Canal de Opinião. Por: Noé Nhantumbo
Beira
(Canalmoz) - A crise no Mali e noutros cantos de África mostra até que ponto
governos e seus aliados africanos bem como internacionais estão falhando na
abordagem dos problemas que enfermam muitos dos países deste continente.
A
febre independentista do passado teve seus resultados positivos embora
efémeros. Ganhou-se uma bandeira e um hino. Ganhou-se em autoestima. Mas o
panorama continental é sombrio para dizer a verdade. Os pequenos ganhos do
passado foram-se diluindo rapidamente.
Assalto
e domínio das potencialidades económicas nacionais tornou-se na essência a
preocupação primordial do que se chama governar.
Os
desenvolvimentos políticos e económicos que se esperavam foram “sol de pouca
dura”. A maioria dos países mergulhou em situação de despotismo apoiado por
ex-potências coloniais e outros políticos emergentes da guerra-fria que
fustigava o mundo.
Uma
espiral de violência com fundamentos misturados, entre fundamentalismos
político-religiosos, guerras que não tem outra explicação senão o acesso a
riquezas que minerais oferecem, grupos armados, milícias, exércitos
governamentais, forças mercenárias, com apoio externo determinado, movem
guerras abertas e outras latentes em vários países. A instabilidade é
generalizada e alguns países estão mergulhados em guerra e com crise de
deslocados e refugiados relegados à sua sorte.
Nos
fóruns internacionais, na União Africana e em tudo o que sejam debates
diplomáticos África aparece como problema. Mas um daqueles problemas em que as
soluções tardam a aparecer e em que os interlocutores não se mostram
interessados ou engajados em debates construtivos.
Alguma
da inconsequência que se verifica e que caracteriza o ambiente africano, deve
ser atribuída a carências ao nível da liderança nos diferentes países.
Interesses díspares, agendas dúbias, compadrios e alianças baseadas em
imposições estratégicas delineadas por outros, empurram o continente para
desastres sociais e políticos de envergadura variável.
Já
não se trata de colonialismo ou de guerras pela independência. O assunto é
basicamente como os governos de países independentes governam seus próprios
países. Uma agenda governamental desassociada do que muitas vezes interessa a
maioria dos cidadãos dos países coloca segmentos de um mesmo país em
contradição e em choques violentos.
Aqueles
conflitos pós-eleitorais que aconteceram no Quénia, no Zimbabwe, em Angola, na
Costa do Marfim tem uma génese e ela deve ser encontrada na intolerância com
motivação política. Muitos dos problemas que surgem no dia-a-dia na governação
em África são conhecidos mas escamoteados por políticos com objectivos firmes e
determinados em ver suas agendas vencendo.
Não
há como ignorar os constrangimentos políticos africanos. Se alguma vez houve
estratégia definida pelos governos visando desenvolver seus países isso terá
deixado de ser o centro das atenções pelos governantes de hoje.
Se
antes era admissível determinado tipo de falhas no desempenho dos governantes
alegando-se a novidade do assunto e a falta de experiência o mesmo pacote
justificativo não é aceite pelos governados.
Quando
oligarcas e déspotas criam os chamados fundos soberanos e colocam seus filhos
como gestores de tais fundos – como o fez José Eduardo dos Santos presidente de
Angola – estamos em face de esquemas lubrificados para defraudar fundos
públicos.
Quando
equipas governamentais se especializam no negócio das comissões e na constituição
de joint-ventures com entidades empresariais estrangeiras, explorando a fundo
todos os recursos que o “inside trading” proporciona, é toda uma sociedade que
fica inquinada com a promoção da impunidade que é indispensável para que esse
tipo de situação ocorra.
Os
países ficam esvaídos de seus recursos, estabelece-se uma cadeia de
endividamento insustentável e a economia torna-se cronicamente deficitária.
Enquanto
em alguns círculos aplaudem-se os megaprojectos e outras iniciativas
económico-financeiras a verdade é que a maioria dos africanos em pouco ou nada
se beneficia da avalanche de investimentos efectuados nos domínios dos
minerais, pesca industrial, exploração florestas e outros.
O
estranho de toda a situação em que se encontra mergulhado o continente africano
é que não surgem iniciativas políticas solidas para contrariar os
desenvolvimentos negativos que apoquentam a vida de milhões de pessoas.
Da
academia, da sociedade civil vozes se levantam clamando por um tratamento
diferentes dos dossiers espinhosos. Mas do campo político é frequente
verificar-se que a preocupação é a conquista e manutenção do poder em si. Há
uma cultura política fortemente enraizada de que o poder político, os cargos
governamentais são as formas mais rápidas e seguras de acumular riqueza e
ostentação. E a questão de ostentação em África é endémica.
Por
causa da cultura política prevalecente, em que os valores éticos e morais são
colocados em último lugar, em que as convivências entre a criminalidade
política, financeira e o crime organizado são tidos como perfeitamente normais,
os países sofrem, sangram e são dilacerados todos os dias.
