domingo, 22 de março de 2009

Voltaire. O rei governa pela força, e o sacerdote, pelo medo


Voltaire! Nome que, se pronunciar na presença de um clérigo, você verá que fez uma declaração de guerra.

Os infiéis de determinada época se transformam nos santos da época seguinte. Os destruidores do velho são os criadores do novo. À medida que o tempo passa, o velho se vai e o novo, por sua vez, torna-se velho. Há no mundo intelectual, como no mundo físico, decadência e crescimento, e no túmulo dos que decaíram nasce a juventude e a alegria.

A história do progresso intelectual é escrita na vida dos infiéis; direitos políticos têm sido escritos por traidores, e liberdades de mentes, por hereges. Atacar um rei era traição; disputar com um sacerdote, uma blasfêmia. Por muitos séculos, a espada e a cruz foram aliadas. Juntas elas atacavam os direitos dos homens. Elas se defendiam entre si. O trono e o altar eram abutres irmãos gêmeos, vindos do mesmo ovo.

Jaime I disse: 'nenhum bispo, nenhum rei'. Ele deveria ter acrescentado: 'nenhuma cruz, nenhuma coroa'. O rei era o dono dos corpos dos homens. O sacerdote era dono da alma. Um vivia de taxas coletadas pela força; o outro, de esmolas coletadas pelo medo – ambos eram ladrões, ambos pedintes.

Esses ladrões e esses pedintes controlavam dois mundos: os reis faziam leis e os sacerdotes faziam crenças. Ambas atribuíam sua autoridade a Deus. Ambos eram representantes do Eterno.

Com as costas recurvadas, o povo carregava as obrigações de um, e com as bocas abertas de espanto, recebia os dogmas do outro. Se o povo tentasse ser livre, seria esmagado pelo rei, e todo sacerdote era um Herodes que esmagava as crianças pensantes.

O rei governava pela força, e o sacerdote, pelo medo, e ambos dependiam um do outro.

O rei dizia ao povo: "Deus vos fez servos, e me fez rei; ele vos fez para o trabalho, e me fez para a alegria; ele vos deu trapos e ferramentas e me deu palácios e roupas ricas; ele vos fez para obedecer e me fez para comandar. Esta é a justiça de Deus".
E o sacerdote dizia: "Deus vos fez ignorantes e vis; ele me fez sábio e santo; vós sois as ovelhas; e eu, o pastor; vossas peles pertencem a mim; se não me obedeceis aqui, Deus vos punirá e vos atormentará para sempre num outro mundo. Esta é a misericórdia de Deus".

"Não deveis usar a razão. A razão é uma rebelde. Não deveis contrariar – a contradição é nascida do egoísmo. Deveis acreditar. Aquele que tiver ouvidos para ouvir, que ouça". O céu era só uma questão de audição.

Felizmente para nós têm havido traidores e hereges, blasfemadores, investigadores, pensadores, amantes da liberdade, homens de gênio, que deram suas vidas para melhorar as condições dos seus semelhantes.

Isto pode ser suficiente para nos fazer perguntar: o que é a grandeza?

Um grande homem adiciona a o nosso conhecimento, amplia os horizontes do conhecimento, liberta as almas das bastilhas do medo, cruza mares desconhecidos e misteriosos, desbrava novas ilhas e novos continentes para o domínio do conhecimento, novas constelações do firmamento para nossas mentes. Um grande homem não busca aplauso e colocação. Ele busca a verdade. Ele busca a estrada para a felicidade, e o que ele obtém ele compartilha com os demais.

Um grande homem joga pérolas aos porcos, e os porcos são frequentemente transformados em homens. Se os grandes mantivessem para si as pérolas, grandes multidões seriam bárbaras hoje.

Um grande homem é uma tocha na escuridão, um farol. Na noite da superstição, é uma inspiração e uma profecia.

Grandeza não é uma dádiva para a maioria; ela não pode ser de qualquer um; não pode ser dada de um para outro homem; eles podem se dar poder e colocação, mas não grandeza.

A posição não faz o homem, assim como o cetro não faz o rei. A grandeza vem de dentro.

Os grandes homens são os heróis que libertaram os corpos dos homens; eles são os filósofos e pensadores que deram liberdade para os espíritos dos homens; eles são os poetas que mudaram os povos e encheram as vidas de milhões com canção e amor. São os artistas que cobriram os muros nus da vida com triunfo e gênio.

Eles são os heróis que mataram os monstros da ignorância e do medo; eles desmoralizaram os gorgons e derrubaram os deuses cruéis de seus tronos. Eles são os inventores, os descobridores, os mecânicos, os reis da utilidade, que têm civilizado este mundo. E encabeçando este exército heróico, o maior de todos, está Voltaire, cuja memória honraremos nesta noite.

Voltaire! Um nome que excita a admiração dos homens, a malícia dos sacerdotes. Nome que, se pronunciar na presença de um clérigo, você verá que fez uma declaração de guerra. Pronuncie este nome, e na face dele a máscara da mansidão cairá, e da boca do perdão se derramará uma Niágara de impropérios e calúnias. E no entanto, Voltaire foi o grande homem do seu século, e o que mais fez pela liberdade do que qualquer outro dos filhos dos homens.

http://www.mphp.org/racionalismo/voltaire---robert-g.-ingersoll.html

Foto: http://tortura.wordpress.com/category/tortura-medieval/


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