quarta-feira, 20 de março de 2013

Situação pode custar a credibilidade do Estado moçambicano


Funcionários do Ministério da Justiça burlam Embaixada do Brasil

Secretária Permanente do Ministério da Justiça esconde nomes dos prevaricadores

Maputo (Canalmoz) – Uma rede de funcionários do Ministério da Justiça (de Moçambique) burlou a secção consular da Embaixada do Brasil em Maputo, falsificando correspondência institucional trocada entre o Ministério e a representação diplomática brasileira. Tratou-se de uma operação que visava conseguir obter vistos de entrada no Brasil para pessoas estranhas.
O Canalmoz/Canal de Moçambique está na posse de um documento falso emitido por funcionários do Ministério da Justiça, dirigido à Embaixada do Brasil, a solicitar a emissão de visto de entrada para uma senhora de nome Eunice Temba, descrita no documento como funcionária do ministério, mas que na verdade não é quadro daquela instituição governamental. 
Usando falsa assinatura de um alto dirigente do Ministério da Justiça, e carimbo institucional, os funcionários conseguiram ludibriar a embaixada do país lusófono da américa latina e obter o visto de entrada no Brasil para a referida cidadã, em tempo recorde. 
O Ministério da Justiça, através da sua Secretária Permanente, confirmou ao semanário Canalmoz/Canal de Moçambique que o ministério não tem nos seus quadros nenhuma funcionária que se chame Eunice Temba.
Não se sabe para que finalidade a senhora Eunice Temba pretendia viajar para o Brasil, mas a verdade é que os moçambicanos estão a perder o bom nome no Brasil, devido ao seu constante envolvimento em operações de tráfico de droga. 
Sabe-se apenas que para evitar complicações no momento de solicitação de vistos, usou-se uma alta instituição do Estado moçambicano para a Eunice Temba, fazendo-a passar por funcionária do Ministério da Justiça. 
Este episódio poderá complicar daqui para o futuro o processo de aquisição de vistos a outros moçambicanos. 

Os contornos deste caso

A carta a considerar Eunice Temba como funcionária do Ministério da Justiça, datada de 4 de Julho de 2012, saiu da Direcção dos Serviços Nacionais de Prisões, levando falsa assinatura do Prof. Dr. Luís Abele Cezerilo, assessor da ministra da Justiça para a Área. 
O Dr. Cezerilo, contactado pelo Canalmoz/Canal de Moçambique, recusou-se prontamente a admitir que assinou tal carta. 
Na verdade, o nome de Dr. Cezerilo estava digitalizado num computador e a assinatura que vinha manuscrita era ilegível, mas numa análise minuciosa aproxima-se à qualquer coisa como Mércia Guila.
A carta endereçada ao Consulado do Brasil em Maputo solicita visto de entrada no país sul-americano para “a funcionária Eunice Temba”, descrita como “Técnica Superior N1”. A justificação é que se desloca ao Brasil para “uma visita de estudo, troca de experiência”. Tudo falso. 
A tal senhora Eunice Temba existe, mas não trabalha no Ministério.
O formulário de pedido de visto foi preenchido com o nome de Eunice Eduardo Roque Temba Agra, nascida a 27 de Novembro de 1976, na cidade de Maputo. 
Ao expediente enviado ao Ministério da Justiça estava anexada uma cópia da passagem de avião, em nome de Eunice Temba.
A partida de Maputo para o Brasil estava marcada para 02 de Setembro de 2012 e a de regresso a Moçambique a 07 do mesmo mês. Uma visita relâmpago. 

Assim o esquema de burla estava montado. 

Em nome da instituição governamental conseguiu-se infiltrar uma funcionária fantasma – se é que não houve mais – na comitiva do ministério que iria se deslocar ao Brasil.
Embora não haja provas documentadas, fontes do Canalmoz/Canal de Moçambique garantem que este não é o primeiro caso. 
Dizem-nos que é prática reiterada no ministério dirigido pela juíza-conselheira do Supremo em comissão de serviço no cargo de ministra da Justiça, Dra. Benvida Levy, enganarem-se embaixadas para obter vistos para estranhos.

Algumas falhas na carta

A carta enviada ao consulado do Brasil em Maputo, quando analisada detalhadamente, permite apurar-se que está enferma de alguns erros. 
A carta foi efectivamente emitida a 04 de Julho de 2012, mas no final da página consta a data 04 de Julho de 2010.
A segunda falha é que a carta leva a assinatura escrita a computador, do “Professor Dr. Luís Abele Cezerilo”, descrito como “Especialista B”, mas a assinatura é de Mércia Guila, em letras praticamente ilegíveis.
No corpo, a carta apresenta alguns erros ortográficos incomuns para o nível de correspondência que é um documento oficial.

