Luanda - No dia em que se esperava esclarecer a
proveniência dos três milhões e 700 mil dólares, que, segundo Augusto Viana,
estariam com o ex-comandante de Luanda, Quim Ribeiro, a testemunha chave que
iria desvendar o enigma disse em tribunal que não estava em condições de
prestar esclarecimentos.
*Isabel João
Fonte: NJ Club-k.net
Teresa
Pintinho, a suposta proprietária dos 3 milhões e 700 mil dólares, de acordo com
o depoimento do seu marido, Fernando Gomes Monteiro, foi ouvida, na
segunda-feira, 14. Mas, quando tomou a palavra, a declarante disse que não
estava em condições de prestar esclarecimento porque desde 14 de Agosto de
2009, dia em que ocorreram os factos, “não está boa da cabeça” por causa do
“espancamento” de que foi vítima.
Face à recusa, o Tribunal, que já tinha começado a questionar a “milionária”, recuou na sua posição e, depois de pedir desculpas às partes, solicitou ao representante do Ministério Público que se pronunciasse sobre o assunto, ao que este disse que nada tinha a dizer.
Chegando a vez da defesa, esta manifestou o interesse de submeter a declarante, primeiro, a um exame médico pois corria-se o risco dela não estar no perfeito gozo das faculdades mentais e pôr em causa a verdade material.
No mesmo dia, o Tribunal decidiu suspender a audição da declarante “mais importante” na matéria relacionada com o dinheiro em jogo neste processo e que, presumivelmente, foi a causa das mortes ocorridas no dia 21 de Outubro de 2010.
Até o dia de ontem, 17 de Maio, o Supremo Tribunal Militar ouviu mais de 68 declarantes em 36 sessões, mas a verdade é que até ao momento ainda não encontrou a prova material, ou seja, onde e com quem estão os supostos três milhões e 700 mil dólares que, supostamente, foram encontrados na residência de Fernando Gomes Monteiro e que, segundo Augusto Viana, estariam com o ex-comandante de Luanda, Quim Ribeiro, o réu principal deste processo.
De sessão em sessão, os testemunhos que se vão ouvindo diariamente apontam mais no sentido de destruir a versão que foi alimentada publicamente, quer nas conferências de imprensa promovidas pela Procuradoria-Geral, na altura em que o processo ainda estava na fase de segredo de justiça, quer pelo teor da própria acusação movida pelo Ministério Público contra os réus e retomada pelo acórdão-pronuncia, que foi lido na primeira sessão, realizada a 10 de Fevereiro do ano em curso.
Segunda-feira, quando se esperava pelo esclarecimento definitivo da existência ou não dos milhões de dólares, que mesmo os que afirmaram a sua existência nunca viram para o espanto de todas as pessoas presentes na sala de audiências, novo balde de água fria caiu sobre as pretensões da acusação, com a recusa de Teresa Pintinho.
Segundo um jurista ouvido pelo Novo Jornal, a ser verdade que Teresa Pintinho não está bem da cabeça, desde 14 de Agosto de 2009, todas as declarações que prestou neste processo não têm qualquer validade jurídica. “O tribunal tem de ver muito bem isso, porque alguma coisa aqui não está a correr bem e, se for confirmado o contrário, isto é, que ela está a mentir, também ficarão sem qualquer credibilidade as suas declarações prestadas no processo”, frisou, acrescentando que o que se presume é que ela não sabe justificar como conseguiu acumular os 3.700.000,00 dólares.
Declarante contradiz depoimentos
Terça-feira,
foi ouvido Alfredo Tiago Bernardo, sobrinho de Teresa Bernardo Pintinho, de
quem também se esperavam grandes “novidades”.
O
declarante só veio ajudar a desmontar ainda mais “a peça teatral mal montada”,
como a descrevem alguns juristas que acompanham o processo. Esse quadro é
sustentado pelo que, no essencial, ele disse em Tribunal. Primeiro afirmou que
é sobrinho de Teresa Pintinho, com quem viveu um mês em casa desta, quando
tinha apenas 12 anos, tempo durante o qual nunca conheceu o marido da tia,
Fernando Gomes Monteiro. Só veio a conhecê-lo, em Agosto do ano de 2011, na
Cadeia Central de Luanda, altura em que se encontrava preso preventivamente no
também famoso processo da queima. Fernando Gomes Monteiro, quando ouvido em
Tribunal, disse, contudo, que não conhecia Alfredo Tiago Bernardo.
O declarante disse que tomou conhecimento da ocorrência dos factos, em Agosto de 2009, ainda em Malange tendo-se deslocado de imediato a Luanda com o objectivo de se inteirar da situação da sua tia. E chegou no mesmo dia e foi a casa da tia sozinho, contrariando a versão apresentada pelo seu amigo Morais João, apresentada na sessão do dia 24 de Abril, que dizia que Alfredo Bernardo lhe ligou de Malange naquela manhã, razão pela qual se deslocou às 8h00 a casa da tia do amigo, indicando assim que um dos dois está a mentir.
