A preparação da lista de candidatos do MPLA,
às eleições de 31 de Agosto próximo, a partir do Dubai, revela o grau de
dificuldades enfrentadas pela liderança política do partido no poder, para
acomodar os interesses de vários grupos internos. Incumbido pelo presidente do
MPLA, José Eduardo dos Santos, o secretário do Bureau Político do partido para
os assuntos políticos e eleitorais, João Martins, preferiu realizar a árdua
tarefa de compor a lista a partir do Dubai, para não ser incomodado com
indesejáveis jogos de influência e telefonemas de última hora.
Os cargos públicos são hoje prezados, na
sociedade, como fontes de riqueza e não como veículos de serviço público. As
lutas para o acesso a posições de poder e maiores privilégios, por via do MPLA,
tornaram-se na principal motivação política de dirigentes e aspirantes. A
meritocracia continua a ser um conceito ainda pouco conhecido da “grande
família”.
Embora se lhe reconheça inteligência e
perspicácia política bastante para elaborar uma lista equilibrada, Jú Martins,
como também é conhecido o dirigente do MPLA, nunca pôde agir com “plenos
poderes”. Dos Santos apenas concedeu tal privilégio, em tempos recentes, a
Carlos Feijó, o pai da “Constituição Atípica” que eliminou o direito dos
cidadãos escolherem o seu Presidente por voto directo. Dos Santos recompensou Carlos
Feijó com o cargo de ministro de Estado e chefe da Casa Civil da Presidência e
conferiu-lhe a missão de constituir a equipa governamental, na grande
remodelação de 2010.
O poder efectivo, sobre a ordem final da
lista, passou assim a ser da exclusiva responsabilidade do Presidente, que
incluiu a sua esposa Ana Paula dos Santos e a sua filha Tchizé dos Santos, em
atitude clara de autoritarismo e nepotismo. Ambas não têm actividade partidária
que justifique a sua inclusão, pela segunda vez, na lista do MPLA.
Mas o Presidente não é o único a incluir
familiares seus na lista. Do seu círculo mais restrito, o caso paradigmático é
o de Aldemiro Vaz da Conceição, seu antigo porta-voz e actual director do
Gabinete de Acção Psicológica da Casa Militar da Presidência. O seu irmão,
Gustavo da Conceição, tem um lugar privilegiado na lista, em 11º, superando
muitos históricos do MPLA com superior preparação política. Humilhação maior é
a sentida por Paulo Kassoma, actual presidente da Assembleia Nacional, colocado
na 41ª posição. Estrategicamente a filha de Dos Santos, Tchizé, encontra-se na
97ª posição do círculo nacional, o que prenuncia, à partida, mais uma vitória
esmagadora do MPLA. Nas legislativas passadas, o MPLA obteve 81,64 porcento dos
votos, uma vitória apenas comparável à de países com regimes despóticos e
fraudulentos, como os do Turcomenistão (onde o presidente foi eleito em
Fevereiro último com 97,14 porcento dos votos), Azerbaijão, Bielorrússia,
Tadjiquistão e Kazaquistão. O Presidente Dos Santos estudou no Azerbaijão, na
Universidade de Baku, mas mesmo nesses países de referência, as eleições
presidenciais são directas e os ditadores auto-legitimam-se por via da
manipulação do voto directo do povo que governam. Em 2008, o Presidente do
Azerbaijão, Ilham Aliyev foi reeleito com 87 porcento dos votos. Não teve medo
de enfrentar o julgamento directo do seu povo, como Dos Santos. Simplesmente
manipulou-o.
Dos 220 deputados, no total, são eleitos 130
para o círculo nacional, enquanto para os 18 círculos provinciais, os eleitores
escolhem 90 deputados. Nas eleições passadas, os partidos da oposição apenas
tiveram “direito”, no todo, a seis dos 90 deputados elegíveis pelos círculos
provinciais.
Por um lado assume-se, como natural, a
prevalência e o reforço do poder monárquico da família presidencial. Por outro,
nota-se como o Presidente distribui, de forma patrimonialista, cargos a
familiares de colaboradores próximos e outros indivíduos de sua conveniência,
apenas para os comprometer, e aos seus círculos de influência, com a forma
corrupta e repressiva com que gere o país.
