Corrupção, nepotismo, auto-protecção
serão algumas das heranças deste governo…
Beira (Canalmoz) – Para alguém em fim de
mandato compreende-se a preocupação em deixar algo para a história. Também não
deixa de ser normal que uma liderança confrontada com um fardo pesado de
tarefas se veja muitas vezes compelida a replicar às críticas de modo ou
maneira pouco estudada ou pensada.
Quando quem governa mistura dossiers e
sobrepõe interesses privados aos públicos, a coisa fica uma “salada russa” de
verdade. As explicações apresentadas todos os dias para justificar o que o
Governo não consegue fazer já atingiram o cúmulo do rídiculo.
Convém também dizer que há algumas obras
concretizadas por este governo “choramingão”. Hás as visíveis e as menos
visíveis. Devemos aplaudir. Mas quando qualquer análise mostra que o feito é
muito menor do que o que deveria e podia ter feito e não fez, não se pode
deixar de criticar o governo só porque o seu timoneiro é propenso a
desagradar-se. Agora sabemos que quem “cunhou a frase “deixa andar” gosta pouco
de ser chamuscado com o fogo da crítica.
Embora nos tempos dos comissários políticos
fosse advogada a crítica e auto-crítica e promovida como forma de purificar
fileiras, agora a história regista esta III República como a dos
“choramingões”.
Quem não gosta ou não admite críticas
dificilmente consegue conversar ou escutar os outros.
Num a situação de paz e estabilidade
relativa, a tomada de decisões que afectam a todos deve passar pelo debate
aberto.
A insensatez e alguma dose de teimosia
levaram a que empresas públicas fossem largamente lesadas por alguns de
gestores de topo. Numa atmosfera viciada pelo nepotismo e pelo encobrimento
permanente de acções nefastas praticadas por membros de grupos fechados, tem-se
visto recursos públicos serem desviados tanto para bolsos privados como para
sustentar acções não previstas na lei.
Quando a comunicação social não se cansa de
alertar, de forma até branda, para abusos e atropelos das normas estabelecidas,
e da parte de quem governa não se vê resposta adequada e proporcional, essa
atitude só pode merecer crítica e repúdio dos cidadãos.
É preciso que quem ocupa cargos governativos
se compenetre de que tais funções não são sua propriedade. O cargo em si não é
propriedade privada.
Entre o “deixa andar” e os choramingões há
uma distância que convém desde já apurar para que não haja confusões e
atribuição de créditos alheios.
O estado actual da governação em Moçambique é
sem dúvida deficitário e isso é não só conjuntural como resultado de alguma
incapacidade de determinar os caminhos que devem ser seguidos pelos
governantes.
Se o ambiente financeiro e político
internacional constituem uma dor de cabeça para quem governa isso não deveria
ser motivo ou razão para a paralisação no que se refere à concepção e
implementação de medidas apropriadas para enfrentar a crise.
Não se pode advogar o regresso às
nacionalizações mas este governo precisa de deixar alguma herança palpável para
as gerações vindouras. Não podemos ter como herança um conjunto de mega
projectos pertencentes a outros ou “elefantes brancos” plantados um pouco por
todo o país.
O êxito de alguns moçambicanos em
demonstrarem capacidade de avançarem na área económica é de saudar.
Mas também deve haver coragem e capacidade de
dizer abertamente que os êxitos de muitos dos moçambicanos apresentados como
exemplos não passa de uma “cópia barata” de “quadros de artistas famosos”.
Praticamente não há empresa moçambicana que
tenha sido criada e avançado através do trabalho e aplicação diligente de
recursos privados. A maioria dos brilharetes empresariais tem sido feita à
custa de tráfico de influência e de adjudicação de empreitadas sem concursos.
Essa será sem dúvida uma das “marcas registadas” do actual governo.
“Capitalistas” gerados por fundos do Tesouro
nacional e que constantemente tem acesso a recursos bancários sem que alguém
pestaneje e se pergunte quando serão pagos obrigam-nos a pensar de onde vem
afinal as suas fortunas. Essas “riquezas” não podem constituir exemplos porque
são afinal “castelos feitos de areia”.
