Canal de Opinião. Por: Noé Nhantumbo
Nó que emperra o processo político em Moçambique precisa de ser
encontrado, desatado, desactivado em definitivo…
Blindagem e controle em absoluto do sistema judicial
determinam e produzem impunidade…
Beira
(Canalmoz) - Cada passo que Moçambique dá acaba logo depois em passo não dado
ou concretizado, na verdade. Os arranjos ou acordos assinados contêm premissas
para a sua anulação ou para o não cumprimento do acordado. Com a justiça
blindada a democracia esfuma-se…
De
uma maneira insidiosa e persistente, surgem sinais indicativos de que os
próximos tempos poderão ser difíceis, complicados e por que não dizer
violentos. Os condimentos para que isso aconteça têm sido reunidos há já muitos
anos num processo lento mas inexorável.
Os
estrategas do regime no poder souberam de maneira indisfarçável blindar o
aparelho judicial de tal modo que nada acontece sem que as altas instâncias
partidárias aceitem ou concordem. As pedras do sistema judicial foram colocadas
no tabuleiro de modo tão consistente com a agenda desejada que não resta
possibilidades práticas para que surjam alterações concretas nos procedimentos
vigentes ao nível governativo.
Aquele
teatro judicial que se tem seguido a todos os pleitos eleitorais, em que as
reclamações legítimas de opositores não são tratadas a contento, em que
legalismos convenientes são explorados e estabelecidos como factos, tem
sustentação no domínio completo que alguém possui, do aparelho judicial
nacional. Não se pode pensar nem em “sonho” que os comandos do sistema judicial
validem pretensões legítimas da oposição. Isso tem sido comprovado pelas
deliberações dos órgãos nos últimos anos.
Não
se pode falar de problemas de hoje sem nos referirmos a sua génese. As “cartas
foram baralhadas e distribuídas” de maneira abertamente contrária os preceitos
democráticos. O facto de isso não ser formalmente reconhecido nem tratado na
comunicação social não significa que não esteja acontecendo.
Logo
à partida, os detentores do poder governamental organizaram-se no sentido de
garantir que o controle dos instrumentos e órgãos de decisão não saíssem de
suas mãos.
Os
retrocessos e hesitações frequentes, sempre que se tem de decidir no sentido de
um desenvolvimento mais abrangente e com impacto visível na vida dos cidadãos
são patentes. Verifica-se um recuo e recusa por parte dos que supõem que ceder
aos imperativos democráticos seria perder protagonismo e eventualmente o poder.
Não
é fácil diagnosticar as causas dos desarranjos institucionais e orgânicos no
país. Passado algum tempo após a assinatura do tristemente famoso AGP é
possível ver qual foi a motivação dos actores naquele histórico acordo. Todos
queriam sair vencedores num processo em que a superioridade de uns era militar
e a de outros era política, diplomática. Uns estavam convencidos de que a
vitória militar ou os êxitos que garantiram a inviabilização de um regime que
não estava habituado a ceder, fosse o suficiente para ascenderem ao poder
político e governamental em Moçambique.
Outros
se prepararam e organizar no sentido de assegurar a continuação de seu domínio
nas instituições encarregues da validação doa actos governativos e eleitorais.
Desde
sempre que quem domina nos corredores da justiça moçambicana tem sido figuras
fiéis e obedientes ao partido Frelimo. Concordam com esta afirmação?
Uma
das heranças do regime de partido único vigente logo após a proclamação da
independência de Moçambique foi sem dúvidas um sistema judicial politicamente
motivado e bem distante de conceitos e práticas como o respeito pelos direitos
políticos e económicos dos cidadãos. Direitos humanos sempre estiveram longe da
abordagem adoptada pelo poder em 1975.
Só
quem não viveu os primeiros anos da independência moçambicana é que poderá
ignorar o tipo de justiça que era administrada no país.
Um
movimento de oposição com uma história de êxito no campo da guerrilha, da
guerra, não conseguiu construir uma capacidade de entender e interpretar os
dossiers jurídicos e suas implicações práticas. Isso teve como consequência
directos desaires eleitorais de difícil explicação. A tese da fraude e
manipulação jamais largou o país. Diga-se em abono da verdade que há muito
“fumo escuro” rodeando os processos eleitorais em Moçambique. Mas com o partido
no poder em Maputo comandando e “puxando os cordelinhos”, toda a máquina
administrativa e judicial tem tomado decisões a favor dele.
É
como que dizer que a Frelimo organizou estrategicamente “a cama em que a Renamo
aceitou deitar-se” sem aperceber-se que se tratava de uma armadilha.
