sábado, 9 de março de 2013

O emaranhado que comanda o sistema judicial deve ser equacionado e questionado com urgência…


Canal de Opinião. Por: Noé Nhantumbo

Nó que emperra o processo político em Moçambique precisa de ser encontrado, desatado, desactivado em definitivo…

Blindagem e controle em absoluto do sistema judicial determinam e produzem impunidade…

Beira (Canalmoz) - Cada passo que Moçambique dá acaba logo depois em passo não dado ou concretizado, na verdade. Os arranjos ou acordos assinados contêm premissas para a sua anulação ou para o não cumprimento do acordado. Com a justiça blindada a democracia esfuma-se… 
De uma maneira insidiosa e persistente, surgem sinais indicativos de que os próximos tempos poderão ser difíceis, complicados e por que não dizer violentos. Os condimentos para que isso aconteça têm sido reunidos há já muitos anos num processo lento mas inexorável.
Os estrategas do regime no poder souberam de maneira indisfarçável blindar o aparelho judicial de tal modo que nada acontece sem que as altas instâncias partidárias aceitem ou concordem. As pedras do sistema judicial foram colocadas no tabuleiro de modo tão consistente com a agenda desejada que não resta possibilidades práticas para que surjam alterações concretas nos procedimentos vigentes ao nível governativo.  
Aquele teatro judicial que se tem seguido a todos os pleitos eleitorais, em que as reclamações legítimas de opositores não são tratadas a contento, em que legalismos convenientes são explorados e estabelecidos como factos, tem sustentação no domínio completo que alguém possui, do aparelho judicial nacional. Não se pode pensar nem em “sonho” que os comandos do sistema judicial validem pretensões legítimas da oposição. Isso tem sido comprovado pelas deliberações dos órgãos nos últimos anos. 
Não se pode falar de problemas de hoje sem nos referirmos a sua génese. As “cartas foram baralhadas e distribuídas” de maneira abertamente contrária os preceitos democráticos. O facto de isso não ser formalmente reconhecido nem tratado na comunicação social não significa que não esteja acontecendo. 
Logo à partida, os detentores do poder governamental organizaram-se no sentido de garantir que o controle dos instrumentos e órgãos de decisão não saíssem de suas mãos.
Os retrocessos e hesitações frequentes, sempre que se tem de decidir no sentido de um desenvolvimento mais abrangente e com impacto visível na vida dos cidadãos são patentes. Verifica-se um recuo e recusa por parte dos que supõem que ceder aos imperativos democráticos seria perder protagonismo e eventualmente o poder.
Não é fácil diagnosticar as causas dos desarranjos institucionais e orgânicos no país. Passado algum tempo após a assinatura do tristemente famoso AGP é possível ver qual foi a motivação dos actores naquele histórico acordo. Todos queriam sair vencedores num processo em que a superioridade de uns era militar e a de outros era política, diplomática. Uns estavam convencidos de que a vitória militar ou os êxitos que garantiram a inviabilização de um regime que não estava habituado a ceder, fosse o suficiente para ascenderem ao poder político e governamental em Moçambique.
Outros se prepararam e organizar no sentido de assegurar a continuação de seu domínio nas instituições encarregues da validação doa actos governativos e eleitorais.
Desde sempre que quem domina nos corredores da justiça moçambicana tem sido figuras fiéis e obedientes ao partido Frelimo. Concordam com esta afirmação?
Uma das heranças do regime de partido único vigente logo após a proclamação da independência de Moçambique foi sem dúvidas um sistema judicial politicamente motivado e bem distante de conceitos e práticas como o respeito pelos direitos políticos e económicos dos cidadãos. Direitos humanos sempre estiveram longe da abordagem adoptada pelo poder em 1975.
Só quem não viveu os primeiros anos da independência moçambicana é que poderá ignorar o tipo de justiça que era administrada no país.       
Um movimento de oposição com uma história de êxito no campo da guerrilha, da guerra, não conseguiu construir uma capacidade de entender e interpretar os dossiers jurídicos e suas implicações práticas. Isso teve como consequência directos desaires eleitorais de difícil explicação. A tese da fraude e manipulação jamais largou o país. Diga-se em abono da verdade que há muito “fumo escuro” rodeando os processos eleitorais em Moçambique. Mas com o partido no poder em Maputo comandando e “puxando os cordelinhos”, toda a máquina administrativa e judicial tem tomado decisões a favor dele.   
