Sensibilidade selectiva! Canal de Opinião. Por: Matias Guente
Maputo
(Canalmoz) – “Ausência de escrúpulos e hipocrisia nossa que nos caracteriza
hoje enquanto governamos”. Este refrão deverá, nos próximos dias, ser registado
no Instituto da Propriedade Intelectual e a autoria deverá ser atribuída ao
Governo moçambicano, para efeitos de testemunho em caso de provável confusão
nos direitos autorais.
É
que por estes dias deve estar na moda no Governo e nas personalidades mais
achegadas ao poder, fazer declarações mergulhadas algures num poço de
sensibilidade para condenar a brutalidade policial sul-africana por ter morto o
cidadão moçambicano Emídio Macie. O governante e/ou personalidade que não
alcançar um microfone da Imprensa para condenar a polícia sul-africana não está
na moda. Por isso mesmo que a condenação pública à atitude da polícia da “terra
do rand” atingiu um estágio de oração religiosa que deverá ser repetida por
todos os crentes pelo menos enquanto a morte de Emídio continuar na moda dos
nossos dirigentes. Há até os que exageram na dose da oração, típico mesmo de
fanáticos religiosos, que até sugerem molduras penais que devem ser aplicadas
pelo juiz. Resumindo: os nossos dirigentes andam todos apossados por um
espírito de sensibilidade humana tal, que até podem aproveitar a mesma unção
para concorrer, por estes que por sorte calha bem, ao posto de Sumo Pontífice.
Só
que a sensibilidade dos nossos dirigentes leva em anexo uma brutal amnésia
propositada que nos faz concluir que tudo não passa de um festival de
hipocrisia que nos é servido a partir dos camarins.
É
que, pessoalmente, não entendo como é que os ministros de Guebuza estão
chocados com aquela brutalidade se cá a nossa Polícia faz coisas piores com os
nossos próprios cidadãos. Das duas uma: ou todos os ministros devem declarar
incapacidade para com a mais breve urgência serem internados por amnésia
mórbida ou estamos perante hipócritas da mais refinada espécie. E é bem
provável que a segunda hipótese seja validada se atestarmos junto do nosso
modus vivendi.
Muito
recentemente a Força de Intervenção Rápida (FIR) espancou idosos pertencentes
ao Fórum dos Desmobilizados de Guerra pelo simples facto destes terem ido
acampar no Circuito de Manutenção Física António Repinga, junto ao Gabinete do
Primeiro-Ministro a exigir um direito legítimo. Nenhum governante foi
alfinetado pela sensibilidade. Mais grave: o vice-ministro do Interior veio
aplaudir a violência policial contra aqueles idosos, supostamente porque não
tinham razões para protestar.
Em
princípios de Setembro de 2010 e dias posteriores, mais uma imagem correu o
mundo como inequívoco testemunho da forma selvagem como actua a nossa Polícia.
Uma cabeça de um menor, desfeita por uma bala disparada por um agente da
Polícia. A FIR tinha tirado a vida ao pequeno Hélio quando regressava da
escola. Nenhum dirigente ficou sensível à tamanha selvajaria.
Num
passado recente a mesma FIR espancou, sem piedade, a população de Cateme,
quando reclamava melhores condições de reassentamento. Imagens chocantes
correram o mundo, mas naquela altura provavelmente Guebuza não tinha ordenado
aos seus ministros e fantoches afins para serem sensíveis. Logo: ninguém se
recordou de ter sensibilidade.
Só
para fechar a enciclopédia de exemplos, na tarde da última sexta-feira, agentes
da Polícia espancaram até à morte, no mercado grossista do Zimpeto um
adolescente que vendia caldo pelo simples facto deste não ter tido na altura 5
meticais para pagar a taxa de mercado.
Ninguém
condenou nem evocou a mais nova lei da sensibilidade porque também a nenhum
dirigente interessa.
Portanto,
os nossos dirigentes e seus apoiantes são sensíveis quando é a Polícia
estrangeira a demonstrar brutalidade e até nos damos a displicência de dar
aulas de um suposto “civismo policial”, matéria que a existir, nunca
leccionamos aos nossos agentes. Quando a mesma acontece dentro das nossas
fronteiras já não dá para ser sensível. Sensibilidade hipócrita esta dos nossos
dirigentes. Está claro que a movimentação que estão a fazer em torno da morte
do jovem Emídio Macie é mesmo que o tramitar de um expediente político que não
recorda o próprio diabo.
A
sensibilidade não pode actuar com base em conversores. Ela é universal enquanto
qualidade humana. A sensibilidade não pode ser activada quando a crueldade se
dá na África do Sul e desactivada quando a mesma violência se dá cá entre nós.
Isso não se chama sensibilidade. É apenas um número da mais áspera hipocrisia,
arte que do resto o Governo moçambicano dá a cada dia que passa, mostras de
possuir um invejável talento. (Matias Guente)
PS: Um patriótico abraço à família do jovem Emídio Macie e
a do jovem que perdeu a vida no mercado do Zimpeto, neste momento de muita dor
e consternação!
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