Benguela - Semanário
Angolense (SA): Foi membro da comissão encarregue de desmobilizar os antigos
agentes da segurança do Estado em Benguela, por força dos acordos de Bicesse.
Como foi feita a desmobilização?
Fonte: SA Club-k.net
«Estamos há 20 anos à espera de empregos»
Isomar Pedro Gomes (IPG)- Os
membros afectos à antiga Segurança de Estado foram desmobilizados no âmbito dos
acordos de paz entre o Governo e a UNITA, visto fomos considerados
excedentários das Forças Armadas Angolanas (FAA). Julgo ter sido um erro, já
que os efectivos dos Serviços da Segurança do Estado não pertenciam as forças
armadas, mas, enfim, não tivemos outra saída senão aceitarmos a nossa
desmobilização.
SA- Quais foram as promessas que haviam sido pelo Governo quando se registou a desmobilização?
IPG- Eles prometeram que, após a nossa
passagem à desmobilização, seriamos enquadrados na vida civil, tendo nos sido
garantido em diversas instituições do Estado. Infelizmente, após a nossa
desmobilização houve o retorno guerra civil, e o campo de manobra do Governo
ficou reduzido, daí a sua incapacidade em resolver o nosso problema do
desemprego.
SA- Passados 20 anos desde que foram
desmobilizados e 10 dos quais sobre o fim da guerra, que resposta têm recebido
em relação ao não cumprimento de tais promessas?
IPG- Nós entendemos que após a nossa
desmobilização, que decorreu ainda no período da guerra, o Governo não tinha
condições para honrar com as suas promessas, mas já não entendemos que passados
10 anos depois de o calar das armas, o mesmo Governo não tenha conseguido
cumprir com as promessas feitas, por altura da nossa desmobilização. Se não
estou enganado, em 2005, um grupo de camaradas teve a ideia de organizar-se em
associação, com o objectivo de defender nossos interesses e se encontrar um
interlocutor que pudesse levar as nossas preocupações ao Governo de Benguela,
mas infelizmente até hoje o problema não foi ainda resolvido. Quando nos
dirigimos ao Governo, a única resposta que temos recebido tem sido: «Esperar,
esperar» …
SA- Como é que está a moral dos ex-membros da segurança do Estado perante esta situação?
IPG- Um indivíduo que fica 2 a 3 meses sem
salários, fica com boa moral? Acredito que não, mas vou lhe dar um exemplo: li
recentemente uma notícia no seu jornal que dizia que os guardas prisionais
haviam manifestado a sua intenção de libertar os presos, devido a cortes
salariais de que tinham sofrido. Imagina que esses guardas prisionais só porque
sofreram descontos nos seus salários, chegaram ao ponto de ameaçam soltar
presos, agora imagine nós, que estamos há 20 anos sem receber um único tostão?
Demos toda a contribuição para a defesa da pátria e do MPLA, porque, naquela
altura, o Ministério da Segurança do Estado, era um ministério que defendia o
sistema monopartidário, no qual o MPLA era a sua força dirigente; naquela
altura entediamos que defender o MPLA era defendera pátria e defender a pátria
era defender o MPLA. Nós demos toda nossa vida e sacrificamos toda a nossa
juventude na defesa do MPLA.
Há 20 anos que estamos a espera de uma resposta do Governo. É muito tempo de espera! Nestes 20 anos, muitos dos nossos camaradas, que eram antigos operativos já morreram na maior das desgraças, sem verem um único tostão. Hoje, muitos desses camaradas estão a fazer trabalhos de braçais, de baixo nível, como roboteiros, carvoeiros, enfim, não é que esses trabalhos sejam indignos, mas para quem deu toda sua vida na defesa do MPLA ir acabar desta forma é muito mais que indigno. É mesmo muito triste saber que 20 anos depois da nossa desmobilização, o próprio MPLA, que ainda governa este país já não se lembra de nós.
