sábado, 27 de junho de 2009

Ismael Mateus e o vulcão angolano


A montanha pariu um rato pequenino que (ainda por cima) é surdo e mudo
Ismael Mateus SEMANÁRIO ANGOLENSE

O MPLA continua mudo e impassível, apesar dos comprovados sinais de uma generalizada insatisfação com a gestão do seu governo. Perante críticas da sociedade, o MPLA prefere colocar-se na posição da vítima perseguida pelos frustrados e invejada pelos ambiciosos. Desde modo, a ideia que se pretende passar ao país é de que, realmente, os problemas não existem, sendo apenas uma fabricação, uma invenção dessas pessoas frustradas e invejosas.

Convencido nos seus 80% como uma espécie de selo de garantia, o maioritário está apostado em desvalorizar e em não atender o coro de críticas sobre a má gestão dos fundos públicos, sobre a falta de oportunidades a angolanos e a outros círculos que não sejam os afectos ao poder e, sobretudo, ao factos de se prioridade os estrangeiros em detrimento dos angolanos. É a chamada política de avestruz: o MPLA recusa-se a ver o óbvio e a assumir uma postura pública de acordo com os compromissos assumidos em Setembro. O MPLA continua a enganar-se a si mesmo, acreditando nas teorias das cabalas contra si. É mais um estranho e incompreensível equívoco do maioritário.

Não temos dúvidas de que as políticas definidas e aprovadas pelo MPLA estão correctas. Por esta razão a primeira pergunta que o maioritário se deveria colocar é: estando as políticas correctas, por que razão existe esse tão elevado nível de insatisfação? Se os dirigentes do MPLA quiserem ser fiéis às suas promessas eleitorais têm que saber responder a esta pergunta. Não vale a pena fingir que não existe insatisfação. Existe! Oiçam o povo nas rádios e televisões. Oiçam os comités de acção. Oiçam o povo dos candongueiros e praças. Estamos todos frustrados e mal pagos. O MPLA prefere não ver essa insatisfação. Prefere não acreditar que a expectativa e a esperança criadas em Setembro já ficaram reduzidas a um debalde geral. Existem muitas razões para isso, mas a principal é o facto do partido maioritário não ter honrado com a promessa de mudança feita durante a campanha eleitoral.

Tanto a conferência nacional do MPLA quanto as entrevistas de dirigentes e os discursos de JES apontavam claramente para uma mudança de estilo de governação e também no modo de gerir os recursos humanos. A lista de deputados e a formação do governo foram desilusões atrás de desilusões. Não representaram nem a viragem prometida nem uma mudança de critérios de selecção e de governação. Os meses seguintes comprovaram a sensação inicial de que a montanha das promessas eleitorais tinha parido um rato, um pequenino rato e ainda para mais surdo e mudo. O benefício da dúvida e o estado de graça não duraram quase tempo nenhum. Por mais que os dirigentes partidários e os ministros vejam nos críticos apenas gente frustrada e invejosa que os persegue, a verdade é que andamos todos cansados e fartos deste estilo de governação. Esperava-se que as eleições representassem um novo estilo, mas isso foi só mesmo uma esperança. Não está tudo na mesma. Está tudo um bocado pior.

O descrédito é geral. Ao não ver isso, o MPLA está a arrastar o país para uma depressão geral de consequências imprevisíveis. De frustrados passaremos a depressivos. E de depressivos passaremos à loucura. O país pode cair numa letargia tal que, faça-se o que se fizer, ninguém mais dará ouvidos a ninguém e nada mais resultará, porque toda a gente está e continuará convencida de que, apesar das promessas de mudanças, no final, contas feitas, vai tudo dar às mesmas pessoas, ao mesmo estilo de governação, aos mesmos vícios e aos mesmos beneficiários. Alias, para sermos honestos, já vivemos essa letargia. As obras que foram um forte trunfo para os 80 por cento dos resultados eleitorais também hoje estão em sub-rendimento.

Passados nove meses das eleições, todos vêem que muitas das obras foram feitas apenas para as eleições. Não são de qualidade, a ponto de alguém lhes ter chamado obras de papelão ou de esferovite. As obras que eram para ser duradouras já estão a dar mostras da sua má qualidade. Foram pagas a preço de ouro, duas ou três vezes mais do que valem e mesmo assim revelam-se de má qualidade. Ninguém é responsabilizado.

