sábado, 11 de fevereiro de 2012

Tribunal Supremo recebe providência cautelar para suspensão dos actos administrativos de Suzana Inglês


AOS VENERANDOS JUIZES DA CÁMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL SUPREMO DA REPÚBLICA DE ANGOLA
A UNITA, com sede em Luanda na Travessa da Maianga nº 2-A, Município de Luanda e o Partido de Renovação Social (PRS), com sede em Luanda, no Bairro Mártires de Kifangondo, Rua nº 1, casa 33 B, Município de Luanda;

Vêm, nos termos do artigo 1º da Lei nº 8/96, de 19 de Abril, intentar a presente

PROVIDÊNCIA CAUTELAR PARA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO

do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), que designa a Dra. Suzana António da Conceição Nicolau Inglês para Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

DOS FACTOS

Os Requerentes são Partidos Políticos com assento parlamentar, promotores e partícipes da negociação multipartidária que resultou na aprovação por unanimidade da Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.

Essa lei atribui ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) a incumbência de designar, mediante concurso curricular, o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), os Presidentes das Comissões Provinciais Eleitorais e os Presidentes das Comissões Municipais Eleitorais.
O CSMJ abriu concurso curricular para o provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral em 23 de Dezembro de 2012 (Doc. nº 1), nomeou o júri e elegeu o Decreto Presidencial nº 102/11, de 23 de Maio – que estabelece os princípios gerais sobre recrutamento e selecção de candidatos para a Administração Pública – para regular o respectivo concurso.

O júri do concurso divulgou os requisitos de admissão ao concurso. Porém, não publicou os critérios que estabeleceu e observou quer para a avaliação dos candidatos quer para a selecção da pessoa que a Nação espera ser o primeiro garante da lisura, imparcialidade, legalidade e transparência dos processos eleitorais.

Através da Resolução sem número de 17 de Janeiro de 2012, o Conselho Superior da Magistratura Judicial decidiu designar a advogada Suzana António da Conceição Nicolau Inglês – conhecida na comunidade pela sua filiação decenal e activa nas estruturas do Partido Político MPLA e pelo exercício do cargo público de Presidente da CNE desde Setembro de 2010 –, que não é magistrada judicial, não pertence a nenhum órgão judicial e não exercia funções judiciais à data da designação, para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

A fundamentação jurídico-legal da decisão do CSMJ, tomada aos 17 de Janeiro, foi produzida em 23 de Janeiro de 2012 (Doc. nº 2), e comunicada aos Requerentes, após reclamação, por via do ofício número 06/008/CSMJ/12 datado de 23 de Janeiro de 2012 (Doc. nº 2), dirigido ao Digno Presidente da Assembleia Nacional, e também pessoalmente, pelo Digno Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, no dia 24 de Janeiro de 2012.

SOBRE O PROCEDIMENTO E O MÉTODO DE SELECÇÃO
SEGUIDOS PELO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA JUDICIAL

Na sua fundamentação, o CSMJ alega ter designado a Dra. Suzana Inglês nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 143º, da Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro – Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.

Tal designação, porém, não pode ter sido feita nos termos da referida disposição legal, porquanto:

1. A pessoa a designar deve ser magistrado judicial e pertencer a um órgão judicial; ora, a Dra. Suzana Inglês não é magistrado judicial e não pertence a um órgão judicial.

2. A pessoa a designar deve estar no exercício da função judicial no momento da designação; ora, a Dra. Suzana Inglês exercia e exerce funções não judiciais num órgão não judicial, a CNE.

3. A pessoa a designar deve suspender as suas funções judiciais após designação como Presidente da CNE. Ora, a Dra. Suzana Inglês não pode suspender funções judiciais porque não as exerce.

4. A decisão sobre a designação do Presidente da CNE deve ser feita mediante “concurso curricular”. Ora, a decisão do CSMJ não respeitou os termos legais estabelecidos para a efectivação do concurso curricular.

