Por Yela
Loanda: http://makaangola.org
As anunciadas medidas de desorçamentação
constantes do Artigo 11.º da Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE)
2013, as quais reservam ao Presidente amplos poderes pessoais para aprovação de
despesas sem cabimento orçamental, constituição e gestão de fundos financeiros
especiais e de fundos secretos “na área da segurança interna e externa” (em bom
português, polícia política e espionagem) dão que pensar.
Em teoria, na doutrina das finanças públicas
existem aplicações virtuosas da matéria. A constituição de fundos
extra-orçamentais faz sentido em alguns casos. O termo desorçamentação
geralmente refere-se a recursos públicos e transações do governo que não estão
incluídos no orçamento anual ou não estão sujeitos ao mesmo nível geral de
informação, regulação, auditoria que os restantes domínios das finanças
públicas. Os fundos extra-orçamentais abrangem uma grande variedade de
sectores, mas tradicionalmente eles são aplicados na gestão de fundos de
públicos de pensão ou de segurança social, ou detidos por empresas estatais, e
de outros fundos discricionários ou secretos. Mais recentemente, têm sido
utilizados na gestão prudencial dos recursos públicos de extração de recursos
naturais, na gestão da ajuda externa, em operações de cancelamento da dívida,
na gestão de receitas de operações de privatização, e na comparticipação
estatal em Parcerias Público-Privadas.
No entanto, na maioria dos casos, subjacente
à desorçamentação e à criação de fundos autónomos (conhecidos por “sacos
azuis”) encontra-se o interesse do governo em manter determinadas rubricas
orçamentais longe do escrutínio público.
Como traços distintivos entre uso virtuoso e
abuso criminoso dos fundos extra-orçamentais, a ciência das finanças públicas
indica os seguintes: a) a validade da justificação para excluir do orçamento um
determinado fundo ou operação; b) a adequação e suficiência dos regimes de
governança estabelecidos pela lei que autoriza a desorçamentação, para garantir
que a gestão dos fundos extra-orçamentais se pauta pelo rigor e prossecução do
interesse público; e c) a medida em que os mecanismos de controlo garantem a
transparência de gestão e responsabilização dos dirigentes dos fundos
autónomos.
No caso da proposta de lei do OGE 2013, a
resposta a estes três quesitos é de uma simplicidade desoladora:
- A justificação é omissa;
- As regras de governo são igualmente omissas, sendo deixada à absoluta discrição do Presidente da República a sua eventual criação;
- Igualmente omissos são quaisquer mecanismos de transparência e responsabilização – ao invés, o que a lei se preocupa em garantir expressamente para esta ordem de despesas é o seu “carácter reservado ou secreto” (Art. 11.º, n.º 1).
- A justificação é omissa;
- As regras de governo são igualmente omissas, sendo deixada à absoluta discrição do Presidente da República a sua eventual criação;
- Igualmente omissos são quaisquer mecanismos de transparência e responsabilização – ao invés, o que a lei se preocupa em garantir expressamente para esta ordem de despesas é o seu “carácter reservado ou secreto” (Art. 11.º, n.º 1).
Estes fundos, na globalidade, podem atingir
uma parte considerável das atividades do governo. Em média, a desorçamentação
atinge quase 40 por cento das despesas do governo central, em países em
transição e no estádio de desenvolvimento de Angola. A maioria desses recursos
são fundos de segurança social, que constituem uma média de 26 por cento dos
gastos do governo nesses países (Allen e Radev 2006). No entanto, digamos,
desde já, que a desorçamentação que o OGE 2013 vai implementar em Angola, quer
pela desproporção do desvio de fundos, quer pelo pormenor inaudito numa
República – de o Fundo Soberano ser encabeçado por um filho de José Eduardo dos
Santos, revela um nível de nepotismo e apropriação dos recursos públicos de
difícil paralelo em qualquer outra parte do mundo. Adiante explicaremos porquê,
com o pormenor que caso merece.
Devemos distinguir entre os fundos
extra-orçamentais que são estabelecidos legalmente e operam dentro das regras
das leis orçamentárias e dos outros regulamentos de um país, e as transações
que são realizadas fora dessas leis e regulamentos e por isso devem ser
considerados operações irregulares. Por exemplo, uma Lei do Fundo de Pensão
pode legalmente estabelecer um fundo com orientações específicas que não exigem
que ele siga as regras gerais da actividade financeira pública, mas exigem o
reporte público da sua gestão, da mesma forma que os restantes gastos
governamentais, e sujeitam-no ao mesmo nível de controlo aplicável aos demais
fundos públicos. Em contraste, um fundo secreto que é mantido fora do
orçamento, tal como o estabelecido no Artigo 11.º, ignorando a regulamentação
das finanças públicas e os requisitos de auditoria, pode dar origem a operações
ilegais ou irregulares.
Naturalmente, nada impede que os dinheiros
públicos sejam geridos de forma eficiente e eficaz, através de fundos
extra-orçamentais, e isso acontece em alguns países. Dependendo do caso
específico, as operações desorçamentadas são isentas de alguns ou de todos os
elementos a seguir indicados que proporcionam um controlo adequado:
- aprovação parlamentar do respectivo
orçamento;
- obediência aos regulamentos financeiros em vigor;
- contabilização através de sistemas públicos de contabilidade;
- controlo externo periódico ou no final do ano financeiro; e
- revisão legal pela instituição suprema de auditoria (no caso angolano, Tribunal de Contas).
- obediência aos regulamentos financeiros em vigor;
- contabilização através de sistemas públicos de contabilidade;
- controlo externo periódico ou no final do ano financeiro; e
- revisão legal pela instituição suprema de auditoria (no caso angolano, Tribunal de Contas).
As transações fora do orçamento não são
susceptíveis de sujeição ao mesmo tipo de disciplina financeira das restantes
operações orçamentais (por exemplo, empresas estatais podem ter regras
financeiras especiais e nomear os seus próprios auditores), em parte porque
serem financeiramente independentes e em parte porque são explicitamente
isentos de algumas regras aplicáveis aos demais gastos públicos. Isso pode
resultar num aumento do nível de fraude, irregularidades, ou na utilização
desses fundos para fins não-autorizados. Além disso, no uso de recursos
extra-orçamentários, o nível relatado de gastos do governo pode ser
subestimado.
Nos próximos artigos de análise sobre o OGE
verificaremos de que forma a proposta de lei para 2013 se afasta destes
princípios, violando aliás a Constituição Financeira de Angola, e abordaremos
as boas práticas (e também algumas das más) dos estados africanos nesta
matéria.
Para os mais leitores mais interessados por
estas matérias das finanças públicas, deixamos entretanto alguma bibliografia,
acessível via internet:
Allen,
Richard and Dimitar Radev. Managing and Controlling
Extra-budgetary Funds. IMF Working Paper WP/06/286. Washington, D.C.:
International Monetary Fund. 2006.
International
Monetary Fund. Manual on Fiscal Transparency (esp.
pp. 50-53). Washington, D.C.: International Monetary Fund. 2007.
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