Por exemplo, elevou Gustavo Vaz da Conceição,
irmão do seu fiel escudeiro Aldemiro, e colocou entre os suplentes pelo círculo
nacional, no 27ª lugar, a filha do vice-presidente do MPLA, Roberto de Almeida,
Djamila Huguette, uma antiga bailarina de créditos firmados. Dos Santos e
Roberto de Almeida nutrem pouca simpatia um pelo outro, mas o Presidente
precisa da legitimidade histórica do primeiro para melhor controlar o aparelho
partidário.
Nos dois casos, o percurso dos familiares é
desastroso para merecerem tal promoção.
A ascensão de Gustavo Costa deve-se à sua
actividade como atleta, enquanto antiga estrela do basquetebol, e como
dirigente da Federação Angolana de Basquetebol (FAB). No entanto, na Assembleia
Nacional, não apresentou qualquer iniciativa de criação de uma lei para o
desporto e não se lhe conhece qualquer intervenção parlamentar verdadeiramente
válida em termos de conteúdo. É apenas conhecido pela sua persistência em
afinar o português mutilando o presente do conjuntivo do verbo ser, “seja”, com
o seu constante “seje”. É “seje” p’raqui, “seje” p’rali e “seje” p’racolá!
O seu sofrível desempenho nas plenárias em
nada justificaria a sua exclusão da lista que vai a pleito a 31 de Agosto
próximo. Afinal, no MPLA, até condenados proibidos de concorrer
constitucionalmente, como Bento Kangamba, têm o poder de o fazer por ordem
superior do chefe máximo. Muito boa gente se encontra ao nível do desempenho de
Gustavo Conceição e muitos mais abaixo dele. Apesar de Angola ter a melhor
escola de basquetebol de África, a gestão de Gustavo da Conceição, como
secretário-geral da FAB, tem sido desastrosa para o desporto que tantos títulos
continentais ofereceu ao país. Em 2011, a selecção feminina chegou a ficar sem
água nos treinos para o “Afrobasket”, que acabou vencendo fortuitamente. Em
duas ocasiões, originou greves de árbitros, no campeonato nacional de
basquetebol, por incumprimento da FAB no pagamento de salários. No entanto,
mensalmente, e de forma escrupulosa, o Banco Angolano de Investimentos (BAI),
tem depositado os valores correspondentes na conta da federação. Como
consequência, a prova teve duas paragens e a solução encontrada foi a de
encurtar o campeonato. Sem a necessária rodagem competitiva, os atletas da
selecção nacional chegaram ao Pré-Olímpico de Caracas (Venezuela) e falharam na
qualificação para os jogos olímpicos de Londres, que iniciam este mês. Também
há o caso de uma selecção de juniores que, em 2010, teve de ir competir numa
prova africana, mas não havia dinheiro disponível para o efeito. A equipa
nacional acabou viajando, entretanto, porque o técnico Carlos Dinis recorreu a
um familiar a quem pediu emprestado quase US$ 100 mil a fim de cobrir as
despesas de deslocação e estadia no cenário da competição. Na assembleia-geral
seguinte, sob os auspícios de Gustavo Conceição, esse item apareceu com o valor
de US $ 300 mil.
Quanto a Djamila Huguette de Almeida, é-lhe
conhecida uma primeira promoção profissional de relevo pelo Presidente José
Eduardo dos Santos. A 26 de Maio de 2010, este a nomeou como administradora da
Central de Compras (CENCO) com um mandato de três anos. A CENCO é uma empresa
pública cujo objectivo social é a centralização do “sistema de distribuição de
bens essenciais à população”. Passado um ano, a 16 de Agosto de 2011, o
Presidente José Eduardo dos Santos exonerou o conselho de administração,
composto por três elementos, incluindo Djamila Huguette de Almeida. No seu
lugar, criou uma das suas famosas comissões de gestão por julgar incompetente,
conflituosa e dada a dispêndios inúteis, a administração que havia nomeado. No
entanto, manteve a filha de Roberto de Almeida como vogal da Comissão de
Gestão, no seu estilo habitual de dispor das pessoas como bem entende.
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