No Aviso que publicou em 23 de Dezembro de 2012, o Conselho Superior da Magistratura Judicial comprometeu-se a efectuar o concurso para o provimento do lugar de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral “nos termos do Decreto Presidencial nº 102/11, de 23 de Maio”. Todavia, os factos indiciam que tais termos não foram observados, nomeadamente:

a) O despacho de abertura do concurso (Aviso) não foi publicado em meios expeditos no seio da magistratura judicial (única destinatária) de forma a permitir de forma célere o conhecimento do seu conteúdo, como manda o número 2 do art.º 5º do referido Decreto, não obstante a sua publicação no Jornal de Angola, durante apenas um (1) dia, o dia 26 de Dezembro de 2011;

b) A publicação do despacho de abertura do concurso (“Aviso”) num só veículo de comunicação pública durante apenas um dia não permitiu a observância do princípio da “igualdade de condições e de oportunidade para todos” os potenciais candidatos - consagrado na alínea b) do nº 1 do artº 3º do referido Decreto -, principalmente para a grande maioria de magistrados judiciais candidatos, cuja residência não é a província de Luanda;

c) Não foi publicada a lista dos candidatos admitidos a concurso tal como mandam os artigos 15º e 16º do referido Decreto;

d) Não foram divulgadas as provas a utilizar nem os critérios, técnicas e métodos objectivos de avaliação das capacidades dos candidatos para a função, como estabelecido nas alíneas c) e d), do nº 1 do art.º 3º e no nº 2, do art.º 4º do referido Decreto;

e) O despacho de abertura do concurso não indicou o local de afixação das listas de candidatos e dos resultados do concurso, como manda a alínea g) do art.º 6º do referido Decreto;

f) O CSMJ fixou em 10 (dez) dias o prazo para apresentação de candidaturas, o que corresponde a um “concurso de acesso”, nos termos do art.º 10º do aludido Decreto;

g) Sendo um concurso de acesso, a “ordem de provimento” (ou tomada de posse) não pode ocorrer antes de decorrido o prazo de 15 dias úteis a contar da data da publicação da lista final, como estabelece o nº 3 do art.º 25º do aludido Decreto;

h) Ora, este prazo não foi respeitado;

i) De facto, a candidata Suzana Inglês “foi declarada vencedora” em 17 de Janeiro de 2012, tendo a sua tomada de posse perante a Assembleia Nacional sido organizada em tempo record e consumada 8 dias depois, em 25 de Janeiro de 2012, à margem da lei (Doc. nº 3);

SOBRE OS ERROS NA SELECÇÃO DA CANDIDATA

10º
A Dra. Suzana Nicolau Inglês, inscrita na Ordem dos Advogados de Angola sob o número 130, concorrente avaliada pelo CSMJ com a “melhor classificação”, não pode ser designada Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, porquanto não é magistrada judicial, há mais de 19 anos; exerce advocacia e estava no Conselho Superior da Magistratura exactamente como advogada; não estava no exercício da função judicial no momento da designação; e, consequentemente,

11º
Não foi legitimamente designada pelo CSMJ, em virtude de não preencher os requisitos que a lei impõe;

12º
De acordo com o Curriculum Vitae da candidata Suzana Inglês, então publicado na página oficial da Comissão Nacional Eleitoral (Doc. nº 4), a advogada “foi membro, até há um ano atrás, do Comité Nacional da OMA, braço feminino do partido MPLA, o que só por si demonstra não ter as qualidades de apartidária, independente e imparcial, próprias de um magistrado judicial no pleno exercício das suas funções”.

13º
Segundo a imprensa, Novo Jornal Nº 208, de 13 de Janeiro de 2012 (Doc. nº 5), a Dra. Suzana Inglês terá solicitado a sua reintegração como magistrado judicial, poucos dias antes de submeter a sua candidatura ao concurso curricular.

14º
Essa acção demonstra claramente a intenção de se defraudar a lei, em virtude de a mesma impor a reserva de candidatura para o provimento do Presidente da Comissão Nacional Eleitoral aos magistrados judiciais em funções judiciais.

15º
Em suma, os Requerentes entendem haver violação dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, tendo a decisão do júri sido determinada por erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo patente a existência de ofensa de princípios fundamentais (respaldados inclusive, na Constituição) e de erro manifesto e inobservância de aspectos vinculados.

