunhas apresentadas no caso.
O inquérito da PGR à queixa-crime de Rafael
Marques revela novos conceitos para a justiça angolana. A PGR desqualificou,
como irrelevantes, os depoimentos dos declarantes que denunciaram casos de
homicídio e tortura, três dos quais vítimas pessoais de tortura, por terem
confirmado os abusos constantes no livro. Segundo a PGR, as quatro testemunhas,
provenientes das Lundas, limitaram-se “a repetir o que já teriam dito ao
jornalista e que também consta do seu livro”. Deduz-se que, para a PGR, teriam
apenas credibilidade os depoimentos em que as testemunhas apresentassem
contradições nas suas declarações.
A 15 de Fevereiro, Rafael Marques recorreu da
decisão de arquivamento da PGR, junto do Presidente da República, para que os responsáveis
morais e materiais dos crimes denunciados sejam levados a juízo, e lembrou a
existência de mecanismos internacionais de justiça, após exaustão dos recursos
a nível nacional.
Em Outubro passado, os generais, a Sociedade
Mineira do Cuango e a Teleservice apresentaram uma queixa-crime em Portugal, contra o autor e
a sua editora Tinta-da-China, por calúnia, difamação e injúria.
Em Fevereiro passado, o Ministério Público
português arquivou o processo, considerando que a publicação da obra
se encontra protegida pelos direitos de liberdade de expressão e informação.
Os queixosos recorreram do despacho do Ministério Público e deduziram
uma acusação particular contra Rafael Marques e a Tinta-da-China, exigindo o
pagamento de uma indemnização no valor de 300, 000 euros.
Apesar da pressão, o defensor dos direitos
humanos garantiu que continuará a realizar o seu trabalho e anunciou a sua
deslocação a Bruxelas, a 24 de Abril, a convite da Sub-Comissão dos Direitos
Humanos do Parlamento Europeu, para em audiência abordar a situação dos
direitos humanos e o comportamento da indústria extractiva na região
diamantífera das Lundas.
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