Por Maka
Angola
Com Alexandre Neto:
Angola é um dos poucos países do mundo onde,
ao arrepio da lei, oficiais superiores do exército, particularmente generais no
activo, se apresentam abertamente como empresários e fazem negócios privados
com o Estado, que supostamente servem, para enriquecimento pessoal.
No léxico oficial, a prática de misturar o
exercício de funções públicas com a realização de negócios privados, ao mesmo
tempo, tem sido celebrada como o estabelecimento da “burguesia nacional”,
“empreendedorismo”, “direito de cidadania” dos dirigentes, “reforço da capacidade
empresarial dos angolanos”, etc. Do lado contrário, um auto-proclamado
brigadeiro, filho de um general na reserva, dá-lhes luta e afirma-se
revolucionário e defensor do povo roubado proclamando: “Faço a minha luta sem
violência/ a minha arma de combate são as palavras (…)”. É o polémico rapper
Brigadeiro 10 Pacotes.
Os generais-empresários, regra geral, gozam
tanto de imunidade quanto de impunidade. Com tais exemplos no exército, aos 23
anos, um soldado da Brigada de Tropa Especial, decidiu também tentar a sua
sorte como produtor musical e, por isso, está preso sem culpa formada. Trata-se
do comando Jaime Manuel Mateia, mais conhecido por “Negro Py”.
Amante do hip-hop, Negro Py tem estado
informalmente ligado à Independente Universal Produções. Esta recentemente
importou de França, via DHL, 10,000 cópias do álbum “A Ditadura da Pedra: Vol
2” e do DVD “Brigadeiro 10 Pacotes: O Líder Revolucionário”.
A carga foi supostamente confiscada pela
Alfândega Nacional, a 19 de Fevereiro. Representantes da empresa produtora
contactaram os serviços alfandegários e foram informados, após terem sido
encaminhados para vários gabinetes, que “o caso está com os tubarões, e não
podemos fazer nada”.
A 7 de Março, Negro Py, em companhia de
Agostinho Rob “Pensador”, representante do Brigadeiro 10 Pacotes, e mais três
associados, dirigiam-se às instalações da multinacional DHL no Bairro Cassenda,
em Luanda. O grupo tinha em mãos uma carta a solicitar, à DHL, comprovativo
escrito sobre o suposto confisco dos discos. “Queríamos um termo de apreensão
da carga para lutarmos pelos nossos direitos”, disse o Pensador ao Maka
Angola.
A delegação nem sequer chegou à porta da DHL,
na Avenida 21 de Janeiro, do lado oposto do Terminal de Cargas do Aeroporto
Internacional 4 de Fevereiro. Um forte dispositivo policial esperava-os.
“[Agentes policiais] mandaram-nos parar e perguntaram-nos para onde íamos.
Percebemos a intenção e começámos a correr”, explicou o Pensador.
Os agentes policiais efectuaram alguns
disparos para imobilizar os fugitivos. Negro Py embateu contra uma viatura,
caiu e foi detido pelos agentes policiais. Os outros fugiram.
Em declarações ao Maka Angola
a partir da penitenciária militar do Tombo, onde se encontra detido, Negro Py
revela que, no momento da detenção, foi brutalmente espancado por vários
agentes da Polícia Nacional, incluindo oficiais, com bastonadas, pontapés e
tabefes. “Os policiais gritavam que eu era ladrão, enquanto me espancavam, para
ninguém [traunsentes] ter pena de mim ou questionar a acção da PN”, refere a
vítima.
“Bateram-me até desmaiar”, enfatiza. O
Pensador, que se havia refugiado numa propriedade com vista para a cena de
pancadaria, contou um total de dez agentes que investiam a sua fúria contra
Negro Py. O produtor sofreu ferimentos na cabeça, abdómen e nos membros.
Inicialmente, os agentes policiais levaram
Negro Py ao Comando Municipal da Polícia Nacional na Maianga, onde o trataram a
bofetadas e com ameaças de uma longa estadia na cadeia.
Um vez identificado como militar, a Polícia
Nacional entregou o detido à custódia da Polícia Militar (PM), em cujas
instalações Negro Py passou uma noite. “Fui interrogado por um coronel da PM,
que me quis soltar no mesmo dia, mas depois recebeu instruções superiores e
transferiu-me para a Polícia Judiciária Militar (PJM)”, disse Negro Py.
Na PJM, “fui informado que o meu caso está a
ser diretamente tratado por um tenente-general , que a seguir veio falar
comigo. Eu expliquei o que se passou e ele se foi embora”. Desconhece-se o nome
do tenente-general que falou com Negro Py.
O comando sublinhou ter sido interrogado, de
seguida, por um procurador militar, o major “Muçulmano”. “Ele perguntou-me se
pertenço a algum movimento de protesto, se eu estava no local de uma
manifestação, se alguma vez participei numa manifestação”.
“Eu respondi que não sou membro de movimento
nenhum, nunca participei numa manifestação e cinco pessoas que vão entregar uma
carta a uma empresa privada não podem e nem devem ser considerados como
manifestantes”, rematou Negro Py.