Também contrariou as versões dos seus amigos ao Comando da Divisão da Polícia de Viana, em Agosto de 2009, que diziam que foram para lá denunciar o oficial Luter, que recebeu 100.000,00 dólares americanos da família Gomes Monteiro para, em troca, devolver os documentos apreendidos e outros meios, bem como o desvio de 3.700.000,00 dólares. Alfredo Bernardo disse que isso não correspondia à verdade porque o que os levou à Divisão da Policia foi, única e simplesmente, o intuito de saber da detenção da sua tia e primos, nunca dos valores referenciados pois, até esta altura, não sabia da existência desses montantes na casa da sua tia, nem tão pouco tinha conhecimento de que Luter recebeu os 100.000,00 dólares.
Desmentiu ainda a versão apresentada por aqueles declarantes, segundo a qual Tiago foi quem lhes disse que Luter recebeu 100.000,00 dólares e que foi o seu irmão quem lhos entregou.
Sururu entre a defesa e o Ministério Público
Também
foi ouvido esta semana o delegado Provincial de Luanda do (SINSE), António
Vieira Lopes, depoimento que foi marcado por algum “sururu” entre a Defesa e o
Ministério Público, que só teve fim depois da intervenção do Juiz presidente do
Tribunal.
Tudo começou quando o delegado Provincial de Luanda dos Serviços de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE) respondia à instância da defesa. Aquele responsável disse que, no dia dos homicídios, 21 de Outubro de 2010, por volta das 19h00, participou numa reunião convocada e dirigida pelo ministro do Interior, Sebastião Martins, para abordarem especificamente o caso. Na reunião, onde estavam também presentes, o Comandante Geral da Polícia Nacional, Ambrósio de Lemos, e o então Comandante Provincial, Quim Ribeiro, o ministro baixou orientações expressas à Polícia Nacional no sentido de se esclarecer, no mais curto espaço de tempo, a autoria dos actos que vitimaram dois funcionários do Ministério do Interior.
Solicitado
a esclarecer por que razão foi convocada uma reunião de emergência ao mais alto
nível para analisar o caso, quando diariamente várias pessoas são mortas, já
que o declarante dissera antes que os serviços não consideraram o caso de
relevante para o seu objecto de trabalho, o declarante disse que só o ministro
é que poderá responder porquê.
Em
consequência da resposta de António Vieira Lopes, a defesa apresentou um
requerimento no sentido do arrolar como declarantes o ministro do Interior e o
comandante geral da Polícia Nacional. Segundo as regras processuais, o Tribunal
solicitou o pronunciamento do Ministério Público sobre a matéria requerida pela
defesa, antes de decidir, e este veio ditar para a acta expressões que os
advogados consideraram de “falta de urbanidade, respeito e consideração” para
com aqueles profissionais, exigindo mesmo que o Procurador se retratasse,
retirando-as da acta, ao que aquele respondeu que não recuaria na sua posição.
Gerou-se
então um “sururu”, onde quase todos falavam e ninguém tinha razão, mesmo com a
intervenção do Juiz presidente da causa, que concordou com a posição dos
advogados de defesa, aconselhando calma às partes e sugerindo ao Procurador que
alterasse o conteúdo da sua promoção, mas este continuou firme na sua posição.
Em reacção, os advogados ameaçaram abandonar em bloco a sala de audiências e, só assim, o procurador Adão Adriano António aceitou alterar o conteúdo do seu pronunciamento, pois dizia que os defensores não tinham legitimidade para requerer o arrolamento do ministro e do comandante Geral e que o requerimento era ilegal porque estavam a impor regras ao Tribunal.
Com as declarações de António Vieira Lopes e de mais dois operativos daquela instituição, Suarez Adão de Menezes e Porfírio José Moçambique, face às declarações prestadas antes por Julinho, antigo chefe dos Serviços na altura de Viana, segundo os declarantes, este nunca contou a nenhum dos depoentes ouvidos, na sessão do dia 16 de Maio, que um dia antes esteve com as vítimas e que o Joãozinho lhe contou que tinha uma audiência no dia seguinte com o ministro do Interior para entregar uma carta a denunciar a presumível apropriação de valores, desviados do BNA, por parte de agentes da Polícia Nacional destacados na Divisão de Viana.
A pergunta que fica no ar, segundo fontes que acompanham o julgamento, é por que razão Julinho omitiu esta informação tão relevante e do interesse do Estado, já que estavam aqui em jogo dinheiros públicos, agravada a situação pelo facto de a pessoa que lhe prometeu dar a informação escrita ter sido morta no dia em que, segundo a conversa mantida no dia anterior, tinha uma audiência com o ministro do Interior que também é o chefe máximo dos Serviços, para entregar a referida denúncia?
O declarante confirmou que Julinho, à data dos factos, usava uma carrinha de marca Toyota Hilux, de cor branca, isto é, com as mesmas características da viatura utilizada, segundo rezam os autos, pelos elementos que executaram o crime em causa.
Isabel João
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