segunda-feira, 1 de junho de 2009

Banca à deriva em Portugal


O Banco Insular de Cabo Verde e outras entidades em paraísos fiscais. O SLN é um conglomerado gigantesco cujos tentáculos se estendem pela banca, seguros, tecnologia, automóvel, turismo, saúde, indústria e transportes, agro-alimentares e imobiliário. Tem 140 empresas, 98 em praças off-shore, e 4.600 empregados.

O BPP congela os depósitos dos seus clientes depois da crise do BPN

FRANCESC RELEA 31/05/2009

EL PAÍS

Os clientes do Banco Privado Português (BPP) estão que gorjeiam. "É o único banco da UE com as contas congeladas", "é a primeira vez que a gente ocupa a sede dum banco em Portugal", "isto parece o corralito, quando o Governo argentino bloqueou em 2001 todos os depósitos", "directores do banco dizem que não podem fazer nada porque não há dinheiro, e no Ministério das Finanças nos dão largas"... As queixas são intermináveis e os ânimos aquecem-se dia a dia ante o que consideram uma fraude de grandes proporções. Duas mil contas, individuais e de empresas, têm os seus fundos congelados (1.200 milhões de euros) desde que o banco entrou em falência em Novembro, com um buraco de 700 milhões, e o Governo acudiu em sua ajuda com um aval de um empréstimo de 450 milhões concedido por seis bancos. O BPP tem uns 400 clientes em Espanha, galegos e valencianos na maioria.

Uma resignação com interrogações
Portugal, capital: Lisboa. Governo: República. População: 10,676,910 (est. 2008)

O ex presidente do BPN assinala os culpados ante o Parlamento

Uma situação similar atravessa o Banco Português de Negócios (BPN), se bem com consequências distintas para o cliente, ao menos por agora. Em Novembro, mês maldito, o Governo interveio ao sair à luz um buraco do BPN de 900 milhões de euros, que agora supera os 2.000 milhões. Naquele caso, à diferença do BPP, o Executivo optou por nacionalizá-lo e até agora nenhuma conta foi congelada.

Poderia dizer-se que os dois bancos livram uma pugna por lograr maior eco mediático. Esta semana, o protagonista principal foi José Oliveira e Costa, 73 anos, presidente do BPN entre 1998 e 2008 (demitiu-se depois de alegar razões de saúde) e na prisão preventiva desde 21 de Novembro. Na comparência ante a comissão de investigação parlamentária abriu a caixa dos trovões. De traje impecável, o primeiro banqueiro luso encarcerado aguentou estoicamente as oito horas de sessão sem denotar cansaço, com breves descansos para levantar-se do assento. Tardou seis meses a falar, mas disparou bala.

Falou de um grupo de dez accionistas e de um subgrupo de quatro que "manipularam conscientemente os factos para abortar as sucessivas hipóteses de venda do grupo Sociedade Lusa de Negócios (SLN)-BPN a entidades estrangeiras que reuniam as melhores condições". Compradores potenciais sauditas, jordanos, sírios, líbios, de EUA (grupo Carlyle), kuwaitianos (KIO), angolanos, espanhóis (Caixa de Galicia)... Falou também de um acordo secreto entre os referidos accionistas para vender o banco com sobrecarga. E deu nomes. Os conselheiros Joaquim Coimbra; Joaquim Nunes, o anterior presidente do banco; Miguel Cadilhe, que não saiu bem parado na larguíssima declaração de Oliveira e Costa.

Até que pronunciou o nome mais esperado: Manuel Joaquim Dias Loureiro, ex administrador da SLN, ex ministro, membro do Conselho de Estado e com bons contactos com a família real marroquina, entre outros. Oliveira não caminhou pelos ramos. Tratou-o de mentiroso, desleal e egocêntrico. E concluiu com uma frase demolidora: "O papel do doutor Dias Loureiro no Grupo SLN acabou como começou, quer dizer, criando problemas, ainda sempre negou estar envolvido na origem dos mesmos".

