"Se não tiverdes cuidado, a mídia vos fará odiar as pessoas que são oprimidas e amar aqueles que as oprimem."
Malcolm X
Confesso que relutei muito em escrever esta nota, mas diante dos vários epítetos que se pretendem atribuir àqueles cujo crime foi mostrar a sua INDIGNAÇÃO em praça pública e em voz alta ficou muito difícil me conter. Não são necessários binóculos nem microscópios para se encontrarem as razões pelas quais os jovens decidiram sair às ruas INDIGNADOS. A razão é simples: existe uma profunda dicotomia entre o paraíso que nos querem fazer crer que vivemos e o verdadeiro calvário que é o nosso quotidiano. O nosso dia a dia são os míseros salários que auferimos e que dificilmente cobrem nossas necessidades elementares; é o desemprego, os concursos públicos viciados e as pensões dos ex-militares que só são pagas a alguns; são os nossos casebres, construídos sabe-se lá com que sacrifício, impiedosamente demolidos; é a luz que falta e a água potável que não temos; as crianças que morrem aos montes em pediatrias,( temos aliás das piores taxas de mortalidade infantil e não há sinais consistentes de que isso se pode alterar); são os nossos hospitais públicos em estado deplorável, onde aliás, nenhum governante se atreve a dirigir-se para encontrar cura; é o deus nos acuda quando temos que escolher a escola dos nossos filhos, porque creches, quando eles são mais novos, é privilégio para iluminados; são nossos serviços serviços que funcionam na lei da gasosa, por isso, o título de propriedade do nosso carro, comprado com potes e potes de suor, só sai quando o carro já virou sucata. O nosso dia a dia, é o "pente" dos polícias, quando tentamos ganhar a vida como candongueiros; é a corrida das zungueiras, é o negócio açambarcado pelos fiscais, é o trânsito infernal, são os mosquitos que interrompem o nosso sono, por causa dos charcos que abundam cidade adentro, é a malária, são os cemitérios abarrotados...todos os dias morremos e já ninguém se preocupa em saber a causa, é só mais um AVC se calhar, é só mais um angolano que morre jovem, não tem importância nenhuma... é este o nosso quotidiano. Dele ninguém precisa nos falar porque vivemos, experimentamos na pele todos os dias, mesmo que hoje fugimos dele a custa de uma bebedeira, amanhã ele virá mais forte ainda, porque com a bebedeira, gastamos o dinheiro que serviria para o leite das crianças.
O que nos deixa indignados é que mesmo com esta experiência quotidiana implacável pretendem nos fazer crer que vivemos num paraíso, que os Zangos são um jardim do Éden, que todos temos acesso às casas do Kilamba, a menos que não queiramos, que a corrupção sistêmica só existe nas nossas mentes deturpadas e temos que assistir calados a ostentação despudorada por pessoas que sabidamente subtrairam dinheiro dos cofres públicos para proveito próprio. Se os órgãos de comunicação públicos, que se sustentam com o nosso dinheiro, não passam as vozes indignadas e só veiculam a voz do tal PARAÍSO o que resta afinal aos indignados? Calar-se?
A Constituição de Angola, no seu art. 47º consagra o direito à manifestação, fá-lo de forma límpida e cristalina e não dá margem para quaisquer outras interpretações. É só e apenas no exercício deste direito constitucionalmente consagrado que os indignados decidiram se manifestar e erguer as vozes da indignação.Cada um tem o direito de ter a sua visão de Angola: existem os privilegiados, cujo quotidiano é diferente do nosso, por isso não têm porque se indignar, tudo bem; existem os que sofrem mas, que entendem que manifestação não resolve, é um direito que lhes assiste,( ninguém aliás forçou quem quer que seja a se manifestar); e existem aqueles cuja indignação cresceu tanto que já não pode ser contida, a estes a lei confere o direito à manifestação. Então não dá para cobrir com epítetos vis os que optaram por se manifestar. Existe a tendência a estabelecer um paralelo entre os acontecimentos de Londres e esta última manifestação em Luanda o que na minha opinião é um equívoco; os acontecimentos em Londres emergiram, pode-se dizer, espontaneamente, na sequência de actos repressivos pela polícia em bairros pobres. A manifestação de Luanda foi previamente comunicada às autoridades e a polícia pode, por isso, colocar no local o dispositivo necessário para garantir segurança aos manifestantes e evitar tumultos. Pretende-se responsabilizar os jovens pelos tumultos que se seguiram, mas ignora-se a introdução de agentes armados estranhos que ostensivamente procuraram provocar os manifestantes tendo mesmo raptado um deles, o que resultou na decisão extemporânea, diga-se, de estender a manifestação para um lugar "sensível". Não há notícias de que os poucos que assim decidiram fazer tenham atentado contra propriedade alheia como os actos de puro vandalismo que se assistiram em Londres. Mesmo assim, as marcas de violência, sobre os maifestantes são visíveis demais para serem escondidas. Mas, mesmo admitindo que a Polícia tinha razão e por isso precisava fazer a detenção, não se justifica a forma como os detidos foram tratados posteriormente, impedindo o acesso a eles por familiares e advogados e, pior ainda, mentindo descaradamente sobre o seu verdadeiro paradeiro. O que dizer de tão flagrante violação da Lei vinda de uma instituição que deveria ser o garante da Ordem e Tranquilidade? Como não se indignar diante deste quadro?
As detenções de quinta-feira, 08/09/2011, eivadas também, de violações flagrantes à lei deixam claro que o problema não é a ordem pública que foi perturbada, mas, a necessidade escondida de se calarem as vozes indignadas. Neste caso, estaremos diante de verdadeiros presos políticos, o que seria uma verdadeira subversão do Estado democrático e de direito que a Constituição de 2010 consagra.
São legítimos os receios de que manifestações possam resultar em instabilidade social e mesmo política, mas deterioração acentuada da situação só ocorrerá se as autoridades procurarem abafá-las ultrajando os fundamentos do estado de direito. As verdadeiras democracias encontram espaço próprio e válvulas de escape para amenizar estas tensões. Mas se as autoridades preferirem enfrentar o problema subvertendo a democracia certamente só conseguirão que a tensão cresça e a situação se deteriore ainda mais. Assim, a responsabilização por eventual deterioração da situação não puderá ser assacada aos manifestantes, mas sim às autoridades, pela forma como têm vindo a conduzir a situação. Nada pior nestes processos do que criar mártires e nestas circunstâncias prisões e mortes são ingredientes para os criar. Isso explica, de resto, os movimentos inusitados registados em torno do Tribunal, no passado dia 08/09. As autoridades são assim chamadas a fazerem leituras inteligentes da situação para que se evitem situações que elevem a tensão social buscando no quadro do Estado de democrático e de direito as saídas necessárias para o diferendo.
DEIXEM-NOS MANIFESTAR A NOSSA INDIGNAÇÃO, SOLTEM TODOS OS DETIDOS!
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