Não tem sido fácil governar um país tão
grande como Moçambique de maneira centralizada. Toda a cadeia hierárquica
estabelecida não possui autoridade nem meios efectivos para exercer suas
funções. Tanto as limitações orçamentais como as directivas existentes, impedem
que mesmo o mais diligente governante tenha êxito na sua acção.
Terá algum significado ou utilidade instituir
a figura de inspector do estado quando este cargo é anulado pelas presidenciais
abertas e inclusivas?
Não se pode falar de inexistência de recursos
humanos com capacidade para desenhar e implementar planos de governarão
adequados à realidade moçambicana. Em tempos muito mais difíceis, como uma
postura diferente dos governantes, produziram-se resultados qualitativamente
diferentes.
Os “comissários políticos” de hoje
esqueceram-se rapidamente do que mobilizava e convencia as pessoas a darem o
melhor de si por uma determinada causa.
A ameaça, o uso do temor como arma para
coagir os funcionários a realizarem seu trabalho tem uma durabilidade reduzida.
Logo que o chefe se ausenta nada se faz e o pouco que se faz é só para irem
justificando o salário auferido.
Sem que o PR visite uma determinada
localidade ou distrito quase certo que tal local se manterá parado no tempo. As
estradas, pistas de aterragem, escolas, centros de saúde e outras
infra-estruturas públicas recebem pinturas e são “envernizadas” por ocasião da
visita do Presidente da República (PR), mas depois dele partir dividem-se as
“comissões”, distribuem-se alguns dos meios adquiridos para suportar e apoiar a
visita presidencial e os funcionários, cada um, passa a dedicar-se ao seu
negócio privado.
Quem não sabe que o gado do fomento é
desviado e dividido entre “os grandes da terra”?
Quem não sabe que as empresas de reparação ou
manutenção de estradas terciárias são de membros do partido no poder escolhidos
a dedo e que dividem comissões com gente bem posicionada na Autoridade Nacional
de Estradas?
Se antes era o “deixa andar” hoje são as
empresas que nascem como cogumelos para acudir as solicitações identificadas
por titulares de cargos públicos de topo.
As falcatruas são tantas que mesmo uma equipa
de ministros distraídos por vezes tem de acordar e mandar cessar fundões a este
ou aquele PCA.
Sectores vitais como o da electricidade,
foram como que entregues a “vampiros”. Mananciais de recursos, sistemas
herdados da potência colonizadora, são inviabilizados para que alguém ganhe uma
comissão choruda com a sua reabilitação. Montam-se sistemas fantasmas de
procurement em que quem ganha as obras são sempre as mesmas empresas. E até a
maior parte das vezes nem há concursos públicos. Já nem disfarçam.
Efectivamente o que se passou durante a III
República foi uma ofensiva de enriquecimento ilícito por muitos dos detentores
do poder.
A montagem do modelo de governação foi de tal
forma rápida e eficiente que num abrir e fechar de olhos todos os
representantes da II república foram retirados da cena e substituídos.
Neste terceira república, um pacote de
instruções renovado passou a governar o país e todos rapidamente se adaptaram
às exigências do novo poder.
Na febre de recuperar o tempo perdido até se
perdeu alguma vergonha ao abocanharem-se recursos públicos para que vingassem
agendas privadas. Hoje Moçambique está salpicado de iniciativas a que o governo
pretende chamar de sinais de desenvolvimento, mas há muitas dúvidas se o que
foi feito teria de facto prioridade sobre outras coisas mais necessárias à
esmagadora maioria dos cidadãos.
Não se pode negar que algumas coisas
aconteceram neste país. Mas da mesma maneira é preciso que se diga que muito
ficou por fazer. A agenda dos governantes até pode estar bem escrita no papel
mas a sua implementação é contrariada todos os dias pela maneira como estes
mesmos governantes conduzem a máquina ao seu dispor. Num ambiente de impunidade
total e de imunidade todos tem estado a “molhar o bico”.
Decerto que corrupção, nepotismo,
autoprotecção serão algumas das heranças deste governo de “choramingões”… (Noé Nhantumbo)
Imagem:
A venda de combustíveis abastece
o governo de impostos que compõe perto da ...
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