Alguns
dirão que o ex-beligerante, opositor político no processo multipartidário que
se iniciava terá “embandeirado em arco”. Outros dirão que houve nas hostes da
oposição política uma manifesta recusa em integrar conselheiros e peritos em
assuntos judiciais que se tornaram de crucial importância como logo se viu.
Outras teses podem existir e a realidade pode ser diferente de todas elas. O
crescimento da musculatura política é processo que leva o seu tempo. A
maturidade política e a capacidade de criar mecanismos de participação alargada
na esfera política são fenómenos exigindo uma clarividência nem sempre
disponível. Política activa é um processo de aprendizagem permanente em que da
parte da liderança se exige uma atenção e alerta permanente. Quem “dorme na
sombra da bananeira em política acaba como o camarão que dorme”.
Lutas
intestinas e provocações por agentes de inteligência externos minaram ou
corroerão alguma coesão que existia no principal partido de oposição em
Moçambique. A Renamo enfraqueceu-se em momentos políticos vitais.
Com
uma liderança pouco disposta a admitir ou permitir o florescimento de alas no
seio de seu partido, viu-se figuras proeminentes sendo excluídas e quadros
afastando-se. Não temos conhecimento qualificado sobre o que aconteceu mas a
verdade é que a saída de alguns políticos trouxe para a opinião pública uma
imagem de um partido com problemas.
Em
geral o país possui uma cultura política incipiente e a maioria dos cidadãos
não se preocupa em analisar as maquinações e jogadas dos bastidores políticos.
Quem
tenha uma massa crítica de quadros posicionada em lugares nevrálgicos como o
aparelho judicial sai em vantagem numa competição como um pleito eleitoral.
O
controlo da máquina judicial, dos mecanismos de decisão dos recursos, tem
permitido limitar a participação da oposição nos pleitos eleitorais.
Se
no último ciclo eleitoral a Renamo e o MDM foram excluídos de participar em
muitos círculos eleitorais isso tem reflexos na composição dos órgãos eleitos.
A Assembleia Provincial de Sofala tem a sua actual composição exactamente
porque muitos candidatos da oposição foram eliminados antes do voto.
Esta
maneira de organizar vitórias eleitorais antecipadas só pode acontecer em
circunstâncias em que o controle do sistema judicial se apresenta assimétrico e
inquinado na sua génese.
Todos
os abusos de meios do Estado para realizar campanhas político-eleitorais,
documentados jamais foram investigados pela Procuradoria-Geral da República. A
utilização de dinheiro do Ministério das Finanças para proceder a pagamentos de
propaganda da Frelimo em Inhambane, por exemplo, jamais mereceu tratamento
apropriado e legal de quem de direito.
Um
vice-ministro foi encontrado utilizando viatura do Estado numa altura em que se
encontrava fazendo campanha eleitoral de seu partido em Cuamba. Falou-se do
caso mas sem consequências por aí além…
Engana-se
quem pensa que a democracia é um processo que se concretiza sem que seus
sujeitos abdiquem de vícios do passado monopartidário.
A
carga cultural transportada pelos “políticos” moçambicanos, pelos que se querem
manter no poder a qualquer custo está interferindo abertamente com a agenda
proclamada.
Moçambique
está manietado por forças sinistras do passado, vivendo no presente e
recusando-se a reconhecer que seu tempo e utilidade prática se esgotou.
Aquela
teimosia evidenciada pelos discursos e aparições na comunicação social
moçambicana, por parte de pessoas que se consideram os únicos interlocutores
validos na arena política nacional, é sintoma de que os sistemas que
implantaram estão gravemente doentes. Há que ver essas pessoas reformando-se
efectivamente, e suas políticas sendo substituídas por posicionamentos que correspondam
aos anseios da maioria dos moçambicanos.
Seu
elitismo parasita é contrário as aspirações dos moçambicanos. Essas pessoas só
podem subsistir através da imposição e da impunidade judicial.
A
frente de batalha política hoje é o estabelecimento de um sistema político que
garanta estabilidade e desenvolvimento no país. Nesse sentido e para que se
almeje o fundamental é necessário que se desamarre o país de todos os
constrangimentos elaborados por forças arreigadas ao poder, pelo poder si.
É
uma batalha complexa e titânica mas o único caminho para que se garanta a paz e
o respeito pela moçambicanidade de todos.
Basta de Moçambique ser “comandado” a “remoto
controlo” por um grupo restrito de “supostos eleitos e especiais cidadãos… (Noé
Nhantumbo)
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