É como que dizer que a Frelimo organizou estrategicamente “a cama em que a Renamo aceitou deitar-se” sem aperceber-se que se tratava de uma armadilha.
Alguns dirão que o ex-beligerante, opositor político no processo multipartidário que se iniciava terá “embandeirado em arco”. Outros dirão que houve nas hostes da oposição política uma manifesta recusa em integrar conselheiros e peritos em assuntos judiciais que se tornaram de crucial importância como logo se viu. Outras teses podem existir e a realidade pode ser diferente de todas elas. O crescimento da musculatura política é processo que leva o seu tempo. A maturidade política e a capacidade de criar mecanismos de participação alargada na esfera política são fenómenos exigindo uma clarividência nem sempre disponível. Política activa é um processo de aprendizagem permanente em que da parte da liderança se exige uma atenção e alerta permanente. Quem “dorme na sombra da bananeira em política acaba como o camarão que dorme”.
Lutas intestinas e provocações por agentes de inteligência externos minaram ou corroerão alguma coesão que existia no principal partido de oposição em Moçambique. A Renamo enfraqueceu-se em momentos políticos vitais.
Com uma liderança pouco disposta a admitir ou permitir o florescimento de alas no seio de seu partido, viu-se figuras proeminentes sendo excluídas e quadros afastando-se. Não temos conhecimento qualificado sobre o que aconteceu mas a verdade é que a saída de alguns políticos trouxe para a opinião pública uma imagem de um partido com problemas.
Em geral o país possui uma cultura política incipiente e a maioria dos cidadãos não se preocupa em analisar as maquinações e jogadas dos bastidores políticos.
Quem tenha uma massa crítica de quadros posicionada em lugares nevrálgicos como o aparelho judicial sai em vantagem numa competição como um pleito eleitoral.    
O controlo da máquina judicial, dos mecanismos de decisão dos recursos, tem permitido limitar a participação da oposição nos pleitos eleitorais.
Se no último ciclo eleitoral a Renamo e o MDM foram excluídos de participar em muitos círculos eleitorais isso tem reflexos na composição dos órgãos eleitos. A Assembleia Provincial de Sofala tem a sua actual composição exactamente porque muitos candidatos da oposição foram eliminados antes do voto.
Esta maneira de organizar vitórias eleitorais antecipadas só pode acontecer em circunstâncias em que o controle do sistema judicial se apresenta assimétrico e inquinado na sua génese.
Todos os abusos de meios do Estado para realizar campanhas político-eleitorais, documentados jamais foram investigados pela Procuradoria-Geral da República. A utilização de dinheiro do Ministério das Finanças para proceder a pagamentos de propaganda da Frelimo em Inhambane, por exemplo, jamais mereceu tratamento apropriado e legal de quem de direito.
Um vice-ministro foi encontrado utilizando viatura do Estado numa altura em que se encontrava fazendo campanha eleitoral de seu partido em Cuamba. Falou-se do caso mas sem consequências por aí além…
Engana-se quem pensa que a democracia é um processo que se concretiza sem que seus sujeitos abdiquem de vícios do passado monopartidário. 
A carga cultural transportada pelos “políticos” moçambicanos, pelos que se querem manter no poder a qualquer custo está interferindo abertamente com a agenda proclamada.
Moçambique está manietado por forças sinistras do passado, vivendo no presente e recusando-se a reconhecer que seu tempo e utilidade prática se esgotou.
Aquela teimosia evidenciada pelos discursos e aparições na comunicação social moçambicana, por parte de pessoas que se consideram os únicos interlocutores validos na arena política nacional, é sintoma de que os sistemas que implantaram estão gravemente doentes. Há que ver essas pessoas reformando-se efectivamente, e suas políticas sendo substituídas por posicionamentos que correspondam aos anseios da maioria dos moçambicanos. 
Seu elitismo parasita é contrário as aspirações dos moçambicanos. Essas pessoas só podem subsistir através da imposição e da impunidade judicial.
A frente de batalha política hoje é o estabelecimento de um sistema político que garanta estabilidade e desenvolvimento no país. Nesse sentido e para que se almeje o fundamental é necessário que se desamarre o país de todos os constrangimentos elaborados por forças arreigadas ao poder, pelo poder si.
É uma batalha complexa e titânica mas o único caminho para que se garanta a paz e o respeito pela moçambicanidade de todos.
Basta de Moçambique ser “comandado” a “remoto controlo” por um grupo restrito de “supostos eleitos e especiais cidadãos… (Noé Nhantumbo)


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