segunda-feira, 23 de março de 2009

Os Papas. O Banco Ambrosiano


Paul Marcinkus

Morreu aos 84 anos, quarta-feira da semana passada, o Arcebispo americano Paul Marcinkus, conhecido como "O banqueiro de Deus". Administrou o Instituto das Obras Religiosas do Vaticano e o seu nome (a par do cardeal Jean Villot, Secretário de Estado do Vaticano e do cardeal norte-americano John Cody, na época chefe da arquidiocese de Chicago) estará, para sempre, associado à falência do Banco Ambrosiano e ao escândalo financeiro relacionado com a Loja Maçónica P2.

Nomeado director do Instituto das Obras Religiosas (IOR) por Paulo VI, em 1971, Marcinkus contrariou a ideia de que a convivência dos governantes da Igreja com o dinheiro era um assunto embaraçoso e que raramente resultava em proveitos. De facto, ao assumir o IOR (o Banco do Vaticano) aos 47 anos, iniciou uma fulgurante carreira no mundo financeiro, começando justamente por sanear as contas da Igreja que, desde o Concílio Vaticano II se encontravam no vermelho. Dedicou-se a essa gigantesca tarefa de corpo e alma, utilizando estratégias e envolvendo-se em operações dignas de um "tubarão das finanças", o que lhe valeu o respeito internacional do poder económico. Entre as mais corajosas medidas que tomou, encontra-se a diversificação dos destinos de investimento do Vaticano, que repartiu pelos Estados Unidos, Canadá, Suíça e Alemanha e aos quais trouxe uma linguagem inteiramente nova: a do risco.

Graças às impressionantes somas que movimentava, tornou-se presença comum nos ambientes financeiros e chegava mesmo a mostrar paixão por alguns dos hábitos mais típicos de um moderno banqueiro: não dispensava bons charutos e praticava ténis e golfe com regularidade e companhias de topo. Na Cúria, muitos torciam o nariz a este estilo de vida mundano, pouco condizente com o ambiente do Vaticano e a doutrina da Igreja. Marcinkus sempre passou ao lado destes pormenores, bem como ao lado das muitas dúvidas e suspeitas sempre lançadas sobre as operações que desencadeava; a sua astúcia e o formidável desempenho financeiro eram excelente tónico para tais desvios.

Precisamente quando o arcebispo se encontrava nos píncaros da sua carreira, o êxito se colava à sua imagem e o Papa o nomeava organizador das suas viagens e secretário do Conselho Pontifício, o Banco de Itália e a Magistratura de Roma começavam a investigar as suas operações financeiras. Foi Michele Sindona, presidente da Banca Privada e considerado próximo da Mafia italo-americana, quem colocou as autoridades na sua pista, ao acusar o arcebispo Marcinkus e Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano e membro da Loja Maçónica P2, de se haverem envolvido em operações consideradas suspeitas e de ligações a Luciano Gelli, outro financeiro com ligações à Mafia. Segundo Sindona, havia sido ele próprio quem apresentara Marcinkus a Calvi. Os dois fundaram, em Nassau, o Cisalpine Overseas Bank e através dessa sociedade e de outras sobrepostas, Calvi e O Banqueiro de Deus operaram conjuntamente, destinando dinheiro a operações ocultas, pagando subornos, movimentando dinheiro sujo procedente da evasão fiscal e lavando dinheiro da Mafia e de outras organizações criminosas.

O escândalo, porém, estava apenas no início. Em 1981, o Banco de Itália denunciou a existência de um buraco de 1400 milhões de dólares nas contas das filiais estrangeiras do Banco Ambrosiano. O Banco do Vaticano era um dos 13 accionistas do Banco Ambrosiano e controlava 20% do seu capital, o que significava que, no mínimo, havia sido negligente e, muito provavelmente, havia feito vista grossa a algumas operações obscuras concretizadas. "O Banco Ambrosiano não é meu. Só estou ao serviço de outrém. Não tenho poder para decidir." declarou Calvi aos juizes de Milão a partir da cadeia de Lodi. Mesmo assim, foi condenado a 4 anos de prisão, donde depressa saiu em liberdade condicional.

Já livre, retomou a gestão do banco Ambrosiano, ainda que por pouco tempo. Em 27 de Abril de 1982 o padrinho da Mafia Danilo Abbruciati assassinou o vice-presidente do Banco, Roberto Rosomo e, a partir daí, tudo se precipitou. O Banco de Itália suspendeu a cotação em bolsa dos títulos do Banco Ambrosiano e a instituição foi declarada em bancarrota. Roberto Calvi havia fugido algum tempo antes e sua secretária suicidara-se. O corpo de Roberto Calvi foi encontrado, em 18 de Junho de 1982 debaixo de uma ponte, em Londres, com tijolos nos bolsos, um sinal entretanto ligado a uma execução da Mafia. O Vaticano viu-se, então, inundado por credores que solicitavam que, como accionista do Banco Ambrosiano, a Santa Sé respondesse pela falência e assumisse das dúvidas. A justiça italiana pediu permissão às autoridades do Vaticano para poder processar Marcinkus, mas a Santa Sé negou-o, assegurando que o Vaticano nada tinha a ver com a falência.

Pelo meio, fica, ainda, o episódio da intrigante morte de João Paulo I (antes cardeal Albino Luciani). Segundo David Yallop, um escritor que alimenta a teoria de assassinato do Papa no livro "Em Nome de Deus" de 1984 (e que li em 92), João Paulo I teria descoberto os segredos por detrás do banqueiro do Vaticano e iria anunciar a remoção e fim de protecção diplomática de Marcinkus, Cody, Villot e alguns outros assessores, em 29 de Setembro de 1978. O Papa morreu durante a noite de 28 de Setembro: encontrado pela freira Vincenza, ao seu serviço há 18 anos, o corpo do Sumo Pontífice nunca foi autopsiado, uma vez que as Leis do Vaticano salvaguardam a inviolabilidade do corpo santo do Papa.

Os pertences pessoais de Albino Luciani foram removidos por Villot e, entre eles, as sandálias: Yallop defende a tese de que apresentavam manchas de vómito - um suposto sintoma de envenenamento. A tese vai ao ponto de apontar a digitalina como o veneno usado. A teoria de Yallop vai ainda mais longe e insinua que João Paulo II teria sido conivente com todas as operações financeiras e irregularidades que o seu antecessor detectara. Essa conivência teria como contrapeso o financiamento secreto do sindicato polaco "Solidariedade" de Lech Walesa. Refutadas por John Cornwell, um escritor também britânico que muitos acusam de estar ligado à Cúria Romana, no livro "Um Ladrão na Noite", as teorias de Yallop desceram com o tempo no seu crédito e são hoje vistas como pura ficção, como um registo de teoria conspirativa na linha dos best-sellers de Dan Brown.

Mesmo contra a opinião de Marcinkus e da maioria da Cúria Romana, o então Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Agostio Casaroli, decidiu pagar 406 milhões de dólares aos bancos credores do Ambrosiano, a título de "contribuição voluntária", por considerar que a Santa Sé tinha, perante eles, uma responsabilidade moral. Ao mesmo tempo, Marcinkus era afastado do Banco do Vaticano e retirava-se para uma pequena paróquia no estado americano do Illinois. Foi ali que faleceu na noite de 23 de Fevereiro, levando consigo alguns dos maiores segredos do nosso tempo.

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