quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A luta de libertação nacional foi feita por muitos, mas os beneficiários reais são poucos. Canal de Opinião. por Noé Nhantumbo


Beira (Canalmoz) – O aparente forte relacionamento entre gente de um mesmo partido é posto à prova e dilui-se logo que entre no jogo a questão financeira. Já dia Samora Machel:… “estes meus camaradas quando eu morrer hão-de matar-se uns aos outros por causa do dinheiro!”
A luta de libertação nacional foi feita por muitos, mas os beneficiários reais são poucos. Isto é um facto inegável.
Mas no caso de quem lutou pelo fim do monopartidarismo, as coisas não são muito diferentes.
Não são poucos os ex-combatentes que até hoje, e estamos em 2012, ainda têm questões pendentes relacionadas com suas pensões.
O surgimento das chamadas alas nos partidos, Frelimo e Renamo, quando observado de determinado prisma, é resultante de posicionamento e acumulação de capital financeiro.
Os membros da Frelimo que não se tornaram empresários ou capitalistas ao longo dos tempos decerto que terão uma percepção diferente dos membros-empresários sobre o que é seu partido hoje e o que era em 1977-1989.
Na Renamo também é sintomático que quem não está perto da liderança, ou que não tenha consideração forte desta, não chegue longe em termos de hierarquia. Pertencer a uma lista elegível para um cargo que traga vantagens materiais e financeiras requer um jogo de cintura e capacidade de “engolir alguns senão muito sapos vivos”.
É por demais evidente que na Frelimo ou na Renamo existem alas. Só o pretende escamotear quem quer continuar a iludir os seus respectivos membros e continuar a tirar disso benefícios pessoais.
Está claro que alguns dos membros proeminentes da Frelimo não abandonam o barco porque acreditam que fazendo-o colocariam muito a perder pois uma clique de empresários vorazes tomaria conta da Frelimo. Também sabe-se que estar na Frelimo é como que estar perto da fonte de investimentos, créditos bancários, influência, poder, embora o cabaz cada vez seja menor para tanta gente e isso esteja a tornar a estratégia insustentável.
A realidade moçambicana mostra irrefutavelmente que a democracia ainda está refém de poderes excessivos do executivo e de seu chefe.
Um aparente alinhamento entre membros de um mesmo partido político fica logo perturbado quando o dinheiro e o seu poder aparecem sobre a mesa. A teoria do “Empoderamento Económico Negro” foi estrategicamente criada para dar corpo a todo um conjunto de aspirações emergentes na classe dirigente ou na liderança político-governamental, mas “não há bela sem senão” e “o feitiço está a virar-se contra o feiticeiro”.
Copiar o modelo sul-africano de repente tornou-se apetecível e irresistível. Ombrear com os pares africanos e mundiais tornou-se uma obrigação.
Mas aqui começa todo um maquiavelismo e os “king-makers” aparecem ao serviço das figuras com mais possibilidades de vencer. Trocam-se favores e ressurge a demagogia com toda a sua força. É o tempo de mudar de “chapa cem” ou de cavalo e isso aconteceu na Frelimo.
Na Renamo a questão é relativamente mais simples pois quase tudo se resume a estar nas graças do chefe. Mas mesmo aqui é preciso ter capacidade de antecipação e descobrir o que o chefe quer e o que os “concorrentes” estão aprontando.
Existem partidos políticos mas ainda não existe tradição e cultura condizente entre os membros.
O financiamento dos partidos não se faz por via da quotização dos membros mas, sim, fundamentalmente através de contribuições vultuosas de entidades governamentais, empresariais e parceiros internacionais.
Empresas estrangeiras com interesses específicos em Moçambique aparecem doando ilícita e ilegalmente fundos para partidos políticos.
Os membros quando contribuem, quando pagam quotas, é quase como que coercivamente. As empresas nacionais sabem que se não entregam nada aos partidos predominantes sofrerão consequências nefastas.
E na esteira desta maneira de estar e de proceder é que aparecem os membros estrangulando-se por causa de interesses financeiros divergentes.
A pertença a um mesmo partido, uma velha relação de “camaradagem” é colocada em causa por causa do dinheiro. Nisto parece que joga um papel de respeito a prole familiar que se tenha. Assessores, esposas, filhos e familiares tornam-se muito importantes no aconselhamento. Líderes, aspirantes a líderes, “king-makers”, referências ideológicas e morais, “puxa-sacos”, toda uma colecção de pessoas diferentes, colocam-se rapidamente ao serviço de lideranças e lideranças aspirantes, num movimento visando conquistar ou manter o poder.