16º
Importa recordar que Suzana Inglês foi chefe de Sector do Departamento de Quadros do Ministério da Justiça, cargo para o qual fora nomeada em 9 de Maio de 1985 e do qual foi exonerada em 13 de Novembro de 1985, para depois ser nomeada, nessa mesma data, “por conveniência de serviço”, juiz de direito do Tribunal de Menores e de Execução de Penas da Comarca de Luanda (...) ”, lê-se no despacho de nomeação exarado pelo Ministro da Justiça.

17º
Cerca de três anos depois da nomeação, o órgão judicial onde a juíza Suzana Inglês exercia a magistratura judicial foi extinto por força da lei 18/88, que extinguiu assim o Tribunal de Menores e de Execução de Penas da Comarca de Luanda: “Consideram-se extintos os tribunais que não foram instituídos ou previstos na presente lei, devendo a sua conversão e afectação de pessoal e meios, constar de diploma regulamentar” (artigo 116º).

18º
Segundo o DR nº 9, II Série, de 4 de Março de 1994, a Dra. Suzana Inglês fora exonerada do cargo de juiz a seu pedido, em 1992 (Doc. nº 6).

19º
Todavia, o CSMJ afirma agora em Janeiro de 2012, que a Dra. Suzana Inglês não cessou as suas funções de magistrada, “não tendo, por conseguinte a candidata perdido a sua qualidade de Magistrada Judicial. Pelas razões invocadas, a Sra. Dra. Suzana António da Conceição Nicolau Inglês é para todos os efeitos Magistrada Judicial”. As razões que invoca são particularmente quatro:

1) o Ministro da Justiça não tinha competência para a exonerar, por força do disposto na Lei Constitucional;

2) o estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público (Lei nº 7/94, de 29 de Abril) estabelece que os magistrados são nomeados vitaliciamente e somente cessam funções no dia em que for publicado no Diário da República a decisão da sua desvinculação;

3) a exoneração foi feita ao arrepio da lei, constitui um acto ferido de inexistência jurídica e como tal insusceptível de produzir quaisquer efeitos legais, porque dimanada por entidade destituída de competência; e,

4) o acto de exoneração, “ainda que fosse válido, não foi publicado no jornal oficial competente, não tendo portanto a Magistrada em causa cessado funções, e não tendo, por conseguinte a candidata perdido a sua qualidade de Magistrada”.

20º
Nenhuma destas razões tem suporte legal, porquanto:

a) a competência para o Ministro da Justiça praticar o acto de exoneração da então juíza Suzana Inglês, em 26 de Novembro de 1992, foi-lhe conferida pelo artigo 45º da lei nº 18/88, de 31 de Dezembro, nos termos seguintes: “Enquanto não forem eleitos, os Juízes presidentes e os demais juízes dos Tribunais Provinciais são nomeados e exonerados pelo Ministro da Justiça, ouvido o presidente do Tribunal Popular Supremo”. Esta lei não foi revogada pela Lei Constitucional de 1992. A sua alegada inconstitucionalidade, não foi arguida por quem de direito;

b) a juíza Suzana Nicolau Inglês, não foi “nomeada vitaliciamente”, nos termos da Lei nº 7/94, de 29 de Abril, porque na ordem jurídico-constitucional vigente à data da nomeação (13 de Novembro de 1985), os juízes eram nomeados e exonerados a termo. Logo, a referida lei de 1994, não é aplicável, porque não retroage;

c) o Tribunal para onde a Dra. Suzana Inglês fora designada foi extinto em 1988;

d) a Dra. Suzana Inglês foi exonerada da magistratura judicial, a seu pedido, por despacho de 26 de Novembro de 1992, por quem tinha competência legal para o fazer, o Ministro da Justiça;

e) o despacho de exoneração da Dra. Suzana António da Conceição Nicolau Inglês, do cargo de Juiz de Direito do Tribunal de Menores e da Execução de Penas da Comarca de Luanda, foi publicado no Diário da República nº 9, II Série, de 4 de Março de 1994;

f) a Dra. Suzana Inglês nunca mais foi nomeada para outras funções judiciais;

g) a Dra. Suzana Inglês, a partir de 1992, decidiu exercer outras funções, entre as quais a advocacia.

