Luanda - Em Outubro de 2011, o Tribunal Provincial de Luanda condenou o jornalista e director do Folha 8 (F8), William Tonet, a um ano de prisão, com pena suspensa, por crimes de difamação, calúnia e injúria contra os generais Manuel Hélder V. Dias Júnior (Kopelipa), ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República, José Maria, chefe do Serviço de Inteligência Militar, e Hélder Pitagrós, Procurador Militar.
Fonte: Makaangola.org Club-k.net
O tribunal converteu a pena de prisão em multa de US $100 mil, quantia que o director do F8 teria de pagar no espaço de 5 dias, sob pena de ir parar aos calabouços. Para impedir a prisão de William Tonet e garantir a continuidade do seu jornal, centenas de pessoas mobilizaram-se e pouco antes do prazo estabelecido pelo tribunal reuniram quase todo o dinheiro requerido. Essa espontânea manifestação de solidariedade mostrou que muitos angolanos se revêem no F8.
Por sua vez, a reacção negativa à condenação de William Tonet, é um indício grave da deterioração da imagem do poder judicial. Mas esse apoio, conferido ao director do F8, também tem um reverso da medalha. Exige de William Tonet uma imensa responsabilidade profissional e um comportamento ético acima de qualquer censura.
Nos últimos tempos, porém, William Tonet, não tem desempenhado à altura da grande responsabilidade que carrega sobre os ombros.
Para um melhor entendimento da situação, faz todo o sentido abordar a mais recente trajectória do F8. São aqui convocados para a análise dos leitores dois casos, recentemente ocorridos, reveladores da insuficiências éticas que o director do F8 precisa de corrigir imediatamente, sob pena de deitar tudo a perder.
I. O semanário F8 fez do rumoroso caso da fotomontagem, envolvendo 3 altos dignitários angolanos, a rampa para o lançamento de uma nova “escola de jornalismo”, a qual consiste, basicamente, em sacudir a água do seu capote sempre que uma matéria produzida pelo jornal tenha repercussões negativas.
“A nova escola” foi inaugurada exactamente depois de o Bureau Político do MPLA, o Ministério da Comunicação Social, o Conselho Nacional de Comunicação Social e toda a imprensa pública reagiram com invulgar virulência à degradante imagem que o F8 publicou na sua edição nr. 1075, de 30 de Dezembro de 2011.
Quando a campanha de propaganda do MPLA contra o F8 se transformou em vulcão a expelir lavas de fogo em todas as direcções, o director William Tonet fez questão de deixar inequivocamente claro que, no momento em que a controversa edição chegou às mãos dos leitores, ele se achava ausente do país. Com essa jogada de antecipação, William Tonet aligeirou as suas responsabilidades. A chefia de redacção assumiu exclusivamente a responsabilidade do incómodo episódio.
Num texto postado nas redes sociais, a 8 de Janeiro, William Tonet condenou os autores da fotomontagem, qualificando a decisão editorial do seu jornal como um acto de “oposição de sarjeta”.
“O jogo sujo de ofender personalidades políticas, ainda com responsabilidade no poder, não enaltece os que assim agem, pelo contrário coloca-os a um nível mais baixo do que quem eles criticam”, proclamou.
William Tonet criticou os autores anónimos da fotomontagem, mas em momento algum afirmou que aquela imagem foi parar à redacção do seu jornal por imposição de alguém. Entrevistado no dia seguinte pela Voz da América, William Tonet disse que o único e eventual culpado pelo rebuliço seria uma “gralha técnica”. Mais afirmou que a fotomontagem foi publicada sem o respectivo texto explicativo que teria sido impresso na semana anterior por erro técnico.
No mesmo dia, 8 de Janeiro, o chefe de Redacção do F8, António Setas, também condenou publicamente “a cobardia de todos os que, utilizando os novos veículos de comunicação, pretendem fazer uma política de ratazanas: morder e assoprar. Esta forma de agir até pode ser atractiva para alguns, mas numa revolução de paz, a semelhança com a acção dos ratos, não indicia bons tempos, logo todos devemos abandonar a clandestinidade e as tácticas sujas do poder”.
Na sua tomada de posição, António Setas reafirmou: “no caso vertente da referida foto, que a linha editorial do F8 considera, a nossa condenação foi espontânea, e, dada a ausência do director-geral, William Tonet, tivemos a imediata preocupação em denunciar e fazer um Top Secreto, vincando bem a posição do jornal.”
Todavia, António Setas contrariou o seu director ao afirmar que o texto elaborado para acompanhar a fotomontagem “extraviou-se” e “foi-se juntar sem que se saiba bem como às fotos destinadas” a uma outra rubrica. António Setas atribuíu o extravio a uma “falta de atenção”, que ele próprio assume “inteiramente”. Nobre.
A falta de atenção de que fala António Setas é substancialmente diferente da “gralha técnica” em que se apoia William Tonet.
Há uma posição comum entre o director e o chefe de redacção do jornal: o primeiro atira as culpas para uma incaracterizada gralha técnica e o segundo admite falta de atenção. Mas não é notório, em nenhum dos dois, um genuíno pedido de desculpas aos visados e aos leitores pelo mau serviço prestado.
Mau serviço público, mau serviço privado
II. Uma outra demonstração de que no F8 as falhas são sempre alheias ao seu director vamos encontrá-la na sua edição 1079, de 28 de Janeiro de 2012.
