quinta-feira, 14 de março de 2013

“Ausência de escrúpulos e hipocrisia nossa que nos caracteriza hoje enquanto governamos”


Sensibilidade selectiva! Canal de Opinião. Por: Matias Guente
  
Maputo (Canalmoz) – “Ausência de escrúpulos e hipocrisia nossa que nos caracteriza hoje enquanto governamos”. Este refrão deverá, nos próximos dias, ser registado no Instituto da Propriedade Intelectual e a autoria deverá ser atribuída ao Governo moçambicano, para efeitos de testemunho em caso de provável confusão nos direitos autorais.
É que por estes dias deve estar na moda no Governo e nas personalidades mais achegadas ao poder, fazer declarações mergulhadas algures num poço de sensibilidade para condenar a brutalidade policial sul-africana por ter morto o cidadão moçambicano Emídio Macie. O governante e/ou personalidade que não alcançar um microfone da Imprensa para condenar a polícia sul-africana não está na moda. Por isso mesmo que a condenação pública à atitude da polícia da “terra do rand” atingiu um estágio de oração religiosa que deverá ser repetida por todos os crentes pelo menos enquanto a morte de Emídio continuar na moda dos nossos dirigentes. Há até os que exageram na dose da oração, típico mesmo de fanáticos religiosos, que até sugerem molduras penais que devem ser aplicadas pelo juiz. Resumindo: os nossos dirigentes andam todos apossados por um espírito de sensibilidade humana tal, que até podem aproveitar a mesma unção para concorrer, por estes que por sorte calha bem, ao posto de Sumo Pontífice.
Só que a sensibilidade dos nossos dirigentes leva em anexo uma brutal amnésia propositada que nos faz concluir que tudo não passa de um festival de hipocrisia que nos é servido a partir dos camarins.
É que, pessoalmente, não entendo como é que os ministros de Guebuza estão chocados com aquela brutalidade se cá a nossa Polícia faz coisas piores com os nossos próprios cidadãos. Das duas uma: ou todos os ministros devem declarar incapacidade para com a mais breve urgência serem internados por amnésia mórbida ou estamos perante hipócritas da mais refinada espécie. E é bem provável que a segunda hipótese seja validada se atestarmos junto do nosso modus vivendi.
Muito recentemente a Força de Intervenção Rápida (FIR) espancou idosos pertencentes ao Fórum dos Desmobilizados de Guerra pelo simples facto destes terem ido acampar no Circuito de Manutenção Física António Repinga, junto ao Gabinete do Primeiro-Ministro a exigir um direito legítimo. Nenhum governante foi alfinetado pela sensibilidade. Mais grave: o vice-ministro do Interior veio aplaudir a violência policial contra aqueles idosos, supostamente porque não tinham razões para protestar.
Em princípios de Setembro de 2010 e dias posteriores, mais uma imagem correu o mundo como inequívoco testemunho da forma selvagem como actua a nossa Polícia. Uma cabeça de um menor, desfeita por uma bala disparada por um agente da Polícia. A FIR tinha tirado a vida ao pequeno Hélio quando regressava da escola. Nenhum dirigente ficou sensível à tamanha selvajaria.
Num passado recente a mesma FIR espancou, sem piedade, a população de Cateme, quando reclamava melhores condições de reassentamento. Imagens chocantes correram o mundo, mas naquela altura provavelmente Guebuza não tinha ordenado aos seus ministros e fantoches afins para serem sensíveis. Logo: ninguém se recordou de ter sensibilidade.
Só para fechar a enciclopédia de exemplos, na tarde da última sexta-feira, agentes da Polícia espancaram até à morte, no mercado grossista do Zimpeto um adolescente que vendia caldo pelo simples facto deste não ter tido na altura 5 meticais para pagar a taxa de mercado.
Ninguém condenou nem evocou a mais nova lei da sensibilidade porque também a nenhum dirigente interessa.
Portanto, os nossos dirigentes e seus apoiantes são sensíveis quando é a Polícia estrangeira a demonstrar brutalidade e até nos damos a displicência de dar aulas de um suposto “civismo policial”, matéria que a existir, nunca leccionamos aos nossos agentes. Quando a mesma acontece dentro das nossas fronteiras já não dá para ser sensível. Sensibilidade hipócrita esta dos nossos dirigentes. Está claro que a movimentação que estão a fazer em torno da morte do jovem Emídio Macie é mesmo que o tramitar de um expediente político que não recorda o próprio diabo.
A sensibilidade não pode actuar com base em conversores. Ela é universal enquanto qualidade humana. A sensibilidade não pode ser activada quando a crueldade se dá na África do Sul e desactivada quando a mesma violência se dá cá entre nós. Isso não se chama sensibilidade. É apenas um número da mais áspera hipocrisia, arte que do resto o Governo moçambicano dá a cada dia que passa, mostras de possuir um invejável talento. (Matias Guente)
PS: Um patriótico abraço à família do jovem Emídio Macie e a do jovem que perdeu a vida no mercado do Zimpeto, neste momento de muita dor e consternação!

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