Por António Capalandanda e Rafael Marques de Morais
Nos últimos meses, a violência política entre
militantes do MPLA e da UNITA tem aumentado, de forma preocupante, nas
províncias do Huambo e Benguela, duas praças eleitorais de extremo simbolismo
político para as duas maiores forças políticas nacionais.
A pouca cobertura mediática e a falta de diálogo,
ao nível da sociedade, sobre a crescente tensão, prenuncia um clima de maior
desconfiança entre os cidadãos e de medo face às eleições de 31 de Agosto e o
que se lhes seguirá.
Maka Angola traz a
lume alguns dos mais recentes incidentes por forma a que a sociedade possa
estar melhor informada sobre os focos de tensão existentes e como tanto os
militantes do MPLA como da UNITA, em particular as suas lideranças, têm
responsabilidades acrescidas no fomento da estabilidade política e na
manutenção da paz.
A província do Huambo registou três incidentes
graves em dois dias. A 16 de Julho, um grupo de militantes do MPLA atacou, com
catanas, paus e pedras, uma caravana de militantes da UNITA, no sector do
Ndumbo, comuna do Lépi, no município do Longonjo. Durante a emboscada na via,
segundo o secretário para a informação do comité provincial da UNITA no Huambo,
Emanuel Malaquias, os militantes do MPLA queimaram duas motorizadas das 10 que
faziam parte da caravana, feriram três elementos da UNITA, enquanto um quarto
se encontra desaparecido. Os militantes da UNITA, por sua vez, recorrendo ao
mesmo tipo de armas brancas, feriram quatro activistas do MPLA. A UNITA
pretendia reinstalar o seu comité na referida localidade e, apesar de ter
conseguido hastear a sua bandeira, esta foi queimada no dia seguinte.
Dois dias antes, a 14 de Julho, por volta das
16h00, cerca de 50 militantes do MPLA, munidos de catanas, pedras, paus e
outros objectos contundentes, atacaram uma comitiva da UNITA à entrada da
comuna do Mbave, no município da Tchicala-Tcholoanga, que aí pretendia
reinstalar o seu comité comunal. Segundo vários testemunhas oculares, o
administrador comunal do Mbave, Abel Chico, dirigiu pessoalmente os atacantes,
enquanto Lucas Junjuvili, secretário municipal da UNITA, liderava os seus
militantes.
Dos confrontos resultaram ferimentos em sete
indivíduos afectos à UNITA, incluindo o secretário para a organização do comité
municipal, Cambumbanje, atingido na cabeça com uma catanada. Os defensores do
partido no poder incendiaram três motorizadas que faziam parte da caravana,
composta por cinco viaturas e várias motorizadas. Do lado do MPLA registaram-se
oito feridos.
O secretário para a informação da UNITA no Huambo,
Emanuel Malaquias, referiu que militantes da sua organização verificaram a
morte de dois militantes do MPLA no local, como resultado de ferimentos graves,
e tomaram conhecimento sobre a alegada morte de um terceiro, no dia seguinte,
no hospital central do Huambo. Fontes do MPLA e autoridades locais escusaram-se
a falar sobre o assunto, que passou a ser tratado com secretismo.
A batalha campal durou quatro horas, tendo
terminado perto das 20h00, com a intervenção pessoal do comandante municipal da
Polícia Nacional e da administradora da Tchicala-Tcholoanga, Luísa Ngueve.
Estes “aconselharam a UNITA a retirar-se do local e a não realizar o evento”,
referiu Emanuel Malaquias.
A 11 de Julho, a UNITA procedeu à entrega de
documentos, referentes à actividade que pretendia realizar, directamente à
administradora municipal da Tchicala-Tcholoanga, ao comando local da Polícia
Nacional e à delegação dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado
(SINSE).
De forma estranha, a liderança provincial do MPLA,
bem como as autoridades locais, continuam a manter silêncio sobre o assunto, em
particular, sobre as alegadas três mortes ocorridas como resultado da contenda
entre apoiantes dos dois principais partidos. Maka Angola prossegue com
as investigações para apuramento da identidade de todas as vítimas.
Na localidade de Vila Franca, comuna do Alto-Hama,
no município do Londuimbali, militantes do MPLA e da UNITA protagonizaram
também confrontos a 14 de Julho sem, no entanto, se terem registado feridos
graves ou a destruição de propriedades.
Em Benguela
Confrontos entre militantes da UNITA e do MPLA, na
comuna da Capupa, no município do Cubal, resultaram em duas mortes e um número
total de feridos ainda por determinar. Até ao momento, as entidades oficiais
mantêm silêncio sobre o incidente de 12 de Julho passado.
Segundo testemunhas locais, os confrontos tiveram início
quando militantes do MPLA tentaram impedir a realização de um comício da UNITA.
Efectivos da Polícia Nacional, na Capupa, não
confirmaram a ocorrência de mortes, mas testemunhas oculares revelaram, ao Maka
Angola, o ferimento grave de dois militantes do MPLA, durante a luta, tendo
estes sucumbido mais tarde.
Segundo depoimentos ao Maka Angola de um dos
militantes envolvidos nos confrontos, Armando Nunda, o seu grupo manteve “sob
custódia”, durante uma hora, um agente policial que se encontrava entre os
activistas do MPLA que lançou o primeiro ataque contra os adversários
políticos, com catanas, paus, garrafas e pedras.