Eis o conteúdo da carta transcrita taxativamente:

“República de Moçambique
Ministério da Justiça
Serviço Nacional das Prisões
Repartição das Relações Públicas

Ao Consulado do Brasil
Assunto: Pedido de Emissão de Visto de Entrada
O Serviço Nacional das Prisões apresenta ao Consulado do Brasil os melhores cumprimentos e tem a honra de referir que no âmbito do acordo de cooperação existente entre a Republica de Moçambique e a Republica Federativa do Brasil, desloca-se a esse País no proximo dia 23 de Agosto de 2012 uma delegação do Ministério da Justiça. E neste contexto que se deslocará ao Brasil a funcionária Eunice Temba, Técnica Superior N1 para uma visita de estudo e troca de experiência. Assim sendo, vimos pela presente solicitar bons oficios desse consulado no sentido de emitir um visto de entrada ao pais do qual a V.Excia é Digno Representante. Aproveitamos o ensejo para reiterar os protextos da nossa maior e elevada estima e consideração e endereço os nossos melhores cumprimentos. 
Consideração superior
Maputo, 04 de Julho de 2010
Prof. Dr. Luis Abele Cezerilo
 (especialista B)

Professor Cezerilo desconhece a carta

O Canalmoz/Canal de Moçambique contactou o professor Luís Cezerilo, que é simultaneamente docente universitário, para apurar se teria participado, de facto, neste esquema de burla à representação administrativa do Brasil em Moçambique. Luís Cezerilo disse desconhecer a carta e afirmou que não chegou a assinar nenhum documento do género.
“Quem tem responsabilidades sobre a mesma (carta) é a pessoa que assinou”, disse o professor. 
Luís Cezerilo, na conversa com a nossa Reportagem, admitiu ter viajado ao Brasil em Agosto do ano passado “em missão de serviço”.
Perguntado se conhecia a funcionária Eunice Temba, o professor Cezerilo disse não poder falar nada acerca do assunto.
“Perguntem a quem assinou a carta, porque não sei nada sobre essa funcionária”, disse o assessor da ministra da Justiça para a Área Prisional, Luís Cezerilo.
A não ter sido ele a assinar como afirma, está aqui consumado um caso criminal passível de ser investigado: o da falsificação de assinatura.

Secretária Permanente do ministério reconhece a burla

O Canalmoz/Canal de Moçambique abordou o Ministério da Justiça sobre este caso. A Secretária Permanente do Ministério (SP), Sheila Lemos Santana Afonso, disse conhecer o caso ao mesmo tempo que confirmou a inexistência da tal funcionária.
“Na qualidade de gestora dos Recursos Humanos, devo dizer que não consta nenhuma funcionária com esse nome nos quadros do Ministério da Justiça, nem dos Serviços Nacionais de Prisões. Portanto não temos essa funcionária nos nossos quadros. A dona Eunice não faz parte do nosso quadro”, clarificou a Secretária Permanente do Ministério da Justiça.

Caso é do domínio institucional

A SP do Ministério da Justiça, Sheila Santana Afonso, admitiu ter tomado conhecimento desse caso “de pedido de visto de entrada no Brasil, de uma funcionária que não faz parte do Ministério da Justiça nem dos Serviços Nacionais de Prisões”. Descreveu o facto como “uma atitude ilegal”. Estranhamento ninguém foi punido por isso. Tolerou-se “uma atitude (tão) ilegal” quanto depreciativa para o bom nome do Estado moçambicano e de todos os moçambicanos. A burla não foi investigada para ser devidamente esclarecida. O caso ficou assim mesmo como se não se tratasse de um caso importante que pode pôr em risco a credibilidade do Estado moçambicano. E os nomes dos prevaricadores, conhecidos do Ministério da Justiça, estão a ser escondidos.

Não houve nenhum processo disciplinar nem criminal

Questionada sobre as consequências desta “atitude ilegal” para os seus praticantes, a SP respondeu nos seguintes termos: “Felizmente apenas foi o pedido do visto. O Estado não sofreu nenhum encargo com as despesas da emissão do visto nem com os custos da viagem da senhora Eunice Temba”, comentou, entretanto, Sheila Lemos.
“Pode-se dizer que o que aconteceu é ilegal. Por isso os funcionários envolvidos foram alvo de uma advertências verbais e não registadas sobre os seus actos”, explicou a Secretária Permanente sem aceitar mencionar os nomes dos “funcionários envolvidos”. Ficava assim claro para nós que o próprio Ministério da Justiça está a encobrir prevaricadores.

Sobre a falsificação da assinatura

Questionada sobre o facto de na carta dirigida ao Consulado do Brasil vir por baixo o nome de Luís Cezerilo e a assinatura de Mércia Guila, a Secretária Permanente do Ministério da Justiça disse que “pode ser que a pessoa que devia assinar não estivesse presente na ocasião e uma outra pessoa assinou”.
Sobre a senhora Mércia Guila, que assina a carta dirigida ao Consulado do Brasil, a Secretária Permanente do Ministério da Justiça disse ter conhecimento de que “ela está afecta à Repartição de Relações Publicas dos Serviços Nacionais de Prisões”.

“Mas não posso adiantar mais nada, porque não sei se ela teve ou não nomeação ou se chefia aquela repartição”, disse a Secretária Permanente que é quem se incumbe dos Recursos Humanos do Ministério da Justiça. (Redacção com Bernardo Álvaro) 

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