Através
de uma alienação política e cultural alimentada por circuitos encobertos, do
apoio a sistemas políticos que favoreçam a extração e exportação de recursos
considerados estratégicos, temos vários países de África sofrendo de
derrapagens nos esforços para estabelecer e promover a democracia política e
económica.
Como
travar toda uma corrente de factos em cadeia explodindo no continente? Como
travar a onda de saque e esbanjamento de fundos do erário público? Como
estabelecer o primado da lei, do estado de direito, do respeito pelas leis?
Como encorajar uma geração jovem a pactuar por práticas sadias e em prol do
desenvolvimento de seu talento e possibilidades? Como romper as cadeias de
tráfico de influência que acabam sendo a base para as politicas decididas e
seguidas?
Não
são os manuais de ciência política que vão lidar com êxito com a situação. Não
são manuais de ética ou tratados de moral que vão travar a corrupção galopante
em África.
Quando
um ministro de Finanças de um país como o Zimbabwe afirma em público que os
cofres do estado estão reduzidos a cerca de trezentos dólares americanos isso
significa simplesmente que se está perante um estado falido. Guiné-Bissau é
outro estado falido que nem recursos possui para reabilitar os sistemas de
geração eletricidade e pagar pelos combustíveis consumidos. Somália é um estado
falido e falhado. O Sudão do Sul é um arranjo geoestratégico criado para
resolver ou facilitar a exploração de recursos petrolíferos e dessa forma
facilitar uma solução de boa vizinhança entre sudaneses desavindos a décadas.
Com a Primavera Árabe estalou o verniz em países que eram governados por
déspotas “acarinhados” pelas potências ocidentais.
África
subitamente se vê no centro das prioridades internacionais não tanto pela
situação política prevalecente mas por causa da soma e tipo de recursos
estratégicos existentes nos diferentes países. De outro modo as forças
francesas com apoio de Washington e Londres, esperando aprovação de forças
alemãs não estariam no deserto combatendo islamitas.
Grande
maioria dos países africanos não funcionaria com normalidade sem uma
assistência orçamental de outros países. Com raras excepções é difícil
encontrar um país africano que tenha suas finanças públicas equilibradas.
Botswana, Cabo Verde e Maurícias devem ser dos poucos nesse grupo.
Afinal
de que cancro padecem os países africanos? Qual é o problema de raiz?
Não
tenhamos receio de errar se dissermos que a raiz do mal reside no tipo de
governação implementada. A cultura de governação narcisista adoptada e
cultivada constituem a génese dos nossos problemas.
Quantos
são os exemplos de pura ostentação de governantes africanos quando seus
concidadãos nem medicamentos conseguem encontrar nos centros de saúde públicos?
Como entender por exemplo que em nome da defesa da cultura um rei como o da
Suazilândia se dê ao luxo de casar-se todos os anos e assim as despesas
estatais com um autêntico harém? Mansões, viaturas de luxo, viagens,
alimentação, saúde, tudo tem de ser aprovisionado à dimensão de uma esposa do
rei à custa dos cofres estatais num que se debate com um dos mais altos índices
de SIDA no mundo. Faltam recursos para socorrer e prestar cuidados básicos de
saúde a milhares de pessoas mas as mordomias reais não sofrem qualquer
alteração.
Para
que necessita um presidente da república de avião presidencial com capacidade
intercontinental quando tal pessoa mal viaja?
Alguma
coisa tem de ser corrigida na mente de quem governa em África.
Antes
da Primavera Árabe era comum verem-se passeatas a Sirte financiadas na sua
maioria pelo regime de Muamar Kadhafi. Supunha-se que discutiam com
profundidade os assuntos e problemas africanos mas na verdade tudo manda dizer
que discutiam como se protegerem e fazerem valer seus interesses privados.
Está
sendo difícil ver emergindo em África uma política interna e externa
consistente com os valores de repúblicas democráticas perseguindo objectivos de
desenvolvimento e progresso dos países e seus povos.
As
elites africanas estão ávidas de copiar o consumismo ocidental da alta-roda.
Querem ser elites mais pelo gozo de mordomias e de uma vida fácil do que servir
de lideranças válidas e apoiando seus povos a ultrapassarem dificuldades
históricas.
Reprimindo
vozes dissonantes e colocando grande parte da sua intelectualidade na diáspora
os governos africanos estão decepando as possibilidades de seus países saírem
do ciclo de pobreza e indigência em que se encontram.
As negociatas em se configuram muitas das
iniciativas associadas a exploração dos recursos naturais de África com o
beneplácito tácito das chancelarias ocidentais e orientais é um indicativo
esclarecedor de que África ainda não está livre nem democrática… (Noé
Nhantumbo)
Imagem: arnulfoperez.com
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