terça-feira, 17 de março de 2009

Milagre divino (1)


Aborrece-me imenso a falsidade de quem, especialmente sacerdotes, falam das mínimas benesses que Deus nos dá. É a divina poluição.

Há mais igrejas que campos semeados. Infindáveis sementeiras sem lavradores. Muita semente, poucos lavradores. As igrejas não ensinam a cultivar campos, vivem da fome dos crentes. Seitas, igrejas de improviso. As vozes dos fiéis colapsam, as cabeças e os corações rompem como porões. Mens divinior, o influxo divino! Lembrei-me disto, porque aproximo-me da casa do meu amigo, Bispo Éden.

É um soberano bem. Costuma ditar a ponte do postulado da sua confraria social: «As igrejas crescem proporcionalmente à quantidade de analfabetos existente». Há malas endinheiradas, fiéis dizimadas, aviadas. Muito maná dos obcecados, que bem utilizado na agro-pecuária extirparia a fome material do êxodo. De certeza que chegou, já aqui está. Vou escutá-lo, reverenciá-lo.

O Bispo Éden orava numa mansão que lhe era extensivamente reservada. Ostensivamente muralhada e reforçada com seguranças. Sempre a obrar, alargar espaços. Derrubar muros, construir outros porque as fronteiras expandiram. Aproximação ou intromissão desconhecida era aventura fatal. Algumas almas-danadas tentaram profanar o santuário, mas ocultas câmaras de vídeo sempre vigilantes, filmavam-lhes os momentos inglórios. O fim, num buraco de terra desconhecida, que fortalece os vivos e recolhe os mortos.

Tímida, face a face com um segurança precavido com a mão na coronha da pistola, que insinua saltar da sua coxa. Revivo a imagem do tempo saudoso da fronteira, depois transportado para filmes. Ele sentia-se caubói dos westerns, herói do faroeste. O segurança defendeu-se com habitual desconfiança.
- Graças a quem?
- Com o Bispo Éden.
- Nome do bilhete de identidade?
- Jasmim da Noite.
- Aquiete-se um momento.

O portão de barras de aço espaçou. Aventurei-me para o interior, e o portão descansou intramuros. Chegou-me uma pontada de mal-estar. Dois cães movem-se de aviso, ladram. Impõem gélido respeito, parecem lobos puros. A pressão sanguínea do meu coração estabilizou, quando assegurei que os canídeos estavam atrelados, controlados por seguranças. Antes da porta de entrada, à esquerda, diviso uma enorme cruz cimentada, com a inscrição: QUE DEUS VOS ESCUTE.

Entrei numa enorme sala, e informaram-me que o reverendíssimo não tardaria. Sentei-me a observar o ambiente. Vi muitas imagens de santos e cruzes que pareciam fazer parte de uma colecção. Tudo em semi-obscuridade para impregnar a sugestão de misticismo. O sacerdote com máscara divinal, de aparência lustrosa como se acabasse de descer do céu, saúda-me:
- Ó Jasmim da Noite! Bem-vinda minha peregrina!
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