quinta-feira, 26 de março de 2009

MARIO VARGAS LLOSA visita o Congo. Viajem ao coração das trevas (1)


11/01/2009

Mario Vargas Llosa visita o Congo, um rico país sumido na miséria da guerra e do terror. Fome, violações, assassinatos e corrupção sacodem esta terra sem lei. Médicos Sem Fronteiras e 'El País Semanal' iniciam uma série de viagens de diferentes escritores para resgatar do esquecimento as vítimas da violência no mundo.

I – O MÉDICO. "O problema número um do Congo são as violações", diz o doutor Tharcisse. "Matam mais mulheres que a cólera, a febre-amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, incluindo o Exército, onde encontram uma mulher procedente do inimigo, violam-na. Melhor dito violam-na, dois, cinco, dez, os que sejam. Aqui, o sexo não tem nada que ver com o prazer, só com o ódio. É uma maneira de humilhar e desmoralizar o adversário. Ainda há às vezes violações de meninos, 99% das vítimas de abuso sexual são mulheres. Aos meninos preferem raptá-los para lhes ensinar a matar. Há muitos milhares de meninos soldados por todo o Congo".

Mario Vargas Llosa Nascimento: 28-03-1936 Lugar: (Arequipa)

Congo Capital: Brazzaville. Governo: República. População: 3,903,318 (est. 2008)

Estamos no hospital de Minova, uma aldeia na fronteira ocidental do lago Kivu, um canto de grande beleza natural – havia nenúfares de flores malvas na praia em que desembarcámos e de indescritíveis horrores humanos. Segundo o doutor Tharcisse, director do centro, o terror que as violações inocularam nas mulheres explica os deslocamentos frenéticos de populações em todo o Congo oriental. "Apenas ouvem um tiro ou vêem homens armados saem espavoridas, com os seus meninos às costas, abandonando casas, animais, tudo".

O doutor é perito no tema, Minova está cercada por campos que albergam dezenas de milhares de refugiados. "As violações são todavia piores do que a palavra sugere", diz baixando a voz. "A este consultório chegam diariamente mulheres, meninas, violadas com bastões, ramas, facas, baionetas. O terror colectivo é perfeitamente explicável".

Exemplos recentes. O mais notável, uma mulher de 87 anos, violada por 10 homens. Sobreviveu. Outra, de 69, estuprada por três militares, tinha na vagina um pedaço de sabre. Leva dois meses a seus cuidados e as suas feridas ainda não cicatrizaram. Quase que lhe desaparece a voz quando me conta de uma menina de 15 anos a que cinco "interahamwe" (milícia hutu que perpetrou o genocídio de tutsis no Ruanda, em 1994, e logo fugiu para o Congo, onde agora apoia o Exército do Governo do presidente Kabila) raptaram-na e esteve na selva cinco meses, de mulher e escrava.

Quando a viram grávida abandonaram-na. Ela voltou para a sua família que também a abandonou porque não queriam que nascesse na sua casa um "inimigo". Desde então vive num refúgio de mulheres e recusou a proposta de um parente para matar o seu futuro filho para que assim a família possa recebê-la. A ladainha de histórias do doutor Tharcisse produz-me uma vertigem quando me refere o caso de uma mãe e suas duas filhas violadas há poucos dias na mesma aldeia por um punhado de milicianos. A menina de 10 anos, morreu. A outra de 5, sobreviveu, mas tem os quadris planos pelo peso dos seus violadores. O doutor Tharcisse rompe em pranto.

EL PAÍS
Traduzido do espanhol

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