terça-feira, 31 de março de 2009

O Cavaleiro do Rei (14). Novela


A rua da Maianga, esburacada, suja e sempre enlameada, está cheia de mulheres que foram escorraçadas de outras ruas, pelos homens do vice-rei. Estão sentadas atrás das banheiras com frutas, hortaliças, pão com chouriço, chinelos, roupas, etc. As crianças brincam junto às mamãs, que não permitem que se afastem. Os homens do vice-rei podem surgir a qualquer momento e tirarem-lhes as coisas. As mamãs assustam-se devido ao galope de um cavalo. Param e ficam alerta. Uma voz aproxima-se.
- Rua limpa! Vai cavalgar o cavaleiro Epok!

As mamãs não se preocupam nem um cochito. O arauto insiste.
- São surdas? Ponham-se a andar, o cavaleiro Epok vai passar.
As mamãs permanecem-lhes infiéis, mas fiéis nas suas posições das confrarias da secular sobrevivência. Nenhuma se dispõe a arredar pé. Uma delas com olhar de peixe morto no chão, marimba-se:
- Não temos mais para onde ir. Precisamos de vender alguma coisa para comermos. Vocês têm o líquido negro, e nós nem ruas temos, não temos nada.
-Não ouvem o barulho?! O cavaleiro está a chegar!

Com efeito Epok aproxima-se. Manda fazer alto. Chama o arauto.
- Mas que porra de merda é esta?
- Sim chefe, não querem sair.
- Já vão ver como é!.. Ó suas teimosas, esta rua é para o rei e sua nobreza passarem! Vão vender para outro lado! Suas parvas, só sabem é andar com filhos às costas e banheiras nas cabeças.

Só o som do silêncio se ouviu. Uma mais ousada agita a mão, como se estivesse a enxotar mosquitos. Epok impacienta-se.
- Suas ratas dos esgotos, vou passá-las à espada! Mosqueteiros, prendam-nas e atirem-nas para as piranhas. Não… para as masmorras dos republicanos. Senão, esse das mãos sempre livres, vai queixar-se na rádio dos republicanos.

Uma jovem nhaneca-humbe, (são todas muito bonitas) quase despida, observa à distância. E contrapõe, canta, descarta em voz alta.

Já estou despida
Bem despedida estou
O rei me desnudou.

Epok não suporta tamanho atrevimento, deslealdade, antipatriotismo. Um insulto ao rei é imperdoável. Corre para ela e dá-lhe uma violenta chapada na cara. A jovem cai quase desmaiada. A chorar ameaça:
- Vou-te queixar no cavaleiro La Padep.
- Podes queixar-te onde quiseres. Ao marquês do Santo Oficio, à Rádio dos Republicanos, às Mãos Livres, à Despertar... guardas… masmorra com estas republicanas.

As desgraçadas não ficaram muito tempo presas. O paladino Divad, sempre com as mãos livres, assediou tanto e tanto o marquês do Santo Oficio, que para se ver livre dele, ordenou a exumação das masmorras. As mamãs saíram, os seus miseráveis haveres não. Foram confiscados em nome do rei.

Foto: Angola em fotos

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