África ainda
tem oportunidade de acordar de sua longa hibernação…
Beira
(Canalmoz) - Estrategicamente, falar e difundir a ideia de “Fim da História”
tem as suas vantagens práticas e bem concretas. Uma das conclusões de muitos,
após a queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da União Soviética, terá
sido que a nível mundial e no campo das ideologias já não havia novidades a
anunciar ou previstas.
Há assuntos
que continuamente surgem a nível do campo das ideias que preocupam cidadãos em
todo o mundo. O grau de preocupação, obviamente difere e depende dos níveis de
formação, educação e informação dos cidadãos.
Quando se
comenta criticamente as políticas estabelecidas por determinados governos
africanos raramente se menciona que na verdade estes se limitam a seguir
recomendações e instruções de doadores e credores, ao invés de elaborarem algo
próprio e visando potenciar suas possibilidade de desenvolvimento social,
económico e político.
Os deficits
de produção de estratégias de governação viáveis e que viabilizem os países em
África não param de crescer.
O famoso
Fukuyama, pensador e cientista político americano de origem japonesa, defendeu
num dos seus ensaios que o mundo estava entrando numa fase de seu
desenvolvimento que se poderia denominar de “Fim da História” conforme os
conceitos convencionais. Finda a “guerra-fria” e com a adopção de modelos
neoliberais pela maioria dos países do mundo, deixaria de haver diferendos de
natureza ideológica que caracterizavam o mundo no passado.
Alegadamente
o mundo entraria numa era de paz universal ou pelo menos de entendimento
crescente entre os governos.
Francis
Fukuyama, seus mentores e colaboradores nos “think-tanks”, centros de
pensamento em que estava envolvido na altura, têm o mérito de ter produzido uma
ideia, defendido uma tese, escrito sobre um assunto importante para os EUA e o
mundo inteiro. Pensar e elaborar ideias, teorias com mais ou menos consistência
na área da Ciência Política, em si é um mérito de pessoas preocupadas com os
assuntos da governação. Quem não pensa condena-se a consumir os produtos dos
que pensam. Esse é o caso da maioria doa africanos. Pensar e investir em áreas
científica e tecnológicas é pouco relevante para a maioria dos governos em
África. É mais fácil investir em 260 carros de alta cilindrada, de luxo e de
marcas sonantes, se há esse número de deputados no parlamento nacional. Não se
investe na criação de híbridos vegetais que aumentariam a produção de alimentos
cronicamente descrita como deficitária. Não se investe na criação de institutos
de tecnologia que ensinem e disseminem conhecimentos vitais para áreas
fundamentais como engenharia civil, electrotecnia, electrónica, hidráulica, microbiologia,
genética e outros ramos da ciência e tecnologia.
O
recrutamento de recursos humanos altamente especializados para posições de
docentes de instituições nacionais não acontece por iniciativa própria. Fica-se
quase sempre a espera da bondade e boa vontade do doador.
A
conveniência de uma tese como a de Fukuyama é notável no quadro das pretensões
de hegemonia unipolar ensaiadas pela administração americana, especialmente
durante a governação de George Walker Bush coadjuvado por Dick Cheney. Nada melhor
do que ter o respaldo de cientistas políticos de nomeada, colegas de
proeminentes individualidades do establishment americano como Paul Wolfiwiez e
outros.
Um ensaio
profissionalmente elaborado, pensado e que reflecte um profundo conhecimento de
história política, produzido por um académico renomado e experiente serviu para
catapultar o próprio para posições cimeiras na área da assessoria política na
América. Mas é necessário que se diga que Fukuyama e outros académicos que com
frequência são agraciados por prémios por sua excelência e acutilância no
pensamento faz parte da tradição de um país em que tanto o governo como o
sector privado, universidades públicas e privadas entendem e valorizam a
investigação e pesquisa em todas áreas do saber humano.
Há bastante
tempo que os governantes do chamado primeiro mundo, dos países que evoluíram e
que agora fazem parte dos BRICS e dos G-20, compreenderam a importância de
investir pesadamente na formação de uma massa intelectual crítica, em áreas
onde possam obter vantagens comparativas rápidas e duradoiras. Não se trata
simplesmente da questão de se produzirem ideias interessantes e com elas
entrar-se para o campo da experimentação que dê validade a ideias, muitas vezes
consideradas sem importância ou mesmo disparatadas. O estágio e aperfeiçoamento
das pesquisas de base e avançadas assentam na capacidade de se traduzirem em
ganhos práticos e lucros aquilo que vem dos institutos de investigação e ensino
como o famoso MIT ou a Stanford University de Francis Fukuyama.