Acusado de delitos como fraude, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e falsificação de documentos, Oliveira e Costa negou solenemente qualquer acto fraudulento. "Por muitos erros que teria podido cometer", disse, "ninguém pode acusar-me, com a verdade de todo o processo, de ter perdido um só cêntimo, já que ofereci soluções que aportariam ao país milhares de milhões de euros".

O Banco de Portugal, como entidade supervisora, está em má posição por não tomar medidas no caso BPN. O deputado Nuno Melo, do Centro Democrático Social, leu um documento oficial que demonstrava que o regulador estava no ponto dos seus problemas desde 2002, ano da primeira inspecção. Oliveira não cutucou nem nesta ferida, mas a posição do governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, é cada dia mais débil. O Partido Comunista pediu a sua demissão e fontes do Partido Socialista, no Governo, não ocultam o seu mau estar pela evidência de que a supervisão falhou.

Ainda que tirou muitos balões fora ou se refugiou no silêncio, a comparência de Oliveira e Costa deixa abertas muitas interrogações sobre as actuações irregulares do BPN e a sua relação com ele.

O Banco Insular de Cabo Verde e outras entidades em paraísos fiscais. O SLN é um conglomerado gigantesco cujos tentáculos se estendem pela banca, seguros, tecnologia, automóvel, turismo, saúde, indústria e transportes, agro-alimentares e imobiliário. Tem 140 empresas, 98 em praças off-shore, e 4.600 empregados.

Outro banco à deriva é protagonista no Porto. Clientes do BPP com as suas contas congeladas ocuparam a sede ali. Paulo Jorge, porta-voz de uma das três associações de afectados, explica que o problema está nos activos de inversão chamados de "retorno absoluto". "O banco comercializava-os como se fossem depósitos a prazo, com capital e juros garantidos, e logo colocava este dinheiro no mercado de capitais puro através de uma carteira discricional, à margem dos clientes, que tinham um contrato que lhes garantia retorno a três meses, seis meses ou um ano". Com a crise financeira, os activos da carteira desvalorizaram-se 50%, como a participação na Bolsa do banco Millennium BCP, de que o BPP chegou a ter 24%.

Os clientes afectados tocaram a muitas portas, mas só foram ouvidos na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), segundo detalha Durval Padrao, do Movimento Retorno Absoluto, que agrupa a uns 450 clientes. "O Governo disse no ano passado que os aforros de todos os portugueses estavam garantidos, independentemente de qualquer valor. Em Portugal, o Governo salva o BPN através da nacionalização. Queremos o mesmo tratamento, ajuntou.

A congelação dos depósitos acaba formalmente em 1 de Junho, mas o Banco de Portugal disse que prorrogará o prazo. O que se acaba é a paciência dos clientes.

Uma demissão com interrogações
A comparência do ex presidente do BPN José Oliveira e Costa no Parlamento teve um efeito imediato. No dia seguinte, Manuel Dias Loureiro demitiu-se como membro do Conselho de Estado, órgão político de consulta do presidente da República. Os conselheiros gozam de imunidade, que só a perdem quando deixam de pertencer ao organismo. Dias Loureiro comunicou a sua decisão ao presidente Aníbal Cavaco Silva, que declarou que o conselheiro demitiu-se para poder ser escutado pela Procuradoria-geral da República (PGR) "ou antes possível".

Mais tarde acudiu a um canal de televisão e declarou que renunciava ao seu posto no Conselho de Estado para que ninguém acreditasse que se refugiava na imunidade do cargo. Assim mesmo, negou qualquer relação entre a demissão e as declarações de Oliveira e Costa do dia anterior. É provável que esta decisão ajude à investigação do caso BPN, mas está para ver se Dias Loureiro a tomou livremente, sem pressão de nenhum tipo, ou foi aconselhado desde as mais altas instâncias. O ex administrador executivo da Sociedade Lusa de Negócios foi ministro dos Assuntos Parlamentares e da Administração Interna (Interior) nos tempos de Cavaco Silva como primeiro ministro, e foi nomeado pelo o hoje presidente da República como um dos cinco membros do Conselho de Estado de designação directa. À medida que avança a investigação, este cavaquista consumado corria o risco de converter-se numa peça cada vez mais incómoda para o presidente da República.

Imagem: http://ingridcerveira.blogspot.com/

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