Como conclusão do interrogatório, o major
“Muçulmano”, como é conhecido o procurador, indicou ao detido que este seria
submetido a julgamento sumário. “E não me disseram mais nada”, lamenta Negro
Py.
A 13 de Março, o produtor musical
manifestou-se surpreso quando recebeu ordens para embarcar na carroçaria de um
camião Kamaz, rumo à Penitenciária Militar do Tombo, a sul de Luanda, onde se
encontra actualmente.
A Associação Mãos Livres, liderada pelo
advogado David Mendes, decidiu patrocinar, de forma gratuita, a defesa do
comando, que continua detido sem culpa formada.
A Causa do Brigadeiro 10 Pacotes
Para melhor entendimento sobre a fúria
institucional contra Negro Py, é necessário conhecer a música e a trajectória
do Brigadeiro 10 Pacotes.
O jovem rapper descreve, nas suas líricas,
que os seus pais são veteranos do MPLA e conta como o seu pai o torturou e o
expulsou de casa por ele ter participado num concerto organizado pela UNITA, e
ter apoiado este partido da oposição.
Conhecida pela suas letras contestárias e
críticas do regime, a música do rapper é muito popular entre os jovens e ouvida
nos candongueiros de Luanda.
A preocupação do regime em relação ao rapper
tem sido extraordinária. O chefe dos Serviços de Inteligência e Segurança
Militar (SISM), general António José Maria “Zé Maria”, encarregou-se,
pessoalmente, da operação de cooptação coerciva do Brigadeiro 10 Pacotes, em
Junho de 2008, em vésperas da campanha eleitoral para as eleições parlamentares
de Setembro do mesmo ano. “Os homens do general Zé Maria praticamente me
capturaram na rua e levaram para o Complexo Turístico do Futungo II, onde
fiquei sob custódia durante quase três meses”, revela o músico.
Passou a ser assunto de estado. O rapper
tinha de assumir o compromisso de apoiar publicamente o Presidente José Eduardo
dos Santos e exaltar a sua personalidade como um grande e benevolente
estadista.
O Brigadeiro 10 Pacotes explica que “já no
complexo, o general Zé Maria ordenou-me que assinasse um documento, sem me
permitir a leitura do conteúdo”.
“Durante algum tempo, eu só podia circular
com autorização expressa do general Zé Maria e na companhia dos seus oficiais,
o coronel Van Troy e o major Suzana”.
Após o período de “quarentena”, o Brigadeiro
10 Pacotes passou a residir num apartamento no Nova Vida, providenciado pelo
SISM. Recebeu também uma viatura Mitsubishi de cabine dupla, a promessa de um
milhão de dólares, e uma residência no Zango, oferta directa da então
secretária do Presidente para os Assuntos Sociais e actual ministra do
Comércio, Rosa Pacavira. O Brigadeiro 10 Pacotes passara de artista anti-regime
para apoiante do Presidente José Eduardo dos Santos.
Em 2010, o rapper vendeu a residência no
Zango e a viatura, emigrou para França e voltou a ser uma voz crítica do
regime, com um novo álbum, “A Ditadura da Pedra”. A polícia apreendeu 20 mil
cópias do álbum quando seguiam para o local de venda em Viana, na portaria da
Rádio Despertar.
Agora, com a edição de “A Ditadura da Pedra:
Vol 2”, ei-lo mais uma vez na linha da frente entre os oponentes do Presidente,
com líricas ofensivas, às vezes malcriadas, injuriosas, e outras de protesto
social. O principal alvo dos ataques é José Eduardo dos Santos, enquadrado na
classe de Lúcifer. Os filhos do Presidente também merecem críticas, como “os
filhotes mais ricos de África”, pelos actos de corrupção e desgoverno em que se
acham.
O rapper esclarece, na batida introdutória:
“Sou bastante crítico/ não sou contra o MPLA/ Mas sim a forma de governar dos
dirigentes do MPLA/ principalmente do ditador José Eduardo dos Santos/ que está
há 32 anos no poder”.
Este ano, no dia 2 de Março, a polícia
interrompeu uma sessão pública de vendas de material promocional do rapper, que
decorria na portaria da mesma rádio, apreendendo 250 cópias de um DVD e 200
camisolas.
As músicas do artista são bastante populares
entre extractos da população que se sentem excluídos, sobretudo jovens, com
pouco ou nenhum acesso à informação real sobre o país e sem oportunidades de
educação qualitativa. O Brigadeiro 10 Pacotes é um relator hip-hop. Faz uma
resenha musicada, sem qualquer sofisticação artística, das críticas sociais que
se ouvem pelas ruas, circulam pelas redes sociais e são abafadas pelo poder
político. Os táxis, vulgo candongueiros, têm sido os principais veículos de
propagação de música contestatária.
“O kambwá está a nos matar/ morrer virou
moda/ o kambwá não valoriza a vida (…)”, denuncia o rapper num dos seus trechos
musicais. Mais adiante lamenta: “O kambwá fabricou bonecos obedientes (…)”.
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