Convenhamos
que se efectivamente vivêssemos o “Fim da História” nada mais restaria para
fazer do que seguir viver conforme nos dissessem e instruíssem os que
dominassem na arena internacional. Os EUA, com base considerada científica e
legítima, politicamente conveniente, para proceder e moldar seus programas de
governação, não hesitaram como se viu, em decidirem unilateralmente, por
iniciarem guerras sob os mais incrédulos pretextos. As AMD ou WMD na versão
inglesa, armas de destruição maciça jamais encontradas, levaram as tropas
americanas a invadirem o Iraque. Os defensores da tese supracitada estavam
convencidos de que assim iniciavam um ciclo de hegemonia unipolar americano.
Se houve um
“divórcio” entre F. Fukuyama e os neoconservadores que se beneficiaram em
termos de lucro, das guerras instigadas e concretizadas com base em percepções
e teses construídas em centros de pensamento a que Fukuyama estava ligado, isso
não significa que sua participação naqueles exercícios não tenha sido funesta.
Ele contribuiu embora fosse de forma temporária, para que a pretensão
hegemónica de uma franja política dos EUA visse sua agenda concretizada.
Falamos
deste homem estudioso chamado Francis Fukuyama porque seu pensamento também
serviu para anestesiar governantes e governados em África. Infelizmente, onde
não se verificam cidadãos organizados e estruturados em centros de pensamento
ou outras iniciativas similares, dificilmente se produzem ideias ou se comparam
criticamente posicionamentos teóricos ou filosóficos.
E o pior é
quendo alguns cidadãos tentam e conseguem construir plataformas destinadas a
promover o estudo, pesquisa e investigação seria dos problemas nacionais os
mesmos não são escutados, aceites ou recebem reconhecimento pelo seu esforço de
elaboração de explicações comprovadamente úteis ao desenvolvimento. Há receios
desmedidos pelos detentores do poder, a qualquer sugestão de que há razões mais
do que suficientes para que se continue a lutar pelo desenvolvimento concreto
dos cidadãos e dos países. Por mais resumida e bela que seja a proclamação
antes que os factos a comprovem, desistir é alinhar em considerações
subjectivas.
A ofensiva
consumista africana pode também ser olhada ou analisada sob esse ponto de
vista. Importa ter todo um pacote ideológico, com sustentabilidade científica,
filosófica, promovido pelos grandes da comunicação social internacional, com
sua génese em prestigiados institutos e universidades, para que uma agenda seja
aceite e digerida sem dificuldades pelos destinatários.
Todo o
figurino da dominação mundial encetada por sucessivas administrações americanas
tem sustentáculos ideológicos, políticos e tecnológicos provenientes de uma
base definida e circunscrita de pessoas que transitam da academia para as
corporações e para o governo bem como você-versa nos EUA.
O binómio
“Fim da História-Hegemonia Unipolar” foi tentado e perseguido tenazmente pela
administração Bush e jamais foi relegada para terceiro plano pela administração
Obama.
Claro e
felizmente para o mundo, esses ensaios políticos tiveram oposição firme de
outros players internacionais, nomeadamente a Rússia e a China. Se para a União
Europeia, ao abrigo do Tratado do Atlântico Norte, NATO, era conveniente que os
EUA continuassem a pagar a “parte de leão” da sua estratégia militar e
defensiva, para os países emergentes e outros com aspirações a potências essa
tendência transformada em política, tinha inconvenientes e era inaceitável. Mas
como sabemos, África praticamente não reagiu e como habitualmente continua a
ser comandada, dirigida e condicionada pelos poderosos.
Rússia e
China têm uma tradição de investimentos em pesquisa e investigação. Se antes
era algo dirigido especialmente para a área militar e com vista a protegerem-se
a projectarem sinais de competência e poderio, os assuntos políticos,
conceptuais e económicos jamais foram esquecidos. Fundamentar e criar uma
sólida cultura nacional capaz de impor seu modelo no mundo pressupõe ter alguma
coisa a dizer ao mundo e meios de fazer chegar essa mensagem.