Por exemplo, nos tempos que correm verifica-se um desusado movimento tendente a aferir “para onde vai o vento” e quem tem mais possibilidades de colocar seu “delfim” no poder, no seio da Frelimo. E nesta corrida os interesses financeiros bem como o poder financeiro acumulado, exibido e efectivo jogam um papel muito importante.
Na hora do comité central e do próximo congresso da Frelimo seria utópico dizer que o dinheiro não servirá para comprar posições bem como votos. Está claro que a Frelimo virou um bazar.
Na Renamo parece que tudo será como no Senegal, onde o actual presidente mantém-se indefinidamente concorrendo a presidente da república claramente a querer morrer no posto e usufruir de um funeral de Estado. Era muito democrata até poder tornar-se igual a tantos outros…
O perigo de interesses financeiros estrangularem partidos, deriva do facto da razão de ser destes desvirtuar-se, sua natureza diluir-se e o produto final ser unicamente uma plataforma de enriquecimento periódico de quem for capa de se manter no poder.
A ideia é de que enquanto se dirige o partido também se dirige o executivo e por via deste comanda-se todo o sistema de concessão de autorizações de empreendimentos, projectos e demais iniciativas no domínio da economia. Quando “camaradas’ se encontram ou chocam nestes domínios a camaradagem desaparece pois eles tornam-se concorrentes ferozes. Esmagam o outro logo que haja a primeira distracção.
Por causa de factos como o da presidência do partido Frelimo e do país ter sido sempre exercida por pessoas oriundas do sul do Save ou do denominado “Império de Gaza”, assiste-se a um movimento sugerido que chegou a vez do Norte e do Centro. Isto no seio do próprio partido. Já é do domínio público. O jogo aliás está já a decorrer em campo aberto. A sobrevivência da Frelimo que conhecemos no passado e da actual Frelimo dos empresários de sucesso vai depender em certa medida das leituras e decisões que cheguem a tomar nos seus órgãos deliberativos sobre questões como esta.
É de supor que com o poder económico e financeiro assegurado, a liderança tradicional da Frelimo não tenha receio em entregar o poder político a alguém do Centro ou do Norte, mas as reticências ainda são muitas porque numa assentada, depois muito coisa pode mudar… A localização geográfica dos grandes recursos do país, pode fazer com que o jogo vá para além das linhas convencionais…
Enquanto o panorama político for dominado por dois partidos militarizados e o executivo dominar o cenário através das suas prerrogativas orçamentais será complicado ter mudanças significativas, mas o jogo está em marcha e só o futuro dirá para onde se irá caminhar.
Há muita gente radicada na Frelimo que não tem interesse nenhum de que algo se altere no quadro político e económico nacional, mas há mais Moçambique para além da Frelimo. É cada vez mais assim…
Do lado da Renamo parece que temos os membros que estão no Parlamento que de maneira alguma largarão as benesses de que actualmente gozam e pessoas aparentemente escutadas e ligadas a liderança baseada em Nampula, idem. Todos os outros vão continuar a falar sozinhos.
São as alas que se fazem sentir e ouvir mesmo quando vozes contrárias emergem no horizonte.
Normalizar os partidos políticos, levar seus membros a pagarem normalmente quotas, cultivar hábitos democráticos e democratizantes, instituir rigor em tudo o que diga respeito ao financiamento dos partidos políticos, avançar na separação efectiva dos poderes democráticos é parte do que os moçambicanos precisam de continuar fazendo com firmeza.
As vozes da demagogia profissional, o populismo, a utilização oportunista das etnias para servir fins políticos continuarão a fazer-se sentir.
É obvio que em Inhambane o discurso étnico sobressaia nas próximas eleições intercalares para a presidência do município, mas o povo já viu que o grande árbitro é ele próprio e que a retórica habitual não resolve os problemas de ninguém num estado que já está a dar sinais de caminhar para a modernidade à medida que as suas forças vivas se tornam mais jovens.
Gaza, Inhambane, Maputo precisam de acordar para a realidade de que este Moçambique é mais do que Maputo. O tom de superioridade com que alguns quadros governamentais dizem “províncias” nos seus pronunciamentos é preocupante pois denota um complexo de superioridade que nada tem a ver com os factos.
Proclamar do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico precisa tornar-se coisa assumida… (Noé Nhantumbo)
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