Nesse dia, o jornal do William Tonet retomou, integralmente, uma reportagem do jornal brasileiro O Globo, publicada a 18 de Dezembro de 2011. Nessa matéria são feitas graves acusações em torno da actividade empresarial, no Brasil e em Angola, do cidadão brasileiro-angolano Minoru Dondo. O F8 não se deu, sequer, ao trabalho de citar O Globo, o que em jornalismo significa que subscreveu integralmente o texto publicado, facto agravado por não ter atribuído a sua fonte.
Mas na edição seguinte (1080, de 04 de Fevereiro de 2012) William Tonet muda surpreendentemente de atitude. Para explicar a súbita mudança, Tonet argumenta que a reprodução, pelo F8, da reportagem de O Globo não se deveu a qualquer critério editorial do jornal. Segundo ele, a reportagem do jornal brasileiro surgiu nas páginas do F8 por acção e graça de um agente da Segurança do Estado.
“Um agente da Segurança que pretendia sabotar a edição do F8 da semana finda, conseguiu tirar uma matéria e introduzir outra que nunca esteve nas cogitações do nosso jornal”, disse. O caso – segundo Tonet – “vem a propósito da notícia do Jornal O Globo do Brasil. Publicada no dia 18 de Dezembro de 2011 e face ao seu teor, que tresandava de sarjeta, o Folha 8 ‘ab initio’ descartou-a, o que, pelos vistos, desagradou à rede secreta da Segurança, que tudo fez para, através da infiltração que ora denunciamos, a introduzir nas nossas páginas”.
Sem a apresentação da mais leve evidência, o director do F8 alegou que a reportagem de O Globo teria sido “plantada” no seu jornal por Aldemiro Vaz da Conceição, chefe dos Quadros da Presidência da República, e José Ribeiro, director-geral do Jornal de Angola.
William Tonet dá o assunto por encerrado com a seguinte afirmação: “urge, no que nos diz respeito, redobrar a segurança interna, para evitarmos, no futuro, a acção destas aves de rapina”.
Na mesma edição, de 4 de Fevereiro, William Tonet escreveu um outro texto sobre o mesmo assunto, tecendo rasgados elogios ao empresário brasileiro. O director do F8 referiu ser sua “convicção que o empresário brasileiro Minoru Dondo tem sido dos poucos que investe e reinveste no país e mantém uma carteira invejável de negócios audazes enfrentando o risco”.
Embalado pelos elogios a Minoru Dindo, William Tonet acabou por fazer uma embaraçosa revelação. Calculou que os adversários de Minoru Dondo terão desembolsado cerca de US $300 mil para o verem na “lama”. O autor teve o cuidado de omitir os pormenores: nada disse sobre se essa verba contemplou apenas O Globo ou se foi extensiva aos jornais angolanos, entre os quais o F8, que retomaram, sem questionar, a reportagem do jornal carioca.
Tempos difíceis
Depois da aprovação da nova Constituição de Angola, em 2010, que consagra o Presidente José Eduardo dos Santos como dono e senhor do país, duas iniciativas emergiram da cartola das estratégias do regime:
1. A implacável perseguição à imprensa independente, cujo ponto alto foi a compra, com dinheiro público dos semanários privados que mais questionavam as políticas públicas, e a sua consequente domesticação;
2. A mídia pública desviou-se do seu objecto social e foi transformada exclusivamente em instrumento de manipulação, intoxicação, auto-propaganda, auto-promoção e de culto de personalidade do Presidente José Eduardo dos Santos.
Paralelamente a isso, assiste-se ao nascimento e consolidação de iniciativas empresariais no domínio da comunicação social pertencentes a filhos do Presidente José Eduardo dos Santos ou a pessoas que gravitam em seu redor. Entre essas iniciativas pode já incluir-se o Canal 2 da Televisão Pública de Angola (TPA) e a TPA Internacional, detidos por Tchizé dos Santos e Paulino José dos Santos, bem como as plataformas de TV Zap e Uau, controladas por Isabel dos Santos. Recentemente, noticiou-se os preparativos liderados por Tchizé dos Santos para lançar, em breve, um novo canal de televisão no país, designado TVAngola Notícias, inspirada na portuguesa SIC-Notícias. Nos últimos dias soube-se, também, que Zenu dos Santos, filho varão de JES, já não se conforma apenas com as suas incursões na banca, na construção civil e noutros domínios económicos. O seu próximo passo será a constituição de um grupo de comunicação social, que contemplará, no arranque, uma estação de rádio e um jornal. A tudo isso juntam-se todos os jornais e revistas criados em parceria com portugueses. Nesse grupo incluem-se o semanário Expansão, o jornal Sol ou a recém lançada revista Rumo.
A panóplia de órgãos de comunicação criados ou em criação por entes directos do Presidente da República evidencia que está em curso um concertado esforço para submeter todo o país, agora e no futuro imediato, aos pés de José Eduardo dos Santos.
Nas actuais circunstâncias, derrapagens como aquelas em que o F8 se vem multiplicando nos últimos tempos não o enfraquecem apenas a si. São um poderoso estímulo à cruzada contra a imprensa independente, conduzida directamente pelo núcleo presidencial.
É por isso que do director do F8 a sociedade espera outra postura, mais condizente com as responsabilidades que carrega sobre os ombros.
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