DO PERICULUM IN MORA

21º
O acto administrativo praticado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, por ter sido proferido com base em critérios estabelecidos ad hoc, enferma de vício de violação de lei, por violação do princípio da legalidade, do princípio da justiça e da imparcialidade, sendo, portanto, anulável.

22º
No entanto, o seu acto administrativo ferido de ilegalidade, já está a produzir efeitos jurídicos.

23º
De sublinhar que a conduta do Conselho Superior da Magistratura Judicial constitui um grave atentado ao Direito, uma forte ameaça à segurança jurídica dos cidadãos e à segurança do Estado Democrático de direito. E mais;

24º
Há, efectivamente, um fundado receio por parte dos Requerentes, que a espera por uma decisão no processo “principal” acarretará prejuízos irreparáveis – porque irreversíveis –, ou de muito difícil reparação.

25º
O acto ilegal e fraudulento do Conselho Superior da Magistratura Judicial agride a independência do poder judicial e consequentemente, traz ao País, ao Estado e à Nação prejuízos de difícil reparação.

26º
Pois que dificilmente o País terá um processo eleitoral credível, transparente, competitivo, livre e justo.

27º
Além de que a selecção da advogada Suzana Nicolau Inglês para o cargo de Presidente da CNE, é ilegal e fraudulenta.

REPERCUSSÕES DO VÍCIO

28º
Há, portanto, um fundado perigo de os processos em curso de selecção e designação dos presidentes das Comissões Provinciais Eleitorais e das Comissões Municipais Eleitorais estarem eivados dos mesmos vícios de ilegalidade e ilegitimidade.

29º
Estando feridos de ilegitimidade e de ilegalidade o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral e os presidentes de todos os seus órgãos locais, todos os actos que vierem a praticar são impugnáveis, o que à partida periga a estabilidade do Pais e os fundamentos do Estado Democrático de direito.

CONCLUSÃO
30º
Os factos permitem-nos concluir que a designação da Dra. Suzana António da Conceição Nicolau Inglês para o cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral é ilegal, porque a mesma não satisfaz os requisitos legais (Lei nº 36/11) para o cargo e porque o órgão que a designou não respeitou os métodos e procedimentos de selecção estabelecidos pela mesma lei que escolheu para governar o processo de abertura, condução e conclusão do concurso curricular (Decreto Presidencial nº 102/11).

PEDIDO

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o mui suprimento de V. Excia, deverá a presente providência ser julgada procedente, e em consequência ser decretada a suspensão da eficácia do acto pelo qual foi designada ilegalmente a Dra. Suzana Inglês para Presidente da Comissão Nacional Eleitoral. Para tanto, deverá a Dra. Suzana Inglês ser citada, devendo a citação referir-se expressamente à proibição de continuar a exercer as funções ora designadas pelo CSMJ.

Junta: Documentos, procuração forense, duplicados legais.
Prova documental:

• Documento nº 1 – Cópia do recorte de Jornal de Angola com o Aviso de Concurso Público Curricular para o Provimento do lugar de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, de 26 de Dezembro de 2011.

• Documento nº 2 – Cópia do Ofício nº 06/008/CSMJ/12, de 23 de Janeiro de
2012.

• Documento nº 3 – Cópia do recorte do Jornal de Angola com a notícia da tomada de posse perante a Assembleia Nacional da Dra. Suzana Inglês como Presidente da CNE.

• Documento nº 4 – Cópia do Curriculum Vitae da Dra. Suzana Inglês retirado do sítio da CNE na Internet no dia 20 de Janeiro de 2012.

• Documento nº 5 – Cópia do semanário Novo Jornal nº 208, de 13 de Janeiro de 2012.

• Documento nº 6 – Cópia do Diário da República nº 9, II Série, de 4 de Março de 1994.

O ADVOGADO
CASIMIRO CALEI
Inscrito na Ordem Advogados de Angola sob o Nº 221
Contribuinte nº 100152632BE0159

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