“Quando nós vimos o grupo [do MPLA] a atacar-nos, e
o homem da polícia entre eles, pegamo-lo para amanhã não nos chamarem de
mentirosos”, disse Armando Nunda. O político da UNITA sublinhou que “ele [o
agente da polícia] não foi batido. Apenas serviu de prova do seu envolvimento
no acto”. Com a chegada de reforços policiais da sede do Cubal, os dirigentes
da UNITA entregaram o agente aos seus superiores.
Antes dos incidentes, segundo depoimentos prestados
sob anonimato por alguns dos agressores, os militantes do MPLA alegadamente
receberam orientações directas do administrador comunal da Capupa, Estevão
Tchipeio, que reactivou a antiga defesa civil para impedir a acção política de
membros da oposição.
Fontes locais afirmaram que, durante um encontro,
com militantes do MPLA, o administrador Estevão Tchipeio prometeu “usar saias”
caso a UNITA seja bem sucedida em implantar-se na Capupa.
A 13 de Julho, o governador de Benguela, general
Armando da Cruz Neto, convocou o secretário provincial da UNITA, Alberto
Ngalanela, para discutir os incidentes. Após a reunião, o governador
deslocou-se à Capupa para acompanhar de perto a situação, tendo enviado, como
medida preventiva, uma companhia das Forças Armadas Angolanas e helicópteros,
para além de uma presença considerável de efectivos e meios da Polícia
Nacional, incluindo a Polícia de Intervenção Rápida (PIR).
Segundo Márcia Lucanda, ministra sombra para a
Probidade Administrativa e Combate contra a Corrupção, no local, acompanhado
por uma equipa de jornalistas, “o governador acusou a UNITA de ter invadido as
lavras dos aldeães locais para roubar tomate, cebola e couves, quando na
realidade, só havia uma horta do outro lado do rio Cuporolo. Há uma estiagem em
Benguela e praticamente, nessa região, as lavras estão completamente secas. O
nosso pessoal tinha alimentação e inclusive abatemos duas cabeças de gado no
Cubal e levámos a nossa carne”, disse.
Segundo a dirigente da UNITA, após a visita, “o
governador disse-nos que tinha deixado orientações expressas para haver uma
separação estanque entre os militantes do MPLA e da UNITA. Não foi lá educar a
população para aceitar a tolerância”.
Como medida de contenção, a PIR criou um cordão de
segurança para manter os militantes do MPLA na vila, enquanto os militantes da
UNITA tinham de permanecer fora dela, sob protecção de agentes da Polícia
Nacional para a ordem pública.
Apesar do clima de tensão, o comício realizou-se
Sábado passado, presidido por Márcia Lucanda.
Durante o evento, activistas do MPLA tentaram
invadir a zona reservada para o comício da UNITA, tendo sido impedidos, pelos
efectivos da PIR, de consumarem outro acto de violência. Os membros da UNITA
assistiram ao comício munidos com catanas, machados, paus e pedras, com o
argumento de que assim agiam “em legítima defesa”.
O secretário provincial da UNITA, Alberto
Ngalanela, aproveitou a ocasião para denunciar a crescente onda de intolerância
política no país. “A UNITA vai bater-se por uma democracia inclusiva. As
mortes, em tempo de paz, não se justificam”, disse o político.
Entretanto, fonte policial na Capupa revelou a
abertura de uma investigação sobre os incidentes e a consequente responsabilização
criminal dos seus autores.
A 9 de Abril passado, na mesma localidade, oito
indivíduos devidamente identificados como sendo membros da extinta Organização
de Defesa Civil (ODC) invadiram a residência de um político da UNITA, Manuel
Lourenço, espancaram a sua esposa e o raptaram. Passados dois dias, Manuel
Lourenço foi encontrado por populares já moribundo e com visíveis sinais de
tortura violenta por todo o corpo, abandonado na via, a oito kilómetros da sua
aldeia, Caipumba. Por coincidência, a Polícia Nacional surgiu no local pouco
tempo depois e o transportou para o hospital, mas faleceu durante a viagem. A
Polícia Nacional deteve quatro dos raptores, mas não há informação de que o
caso tenha prosseguido por via judicial. Na ocasião a Polícia Nacional
justificou, publicamente, a morte como resultado de um desentendimento
familiar.
Intolerância em Kasseque
Para além de Capupa, a comuna de Kasseque, a cerca
de 70 kms do município da Ganda, também registou incidentes. A 20 de Junho, o
conflito deflagrou quando um grupo de mais de 100 indivíduos afectos ao MPLA
atacou uma caravana da UNITA, de 86 elementos, que se deslocava à referida
localidade para uma actividade política.
“Ao terem parado na aldeia de Kalongolo, a quatro
quilómetros de Kasseque, para mobilização da população, os membros locais do
MPLA apareceram e começaram a agredir com pedras, barras de ferro, paus e
pedras os seus adversários políticos”, disse, na altura, Alberto Ngalanela.
Tiago Eurico, membro da juventude da UNITA (JURA),
foi atingido com uma catana no braço esquerdo, tendo perdido dois dedos. O
secretário municipal da JURA, Martinho Vitãyi, sofreu sérias concussões na
cabeça e no peito, ao ter sido atacado à pedrada, e teve de ser evacuado para o
hospital.
Por sua vez, militantes da UNITA, feriram, de forma
fatal, um militante do MPLA que, segundo vários testemunhos, acabou por morrer
no local e ser imediatamente evacuado pelos seus companheiros. Informações não
confirmadas junto do MPLA dão conta do falecimento de um segundo militante no
hospital central de Benguela, onde deu entrada com ferimentos graves. Tanto em
Kasseque como em Benguela, as autoridades remeteram-se ao silêncio sobre as
vítimas.
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