Numa movimentada avenida de Luanda, capital de Angola, um brasileiro
segura o trânsito para que um trio elétrico ilustrado com fotos do presidente
angolano, José Eduardo dos Santos, possa manobrar.
A poucos metros dali, outro brasileiro, braços tatuados e barba por
fazer, dá instruções a três jovens angolanos que tocam violão sentados numa
praça: "Atenção, pessoal, já vamos começar a gravar!" Outros três
brasileiros acionam as câmeras no instante em que o trio elétrico passa por
baixo de um outdoor de Dos Santos, no poder desde 1979 e que nesta sexta-feira
concorrerá às eleições para um novo mandato de cinco anos.
Enquanto os jovens cantam uma música que venera o líder, ao fundo quatro
retratos do presidente compõem o cenário. Os responsáveis pela gravação,
presenciada pela BBC Brasil na última segunda-feira, integram a numerosa equipe
que o publicitário João Santana (na foto) montou para produzir a campanha
eleitoral do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), partido que
governa o país rico em petróleo no sudoeste africano desde sua independência,
em 1975. Principal marqueteiro do PT - comandou as últimas campanhas de Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff à Presidência, além de assessorá-los em
seus governos -, Santana tem internacionalizado sua atuação nos últimos anos.
Ele está à frente da campanha para a reeleição do presidente Hugo Chávez
na Venezuela e atuou nas últimas disputas presidenciais em El Salvador e na República
Dominicana - venceu ambas. No Brasil, atualmente chefia outras duas campanhas:
as dos petistas Fernando Haddad e Patrus Ananias às prefeituras de São Paulo e
Belo Horizonte, respectivamente. Em Angola, o marqueteiro participa da terceira
eleição da história do país.
A disputa será entre nove partidos, que montaram listas fechadas de
candidatos. O primeiro da lista do partido mais votado se tornará presidente, e
a proporção dos votos determinará a composição da Assembleia Nacional. Cabeça
de lista do MPLA, Dos Santos terá a chance de ser eleito pela primeira vez, já
que no único pleito presidencial prévio, em 1992, a disputa foi suspensa antes
da conclusão.
Ele disputaria o segundo turno com o então líder da Unita (União
Nacional para a Independência Total de Angola), Jonas Savimbi. No entanto, a
retomada da guerra civil às vésperas da votação suspendeu o processo e arrastou
o conflito até 2002, quando Savimbi morreu e as duas siglas assinaram a paz.
Longa preparação Embora a propaganda política obrigatória nas rádios e TVs só
tenha começado em 31 de julho, boa parte da equipe brasileira está em Angola
desde fevereiro.
Nos últimos meses, com a chegada de reforços para a reta final da
campanha, o grupo passou a somar em torno de 120 pessoas (dos quais cerca de 75
brasileiros), segundo estimativa de integrantes angolanos. Como na equipe que
filmava o trio elétrico em Luanda, os brasileiros executam todas as funções que
exigem maior perícia técnica: comandam as câmeras, conduzem os cinegrafistas
sobre trilhos, editam e finalizam os vídeos, dirigem os atores angolanos e
redigem os textos lidos por eles. Mas não aparecem em momento algum nos
programas.
A orientação é camuflar ao máximo a presença brasileira - caso exposta,
ela poderia alimentar críticas de que o governo privilegia trabalhadores
estrangeiros, tema bastante sensível no país. Todas as várias tentativas da BBC
Brasil de contatar a chefia da campanha foram rechaçadas.
Pessoas próximas à cúpula do MPLA calculam que a propaganda custou cerca
de US$ 75 milhões, valor elevado inclusive para uma disputa presidencial no
Brasil, país de dimensões continentais e com população dez vezes maior que a
angolana (o PT declarou ter gasto a mesma quantia na campanha de Dilma em
2010).
O preço estimado da campanha em Angola soa ainda mais alto se
considerado que o programa do MPLA ocupa somente cinco minutos na TV e dez
minutos no rádio por dia - os outros oito partidos concorrentes têm direito a
tempo igual. Ainda assim, a legislação angolana não impõe limites aos gastos
dos partidos e os exime de revelar a quantia arrecadada e seus doadores.
Somente repasses de órgãos públicos, governos e ONGs estrangeiras são
vedados. Hospedagem Durante os quase seis meses de produção, os brasileiros
chefiados por Santana se hospedaram em dois dos hotéis mais caros de Luanda - o
cinco estrelas HCTA (diária de US$ 575 para quartos individuais) e o Alvalade
(US$ 407). Nas viagens pelo interior do país, a equipe usou aviões. Vinhetas,
jingles, cenas de obras e retratos de angolanos ocupam a maior parte dos
programas, que contam ainda com fotografias tiradas pelo premiado fotógrafo
Juca Varella, ex-editor de "O Estado de São Paulo".
Apesar da tentativa de camuflar a presença brasileira, a campanha
reciclou alguns programas do PT. No plano de governo do MPLA, o projeto de
estímulo ao empreendedorismo foi batizado de "Meu Negócio, Minha
Vida" - referência ao "Minha Casa, Minha Vida" dos governos Lula
e Dilma. Há ainda menção a um programa nos moldes do Bolsa Família, que prevê
pagamentos a famílias pobres desde que elas cumpram contrapartidas. A opulência
da campanha do MPLA contrasta com a fraca publicidade dos outros partidos, que
contaram cada um com financiamento público de US$ 700 mil para as eleições.
Em programas televisivos simples, seus candidatos fazem promessas e
atacam o longo mandato do presidente angolano. Na África, esse mandato só é
menor do que o do líder da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, que chegou
ao poder um mês antes que o angolano.
Os oposicionistas também afirmam que os órgãos de comunicação estatais
angolanos - que no país têm peso muito maior que os meios privados -
desequilibram a campanha ao apoiar abertamente o MPLA. Único diário de alcance
nacional, o "Jornal de Angola" estampou na terça-feira grande foto do
candidato do MPLA com a seguinte legenda: "no coração do povo já é
presidente".
A diferença na exposição dos vários candidatos também é gritante nas
ruas de Luanda. Pôsteres, bandeiras do MPLA e outdoors de Dos Santos (com o
slogan "Angola a crescer mais e distribuir melhor", cunhado por
Santana) espalham-se por toda a cidade e quase escondem a publicidade das
demais siglas. No centro da capital, os sinais da oposição basicamente se
resumem a algumas bandeiras da Unita e a cartazes da Casa-CE (Convergência
Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral).
Não é a primeira vez que brasileiros comandam a campanha do MPLA. Nas
eleições de 1992, o jornalista Ricardo Noblat chefiou a propaganda do partido,
a cargo da agência baiana Propeg. Em 2008, a tarefa coube ao jornalista da TV
Globo Carlos Monforte, também à frente de uma equipe da Propeg. Pessoas
próximas à cúpula do MPLA atribuem a contratação de Santana a uma indicação do
ex-presidente Lula, que esteve em Angola em julho de 2011. Na ocasião, ele foi
recebido pelo presidente angolano e visitou obras de empreiteiras brasileiras.
BBC Brasil ANGOLA24HORAS
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