SA-E nunca ouve um pronunciamento ou um
encontro entre a vossa associação e o governo?
IPG- Bem, se eu lhe contar toda história
acerca da nossa organização, a ASPAR (Associação Social para Apoio e
Reinserção) não será hoje que vamos terminar a entrevista. Mas deixa-lhe dizer
o seguinte: mantivemos vários encontros com o governador provincial de
Benguela, Armando da Cruz Neto, e outras com entidades que nos pediram a
documentação para a formação de processos e cadastramento do pessoal para a sua
inserção na Caixa Social. Só que, há pessoas dentro da ASPAR, que têm
introduzido indivíduos que nunca sequer foram membros da Segurança de Estado, e
muitas dessas pessoas são agentes no activo da Polícia Nacional, dos Serviços
de Emigração Estrangeiros e até mesmo do SINFO, portanto, como pode ver a
pessoas que por cima do sofrimento dos outros fazem negócios escuros. Em 2008,
à margem da campanha eleitoral do MPLA, fomos contactados por um representante
da Casa Militar da Presidência da República, que é o brigadeiro Lubom, com quem
nos reunimos no salão nobre da Delegação do Ministério do Interior (em
Benguela). Ele ficou admirado e chocado ao saber da nossa existência.
SA- Temos conhecimento que recentemente a
directora Nacional da Caixa Social manteve um encontro com a direcção da vossa
associação em Benguela, onde ela fez saber que o governo já havia
disponibilizado dinheiros de 6 meses…
IPG: Esses 6 meses que a senhora se referiu
-eu por acaso não estive presente- mas sei
que esteve presente nesta reunião
a direcção da Aspar
nacional e a provincial. Por
aquilo que é do meu conhecimento, após a representante da Caixa Social ter
informado que o Estado havia disponibilizado este valor, e questionado a
direcção da Aspar (quer a nacional quer a provincial) sobre o paradeiro desses
valores ninguém soube dar um esclarecimento onde que estava o dinheiro, e
prontos, tudo ficou assim entre os compadres… E quando as pessoas reclamam
ainda querem se dar ao luxo de nos ameaçar…
SA- Está a falar de um seu colega que
terá sido ameaçado pelo ex-deputado do MPLA, Paulo Rangel, na presença do
comandante provincial da Polícia Nacional e delegado do Ministério do Interior
em Benguela, o comissario António Maria Sita?
IPG- Se alguém reclama deve ser ouvido. Os
camaradas Paulo Rangel e Sita, assim como os outros camaradas não estão na
nossa pele, só quem sabe o que é ficar 20 anos sem salários, é que entende a
nossa dor. Por exemplo, o Paulo Rangel, tem o seu ordenado em dia como
ex-deputado, temo seu ordenado de oficial general das Forças Armadas Angolanas,
e provavelmente, está inserido na caixa social das Forças Armadas, então como é
que um indivíduo desses vai entender o nosso grito, se nós gritamos, é evidente
que ele vai achar isso muito estranho! E foi isso que de facto aconteceu.
SA- O que é lhe vem em mente, depois destes anos todos de abandono?
IPG: É uma situação de frustração! Ainda hoje,
estive com um dos meus camaradas, que chorou a minha frente, só porque ele tem
a mãe hospitalizada e a filha doente, e ele não tem um tostão sequer, para
atender as necessidades hospitalares da sua família. E como ele não tinha onde
recorrer, veio ter comigo para ver se eu lhe emprestasse algum dinheiro, mas
infelizmente, eu também nem sequer tinha 100 kwanzas para lhe ajudar e,
naturalmente, eu tinha de chorar com o meu companheiro. Então, com todas essas
dificuldades o que é nos virá a mente, meu caro amigo? Pensar que um dia nós
servimos este país; pensar que um dia demos o «litro» regime, é um sentimento
de revolta, de indignação de tudo…. Se este regime ainda existe é porque muitos
camaradas não olharam para si, nem pelos interesses da sua família.
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