Por Carlos Duarte
A cobertura
da Televisão Pública de Angola (TPA) à decisão do Tribunal Supremo de
impugnar a nomeação de Suzana Inglês para o cargo de presidente da Comissão
Nacional Eleitoral (CNE), na quinta, feira, 17, é preocupante. A TPA
manifestou claro favorecimento editorial ao MPLA, como é aliás prática
recorrente. A três meses da realização das eleições, o MPLA continua a
monopolizar o tempo de antena da televisão pública e já está em pré-campanha.
Após a
leitura da notícia sobre a decisão judicial, um dos apresentadores do
telejornal leu um extenso comunicado do MPLA a respeito e, logo de imediato, a
estação televisiva ouviu dois juristas, nomeadamente Inglês Pinto,
ex-bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) e Raúl Araújo, professor
universitário e colega da Suzana Inglês na CNE.
Ambos
tergiversaram sobre a deliberação do Tribunal Supremo mas, de forma grosseira,
a TPA manipulou as vagas declarações dos juristas colocando uma legenda
temática durante o noticiário anunciando que “juristas rebatem decisão do
Supremo”.
De acordo
com os dicionários de língua portuguesa, “rebatem” significa, entre outros,
desmentem, impugnam, repelem, destroem, reprimem e refreiam. Em circunstância
nenhuma, porém, os dois entrevistados da TPA contestaram a decisão do Tribunal
Supremo. Na verdade, os juristas não manifestaram qualquer posição sobre a
legalidade ou justeza da decisão, limitando-se apenas a reiteirar que, em
democracia, as diferenças são resolvidas com recurso aos tribunais, para além
de usarem a decisão como evidência do triunfo do Estado de direito e
democrático angolano. Também o MPLA aproveitou a oportunidade para, de forma
propagandística, afirmar a existência de separação efectiva de poderes em
Angola.
Em momento
algum a TPA procurou ouvir a UNITA ou o PRS que interpuseram os recursos para a
impugnação da nomeação de Suzana Inglês.
Raúl Araújo
aproveitou a ocasião para meter a foice em seara alheia ao ter afirmado, nas
suas conclusões, que “é que assim que se resolvem questões do género e não com
manifestações, embora estas ajudem”. O constitucionalista referia-se à
manifestação convocada pela UNITA, para o dia 19 de Maio.
Como
jurista, Raúl Araújo sabe muito bem que o direito à manifestação está
consagrado na Constituição e é um mecanismo legítimo de recurso dos cidadãos
para fazer valer os seus direitos e protestar num Estado de direito e
democrático. A apresentadora Ana Lemos retomou as palavras do jurista para
encerrar o telejornal distorcendo-as de forma perigosa ao falar em
“manifestações violentas”.
Foi a TPA
que, a 12 de Março passado, legitimou os actos de violência perpetrados por
milícias pró-governamentais contra cidadãos indefesos a 9 e 10 de Março. Essas
milícias, inclusive, atacaram a residência do rapper Carbono Casimiro, onde
este se encontrava reunido com mais quatro organizadores para a planificação de
uma manifestação no dia seguinte, 10 de Março. Atacaram-nos com barras de
ferro, causando ferimentos a quatro deles. A TPA concedeu destaque e
tempo de antena ao suposto Grupo de Cidadãos Angolanos pela Paz, Segurança e
Democracia na República de Angola que reivindicou os ataques. O grupo prometeu
mais actos de violência contra manifestantes e opositores, argumentando que
assim agia em defesa da “paz, segurança e democracia em Angola.” A TPA
ocultou a identidade e o rosto do porta-voz dos atacantes e não concedeu
qualquer espaço de antena às vítimas.
Com a
cobertura da impugnação de Suzana Inglês, a TPA demonstrou, uma vez mais, ser
um veículo de propaganda política dos poderes instituídos.
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