Mesmo assim, reconhecidamente, as obras são os únicos atenuantes para o MPLA e sua governação. Andar pelo país está mais fácil. As cidades estão mais bonitas. As obras são o único cartão de visita desta nova/velha governação nascida em Setembro de 2008. É daí que vêm os únicos pontos favoráveis para a (pouca) tolerância que ainda há. O resto é, clara e declaradamente, um fracasso. O MPLA confunde o êxito do cimento e do betão com a gestão dos recursos humanos e dos problemas sociais. Apesar do grande sucesso das estradas, mesmo as que já se vão estragando, os angolanos vêm-se sentindo cada vez mais preteridos das oportunidades do país. Esta é uma sensação que o MPLA não pode fingir não ver. A onda de protesto contra as inúmeras oportunidades dadas a estrangeiros vem aumentando assustadoramente e, se nada for feito, isso vai rebentar nas ruas com manifestações de xenofobia.

Do mesmo modo, não se pode deixar de ver a insatisfação geral pelos excessos dos grupos privilegiados de pessoas afectas ao poder. Há um pequeno grupo de pessoas e grupos económicos que «comem tudo». É a turma do «comem tudo», vulgo «Donos do país». Ficam com todos os negócios chorudos, ficam com todas as oportunidades e concursos públicos e agora até assaltam as empresas públicas seja por via da sua gestão directa ou por via da chantagem, forçando-as a contribuir para os seus projectos privados. Não há, obviamente, ninguém a inventar isso. O MPLA facilmente pode conferir quem são os patrocinadores de determinados eventos e de que forma esses patrocínios são conseguidos. Pode conferir quem são os grupos económicos que têm os principais negócios do país e a quem estão ligados. Pode conferir com quem vão ficar os negócios do Estado que estão a ser e vão privatizados.

Mesmo que nas reuniões do grupo parlamentar e do secretariado o MPLA prefira fazer a politica da avestruz, os seus dirigentes, os seus militantes de base sabem que há problemas sérios na gestão das oportunidades e nos critérios de selecção. Há um pequeno, muito pequenino, grupo que se está a apoderar de tudo e isso vai inexoravelmente redundar em violência. Estamos hoje próximos daquela realidade colonial dos anos 60 que levou a que muitos filhos de Angola aderissem à luta de libertação. Tal como se fazia em relação ao colono português, a grande maioria dos angolanos queixa-se hoje dos mesmos problemas que os mais velhos faziam nos anos sessenta, nomeadamente a subjugação económica da maioria a um pequeno grupo que parte e reparte tudo entre os seus parentes, amigos e sócios estrangeiros. Um cidadão angolano normal tem de entrar para um sistema geral de bajulação, adoração e servilismo ou então nem casa tem para morar. A casa de chapa ou desenrascada, o terreno que a muito custo conseguiu ainda pode ser alvo de cobiça da turma dos «comem tudo». Mesmo o pequeno negócio para desenrascar a vida um dia pode acabar porque alguém da turma dos «comem tudo» resolve ficar com o terreno ou montar, com a ajuda do Estado e dos dinheiros públicos, um negócio para acabar com a concorrência angolana.

Mesmo perante este cenário, o MPLA finge não ver. Odeia as vozes críticas. Os mais velhos que apreendemos a respeitar, à excepção de Pepetela, Manuel Rui Monteiro, Mendes de Carvalho e Marcolino Moco, estão calados. Estamos a perder o respeito por eles. Em nome do seu povo tiveram a coragem de lutar contra o sistema colonial de Salazar, mas agora renderam-se ao vil metal. Por meia dúzia de tostões, estão em compadrio com este sofrimento do povo, renegando até o seu passado de luta por este povo. Isso é absolutamente incompreensível porque vem de dirigentes do MPLA que tinham brilhantes folhas de serviço à nação. Agora por causas dos negócios e das migalhas que colhem da turma dos «comem tudo» não querem ver. Não querem saber. Não querem ouvir. Não querem saber das velhas causas. Querem morrem com dez quintas, dez empresas e uma conta bancárias com muitos zeros.

Toda a vida de luta agora se reduz, penosamente, a isso. Não existem referências morais no MPLA. Deixaram de existir. Estão todos comprometidos. Este é o preço do silêncio. Obviamente, não os podemos respeitar como antigamente. Assim, logicamente, vinga no seio do MPLA, e com muito sucesso, a ideia de que as criticas são meros casos de inveja e frustração de alguns. Como pode um partido com as responsabilidades do MPLA chegar a tamanha cegueira política? SA

Semanário Angolense nº 322. De 27 de Junho a 04 de Julho/2009

Imagem: http://www.brasilescola.com/geografia/vulcoes.htm

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