terça-feira, 24 de março de 2009

O narcotráfico instala-se na Guiné-Bissau



«Depois do assassinato do chefe do exército, militares leais a este mataram o presidente. Um dos dez países mais pobres do planeta vê-se nas mãos de traficantes que enviam droga à Europa


FRANCESC RELEA 22/03/2009


Carmelita Pires, responsável do plano de luta contra o narcotráfico na Guiné-Bissau, leva tempo advertindo de que o narcotráfico intenta comprar o poder político do seu país. "O Estado não vive do dinheiro da droga, mas há gente importante que vive da droga", explica, em conversação telefónica desde Bissau. Pires foi ameaçada de morte por seu pulso firme contra o narcotráfico. Numerosos observadores chamam de "Narcoestado" à Guiné-Bissau, convertida, pela força dos factos, numa plataforma para a recepção e armazenamento de droga desde a América e sua distribuição posterior à Europa, como advertiu a própria ONU.


Guiné-Bissau, capital: Bissau. Governo: república. População: 1,503,182 (est. 2008)


"A minha segurança é muito precária", reconhece a responsável do plano de luta contra o narcotráfico em Bissau


As palavras da responsável do plano de luta contra o narcotráfico cobram toda a sua importância depois do trauma vivido pelo país africano há três semanas, quando foram assassinados, sucessivamente, o chefe do Estado Maior do Exército, Batiste Tagmé na Waié, e presidente da República, Nino Vieira, num aparente ajuste de contas não alheio aos interesses do tráfico de drogas. Depois da morte do chefe do Exército, militares leais a este mataram o presidente Vieira.


Antes do seu posto actual, Carmelita Pires foi ministra da Justiça. Toda essa trajectória fez-lhe viver na primeira fila as garras do poder obscuro que tortura o seu país. Por exemplo, quando era ministra teve um papel destacado na investigação sobre o caso dos dois aviões que aterraram em Bissau em Julho de 2008, com uma carga de 500 quilos de cocaína. Os dois tripulantes da nave que transportava a droga, mexicanos com passaporte venezuelano, e três guineenses foram detidos. Depois de intensas pressões, o caso foi arquivado judicialmente por falta de provas, quando as autoridades mexicanas já haviam solicitado a extradição do piloto, Carmelo Vásquez Guerra, vinculado ao cartel de Sinaloa e implicado noutro caso anterior de transporte de cocaína no México. O juiz guineense decretou a liberdade de Vásquez Guerra alegando que havia expirado o prazo de detenção provisional. E o suspeito, naturalmente, esfumou-se. Nada se conseguiu averiguar sobre a rede de cúmplices que tivera na Guiné-Bissau, donde a presença de colombianos é mais que ostensiva.


"Sempre disse que não pode haver estrangeiros sem conexões locais", assinala a ex-ministra Carmelita Pires. As autoridades guineenses pediram o apoio da Interpol, da DEA (a agência anti-drogas estado-unidense) e do FBI. À vista do assunto delicado, não pode dizer-se que a petição de apoio lançada desde Bissau servisse de muito.


"Senti uma grande frustração quando os detidos foram postos em liberdade", recorda Pires. Esta mulher valente não tira a toalha: as suas suspeitas, como os seus temores, são hoje mais sérios que nunca, mas não sairá do país. "Estou aqui e daqui não saio. A minha segurança é muito precária. Aqui não sabemos quem é quem. E não sabemos o que pode acontecer. Nem qual é a força dos carteis".


Guiné-Bissau necessita com extrema urgência de uma reforma profunda das Forças Armadas como primeiro passo para lograr uma mínima governabilidade. O consenso neste ponto é unânime nas Nações Unidas e também entre os vizinhos daquele pequeno e tumultuoso país da África ocidental, onde três chefes do Estado-maior foram assassinados sem que a justiça conseguisse esclarecer nenhum desses crimes.


Informações recolhidas em Bissau indicam que o sofisticado artefacto activado por controlo remoto utilizado no atentado contra Tagmé não faz parte dos arsenais dos militares guineenses. Fabricada na Tailândia, a bomba só está ao alcance de uma organização com certo poder: um cartel da droga, por exemplo. Antes da sua morte, o general Tagmé descobriu 200 quilos de cocaína ocultos num hangar do Estado-maior, segundo revela um oficial guineense sob anonimato. Nesse momento, o general ordenou imediatamente abrir uma investigação, que até agora não deu nenhum resultado.


Esquecida entre as 10 nações mais pobres do planeta, com um milhão e meio de habitantes, a Guiné-Bissau é um Estado débil e incapaz, que não pode exercer a sua autoridade nem defender as dezenas de ilhas que formam o arquipélago de Bijagós, por onde entra impunemente a cocaína transportada por via marítima desde o continente americano. Dali, a droga segue seu curso até à Europa por terra, mar ou ar, segundo os casos.


A morte do presidente e do chefe do Exército da Guiné-Bissau também fez soar o alarme entre os países vizinhos da costa ocidental africana. O Senegal propôs uma conferência internacional sobre a situação guineense; o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, disse que a Guiné-Bissau se encontra ante sua última oportunidade para sobreviver como Estado viável; e escutam-se de novo vozes que o descrevem como o primeiro narcoestado de África. Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal – a antiga metrópole sublinha que as Forças Armadas da Guiné-Bissau devem encontrar uma via de reforma e de estabilidade, que permita pôr fim a dez anos de "sobressaltos".


O país não conseguiu recuperar-se das feridas da última guerra civil de 1998, e a situação económica está pior que antes da explosão daquela contenda. Reconhece-o o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, Apolinário Mendes Carvalho, no término de uma reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) para tratar a crise guineense. O problema das Forças Armadas é endémico. Para começar, ninguém sabe afirmar a cifra dos membros da milícia: oficialmente, são 4.000 homens, mas algumas fontes falam de 10.000. "Haveria que lançar a metade como mínimo", assevera o embaixador. Mas sem dinheiro para pagar júbilos, um corte drástico nas filas castrenses seria pior remédio que a enfermidade. Aonde iriam parar os ex-militares treinados no uso de armas? "A fragilidade do Estado abriu a porta ao narcotráfico", reconhece o embaixador Mendes Carvalho.


Sem ajuda internacional não é possível pensar numa reforma militar nesse país. Mas esta não chega. Guiné-Bissau tem recebido ajuda para a celebração de eleições – as últimas custaram quatro milhões de euros –, mas não para três grandes prioridades do país: reforma das Forças Armadas e do aparelho de segurança, redução da pobreza e combate ao narcotráfico. "Muitos prometeram, mas apenas chegou nada. A cooperação espanhola foi uma honrosa excepção", assinalou o embaixador.


E a breve prazo deveriam celebrar-se novas eleições para a presidência da Guiné-Bissau.»


EL PAÍS


Traduzido do espanhol




1 comentário:

Rui Martins disse...

Podem divulgar esta petição, de que Francisco Fadul é o primeiro subscritor?

PETIÇÃO EM PROL DA CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO NA GUINÉ-BISSAU
http://www.gopetition.com/online/26953.html

Obrigado.
Rui Martins
MIL: Movimento Internacional Lusófono
http://www.movimentolusofono.org