O fim da
guerra-fria não significou o esfriamento das ambições bélicas e tecnológicas de
países emergentes como a Índia e o Paquistão. Brasil, Argentina, Coreia do Sul,
Irão e outros. O restrito clube dos países possuidores de armas nucleares não
conseguiu trava a proliferação de tais armas ou conhecimentos.
Mesmo um
Conselho de Segurança desfasado da actual realidade política mundial, com o seu
poder de veto, não conseguiu travar que a Coreia do Norte desenvolvesse e
disseminasse tecnologia nuclear. Japão, Alemanha, Brasil, Argentina já poderiam
estar providos de armas nucleares se não fossem outro tipo de considerações
relacionadas a regras ditadas pelos vencedores da II Guerra Mundial.
Com a luta
pela supremacia plenamente em aberto e com projecções apontando para a China
alcançar e ultrapassar os EUA como principal potência económica mundial, isso
preocupa sobremaneira qualquer administração americana e seus
“think-tanks”.
Outro tipo
de questão, posteriormente tratado por estudiosos americanos e outros, tem sido
o terrorismo internacional e a luta contra o mesmo. A partir da altura em que
uma equipa governamental enverada, unilateralmente, por um combate à escala
global contra um inimigo móvel, as vezes invisível e volátil, refugiado e
suportado por uma vasta gama de pessoas doutrinadas a hostilizar as intenções
de um ”declarado inimigo”, os infiéis, todo o conjunto de tácticas,
experimentadas em diversos palcos operacionais não tem surtido os efeitos
desejados e os riscos mantem-se bem actuais como ficou demonstrado no deserto
argelino. Islamitas alegadamente associados a rede da Alqaeda atacaram e
tomaram de assalto um complexo de produção de gás natural com consequências
humanas graves, pois muitos dos reféns acabaram morrendo.
Mesmo
conseguindo construir coligações de dimensão razoável as linhas estabelecidas
acabam por ser eminentemente de cariz de credo religiosos dos integrantes de
tal coligação. Assim ganha peso a tese de que em certa medida, o combate contra
o terrorismo internacional ganha cada vez a forma das antigas “Cruzadas”. Os
apoios que as sucessivas intervenções americanas possam ter em países árabes ou
islamizados normalmente provem dos autocratas que se mantem no poder contando
com assistência militar e de segurança dos EUA.
Então
conforme em certa medida o Francis Fukuyama parece reconhecer ao abandonar seus
antigos colegas e aliados intelectuais neoconservadores, jamais se tratou
efectivamente do “Fim da História”. Terá havido sinais que apontavam para tal
eventualidade mas isso dissipou-se rapidamente.
Num cenário
cada vez mais polarizado em que existe uma mistura e níveis de hegemonia aos
africanos, seus governantes e governados cabe a responsabilidade inalienável de
tomarem uma posição.
A dignidade
de todo um continente está ameaçada por inconsistências filosóficas, por
inexistência de coerência e por altas doses de falta de sentido de pátria, de
pertença a uma nação.
Tristemente,
temos de admitir que muitos dos que se arvoram governantes em nossos países não
passam de traficantes de influências, vendedores de assinaturas de autorização
de exploração de recursos naturais, de ”boladores” como se diz vulgarmente em
Moçambique.
Na presença
do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional “tremem que nem varas
verdes ao vento”, “encolhem o rabo entre as pernas” e cumprem com as
instruções. Em termos concretos foi o que se viu e se vê Moçambique onde
empréstimos monetários de vulto foram contraídos para reabilitar a Linha
Ferroviária de Sena. Agora após diversos interesses se terem unido e por
iniciativa de consórcios corruptores ligados ao Banco Mundial, chegou-se a
conclusão de que não é possível escoar o carvão de Tete com tal linha férrea. A
dívida existe e é pública. Todos os moçambicanos terão que pagar pela
incompetência de um governo que aceitou de mão beijada entra num esquema em que
decidem e controlam a remotos controlo, entidades estrangeiras, corporações
multinacionais como a VALE e o Rio Tinto, governos e especuladores financeiros.
Cada vez que governos como o de Moçambique caem nas armadilhas do Consenso de
Washington maior é o lucro de quem empresta o dinheiro.
Mas a
verdade é que não há “Fim da História” anunciado que justifique deixar de
pensar e de agir segundo consensos nacionais e regionais. Há tanta diferença de
conceitos e de posturas no mundo que permitem prever que os combates de hoje,
nos diversos campos, continuarão por muitos e muitos anos… (Noé
Nhantumbo)
Imagem:
Vikipedia
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