sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Cavaleiro do Rei (30). Novela


Ainda o casal real dormia com um olho aberto e outro fechado, numa bela cama estilo Luís XIV, quando a princesa abriu a porta com a chave que surripiou à mãe. Senta-se na cama ao lado da progenitora, acorda-a. A rainha levemente assustada levanta a cabeça, pergunta à filha:
- Que horas são?
- São cinco horas mãe.

O rei desperta completamente, ouviu o cinco horas da manhã, e repreende a princesa.
- Filha bonita do papá e da mamã, se não tiveres um bom motivo para nos acordares a esta hora, vou-te dar uns bons açoites no teu real rabinho.
- Meu senhor, se ousardes tal façanha, verá tal angústia minha, que preferirei viver como uma rameira. – Ousou a Rainha.
- Senhora minha, deixai-me educar os meus filhos. Eles têm pai, só mãe não é suficiente. Noto que a educação que lhes dais, é indigna de uma verdadeira rainha.
- Senhor meu… ide à merda!
- Como prefere ser rameira, se já o é?!
- Irreal senhor, não me obrigue a devassar o seu íntimo!
- Sinto-me sem integridade moral. Vejo-me forçado a utilizar as mãos, e ferir talvez a indelicadeza dos seus lábios!
- Real atrevido, como ousa? Tente e verá, arrependêreis-vos ad aeternum.
O esposo levanta a mão, a esposa procura um objecto. A princesa dá um grito, que de certeza se ouviu no Castelo e arredores.
- CALEM-SE!!! Porras!!!

Chora. As torneiras dos olhos parecem os tubos e condutas da Real Empresa de Águas, sempre a estoirarem, a rebentarem. As lágrimas correm como a cachoeira do Sumbe pelos declives das faces. A rainha comove-se.
- Nunca a vi chorar assim.
- Tal mãe tal filha. Já não se pode dormir no meu reino. Vou bazar e tratar dos assuntos de Estado. Isso é mais importante. As rameiras que se entendam. – Disse o rei em retirada e atirando com a porta com tal violência, que lascas saltaram.
As duas abraçam-se. A mãe faz um gesto de desprezo na direcção da porta. A princesa observa.
- Piranhar minha cara mãe.
- Estás a ficar conspurcada como a ralé. Vou evitar que saias muito do Palácio.
- Aprecio muito viver com a ralé. Aprende-se muita coisa.
- Por exemplo o quê!
- A fome. Isto não é um reino. É um campo de concentração onde as pessoas morrem à fome.
- Tem o que merecem. Não é só aqui que existe fome. Muitos reinos adernam sem salvação castigados pelas independências selvagens. As pessoas esqueceram-se que para serem independentes têm que trabalhar muito.
- A questão é essa… dêem-lhes trabalho. Todos querem trabalhar. A fome é merecimento para alguém…?
- Fumaste não é?!
- Não, Deus me livre!
- Então… passada para os republicanos?
- Não, passada para o lado da justiça dos esfomeados.

A rainha guardou silêncio. Não sabia como reagir às inesperadas afirmações da filha. Tentou as habituais artimanhas de mãe.
- Os teus dezoito anos de idade surpreendem-me. Vives bem, não te falta nada. O que mais queres?

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